29 de dezembro de 2019

DEPOIS DA ELEIÇÃO EM QUE O ÓDIO VENCEU

(O texto foi escrito em janeiro de 2018, meus desejos não se realizaram)

Durante pelo menos quatro anos eu desejo muito que nenhum aluno negro de um professor que votou no ódio seja morto por “parecer” bandido (pela cor da pele) em nome da máxima “bandido bom é bandido morto”. Porque se acontecer eu vou querer muito também que esse professor que votou no ódio saiba que ele é culpado pela morte do seu aluno.

Durante pelo menos quatro anos eu desejo muito que nenhum filho de nenhum negro que votou no ódio seja morto por “parecer” bandido (pela cor da pele) em nome da máxima “bandido bom é bandido morto”, porque se acontecer eu vou querer muito também que esse negro que votou no ódio saiba que ele é culpado pela morte de seu próprio filho.

Durante pelo menos quatro anos eu desejo muito que nenhum filho de nenhuma mulher negra que votou no ódio seja morto por “parecer” bandido (pela cor da pele) em nome da máxima “bandido bom é bandido morto”, porque se acontecer eu vou querer muito também que essa mulher negra que votou no ódio saiba que ela é culpada pela morte de seu próprio filho.

Durante pelo menos quatro anos eu desejo muito que nenhum namorado, marido, namorada ou esposa de nenhum(a) homossexual que votou no ódio seja morto(a) por “ser uma bichona” ou por “ser uma sapata”, porque se acontecer eu vou querer muito também que esse(a) homossexual que votou no ódio saiba que ele(a) é culpado(a) pela morte do seu afeto.

E, me desculpe, mas se você votou no ódio, durante pelo menos quatro anos você será culpado(a) pela morte de todo negro inocente ou culpado que seja morto, sem direito a defesa, em nome da máxima “bandido bom é bandido morto” institucionalizada pelo ódio no qual você votou; você será culpado(a) pela morte ou pelo estupro de toda mulher que seja agredida em nome do machismo institucionalizado pelo ódio no qual você votou; e você será culpado(a) pela morte de todo homossexual que seja assassinado em nome do “viado e sapata têm mesmo é que morrer” institucionalizado pelo ódio no qual você votou. Para mim será sempre como se você tivesse puxado a arma (seja ela qual for) e a usado no corpo indefeso. Se for um amigo, familiar, aluno, inocente, você será igualmente culpado.

E se você é um cristão que votou no ódio, eu tenho certeza de que, o Jesus Cristo no qual você diz que acredita e ao qual você diz que adora, caso exista, vai manter você MUITO longe dele porque ao votar no ódio você mostrou que não aprendeu NADA das lições às quais diz amém nos cultos ou nas missas. Afinal, Jesus, se existiu, foi um comunista (dividiu o pão por igual a todos), foi um esquerdopata (expulsou os vendilhões do templo e não aceitou as regras vigentes) e por não obedecer as leis foi preso e torturado e assassinado. O que, na sua concepção ou na concepção do ódio no qual você votou mostrando que é também o seu ódio, só acontece com quem não pode mesmo ser grande coisa e, por isso, “recebeu o que mereceu”.

Você que votou no ódio esqueceu a lição de “dar a outra face”, esqueceu a lição de “Quem nunca pecou que atire a primeira pedra”, esqueceu a lição de quem expulsou os vendilhões do templo, esqueceu as lições de quem andava com prostitutas e ladrões e respeitava a todos igualmente. Você que votou no ódio, se Jesus existir, não vai ter o direito de se aproximar dele. Seu lugar será outro.

Então, aconselho você que votou no ódio a se tornar ateu, assim não precisará temer o inferno, que é para onde ele afirmou que irão os que se dedicam ao ódio e não ao amor; ele, o Jesus que você diz amar mas não ama. Porque votou no ódio e esqueceu o amor.

21 de dezembro de 2019

"O ASPECTO MAIS TERRÍVEL SOBRE HITLER: ELE ACREDITAVA NO QUE DIZIA".

Terrível, triste. E pensar que ainda hoje existem pessoas que acreditam exatamente nas mesmas coisas que ele! Mas, infelizmente não é só isso: Tem muita gente que acredita piamente em muitas coisas estranhas e que não vão parar de acreditar se por acaso lerem esse texto ou verem nos noticiários os números de sofrimento e morte em consequência de suas crenças.

- Tem gente que acredita que os negros são intelectualmente e moralmente inferiores aos brancos;

- tem gente que acredita que crianças assassinadas por bala perdida são só “efeito colateral”;

- tem gente que acredita que os homossexuais são aberrações e devem ser espancados e até mortos;

- tem gente que acredita que mulheres são objetos a serem possuídos e que devem obediência ou morte aos machos da espécie;

- tem gente que acredita que seu deus “se agrada” de violências e assassinatos cometidos “em seu nome”;

- tem gente que acredita que combate às drogas é a mesma coisa que entrar nas favelas atirando;

- tem gente que acredita que só a sua religião é válida e tem que ser imposta como lei;

- tem gente que acredita que os maiores representantes das religiões estão fazendo o bem quando tudo o que fazem são discursos;

- tem gente que acredita que é correto matar médicos que fazem aborto;

- tem gente que acredita que é correto e educativo espancar crianças;

- tem gente que acredita que fazer discursos de ódio nos púlpitos não incita violência;

- tem gente que acredita que caça e pesca são esportes em que todo mundo se diverte e esquecem dos animais e dos peixes envolvidos;

- tem gente que defende pena de morte;

- tem gente que acredita que é legal prender pássaros em gaiolas;

- tem gente que acredita que estupro é culpa da mulher e que transexualidade é falta de vergonha;

- tem gente que acredita que para ter dinheiro e poder vale fazer qualquer coisa, inclusive roubar dinheiro da saúde e da educação;

- tem gente que acredita que crimes de estupro e pedofilia cometidos e acobertados por líderes religiosos não têm nada a ver com a instituição religiosa porque são só “umas poucas laranjas podres” e não religiosos “de verdade”;

- tem gente que acredita que falsificar remédios e roubar merenda de crianças é ser esperto e azar de quem perdeu;

- tem gente que acredita que pessoas diferentes merecem ser humilhadas e é divertido “tirar sarro” delas por terem mais ou menos peso, por serem mais altas ou mais baixas, por terem espinhas ou usarem óculos, por terem sotaque nordestino ou sulista, por serem portadores de necessidades especiais ou por terem qualquer característica que as destaque como “diferentes”;

- tem gente que acredita que chamar alguém de "viado", "gay" ou "mulherzinha" é opção natural de xingamento, ou apenas "brincadeirinha" que não magoa nem ofende ninguém;

- tem gente que acredita que miséria é culpa dos miseráveis;

- tem gente que acredita que entre os miseráveis abandonados à própria sorte a criminalidade é maior porque eles são mesmo “gente ruim”;

- tem gente que acredita que para diminuir a violência tem que ter mais armas, mais polícia invadindo favelas, mais presídios e mais gente encarcerada;

- tem gente que acredita em meritocracia no Brasil;

- tem gente que acredita que juiz não precisa ser imparcial se estiver julgando aqueles que elas odeiam;

- tem gente que acredita que um cara que defende pena de morte, torturador e milícia é uma boa opção de voto.

- tem gente que acredita que tudo que escrevi aí em cima é só um monte de besteira de uma "petralha esquerdopata";

Tem gente que acredita em cada coisa tão idiota que a gente chega a ter dificuldade em acreditar que existam mesmo pessoas assim.

17 de dezembro de 2019

FUI UMA CRIANÇA MUITO DIFÍCIL E TENHO ORGULHO DISSO

Resposta a um texto sobre a infância de antigamente (que transcrevo abaixo):

Eu cresci comendo a comida que meus pais podiam colocar na mesa, e se tivesse algo que eu não gostava tinha que comer mesmo assim. Se não comesse apanhava porque "Criança não tem querer!".

Fui obrigada a respeitar meus pais e dizer sim mesmo quando eles estavam errados porque "Criança não responde!", e tive que respeitar as pessoas mais velhas mesmo quando eram velhos FDP porque "Criança não tem opinião!"...

Tive TV só na adolescência, antes disso tinha a "televizinho" que nem sempre era uma boa porque em geral “televizinhos” não eram lá muito bem-vindos - exceto na primeira vez, quando os proprietários exibiam a televisão nova com os ares de “Eu tenho, você não tem!”.

Criança não escolhia canal, sentava no chão e, se os donos da casa serviam alguma coisa boa de comer, serviam para os adultos, não para as crianças. Tínhamos que “engolir” o desejo e ficar quietos porque "Criança não fala na casa dos outros se não apanha quando chegar em casa!".

Antes de sair para a escola eu não arrumava a minha cama porque sempre achava uma boa desculpa para não o fazer.

Apenas mexia a boca para fingir que fazia o juramento à bandeira e para fingir que cantava o Hino Nacional na escola porque achava isso uma tremenda babaquice. E ainda acho.

Não bebia água de torneira porque não tínhamos água encanada, bebia água do poço que minha mãe puxava com um balde preso por uma corda. Um peso desgraçado que a envelheceu antes do tempo.

Andava descalça ou usava chinelos. Tinha também os sapatos “de uniforme” – horrorosos e pesadões – quando ganhava de um governo mais “generoso” em troca do voto do meu pai. Não tinha tênis, nem mesmo baratos. As roupas não só não tinham marca como muitas delas minha mãe fazia, em alguns casos reformando roupas velhas que ganhava de algum parente mais afortunado.

Não existia celular, nem tablet e muito menos computador. Para ler um livro era um trabalho enorme porque a biblioteca da escola ficava trancada e ninguém podia entrar. Fiquei no pé da inspetora muito tempo até convencê-la a me deixar trancada lá para poder ler. Estudava à tarde mas ia para a escola no horário da manhã e ficava todo o período trancada na biblioteca lendo. Li toda a coleção de Monteiro Lobato assim. Só eu tive esse privilégio porque fui pentelha demais. Os demais alunos não liam nem podiam ler.

Lia também os livros de jornaleiro, em geral histórias de “bang bang”, que meu pai comprava ou ganhava dos colegas da fábrica onde trabalhava. Cheguei a escrever uma história de “bang bang” quando bem criança, o título era “A cidade escravizada” e tinha todos os chavões dos “bolsilivros” do meu pai. E lia os gibis do Tio Patinhas e do Mandrake que ele comprava para mim desde que descobriu que eu já sabia ler. Amei muito meu pai por isso!

Não ajudava minha mãe nas tarefas de casa se pudesse evitar, e evitava sempre que conseguia inventar alguma razão, como uma "dor de barriga" muito bem fingida. E sim, eu achava que era exploração porque queria brincar e ler!

Eu tinha horário para deitar, mas dormia a hora que queria porque aprendi a ler com pouca luz e a sonhar acordada.

Quando tirava boas notas não ganhava presentes, por isso nunca aprendi a andar de bicicleta e não tinha livros em casa, exceto raros livros emprestados e – lembrança maravilhosa! – um volume em capa dura dos Doze trabalhos de Hércules, do Monteiro Lobato que um amigo roubou em algum lugar e me deu de presente. Não sei dizer quantas vezes li esse livro.

Outro amigo me emprestou A moreninha, do Joaquim Manoel de Macedo e não teve pressa de receber o livro de volta. Li uma meia dúzia de vezes, pelo menos!

Estudei contrariando a opinião de que "mulher não precisa estudar”. Notas baixas não eram castigadas uma vez que não importavam as minhas notas – porque sou mulher - e sim que eu respeitasse o professor. Mas para ser honesta não tenho muita certeza disso porque não tirava notas ruins para saber se seria castigada ou não.

Eu apanhava quando aprontava, ou quando “achavam” que alguma coisa era minha culpa. Apanhava muito, ficava com raiva e aprontava outra pior para me vingar da surra. Estava quase sempre marcada de cinta e achava isso terrível, uma humilhação a que fiz questão de não submeter meu filho.

Conheci muitas crianças que apanhavam e sofriam muito mais do que eu. Uma pena que naquele tempo espancamento de crianças não era um caso de polícia!

Não, não sou revoltada porque meus pais não agiam assim por mal, eles foram criados dessa forma e faziam o que achavam que seria o melhor para mim.

Por essas razões eu nunca, nunquinha, jamais vou endossar essa ideia absurda de que a infância de antigamente era melhor!

Certo que hoje há, em muitos casos, um excesso de permissividade, mas não é louvando as torturas do passado que vamos melhorar isso.

Sim, eu sobrevivi, mas não sinto nenhuma saudade da minha infância, ao contrário do meu filho a quem acho que consegui dar uma infância bem melhor do que a minha, principalmente tentando sempre não cometer os mesmos erros dos meus pais.

Ordem, Respeito, Disciplina, Bondade, Educação e Amor podem perfeitamente existir, se essas coisas formarem uma via de mão dupla, se formarem não uma lista de imposições, mas uma lista de frutos de uma convivência saudável. Dessa forma se pode incentivar concordância no lugar da obediência vazia, puro fruto do medo.

Com amor e exemplos é possível formar uma pessoa decente que sinta saudades da infância que teve e que não fique pensando que é preciso espancar crianças para ser um bom pai ou uma boa mãe.

Por um mundo onde não haja só direitos e deveres. Nem para as crianças, nem para os adultos que as têm sob sua guarda.

O texto que originou minha resposta (Não sei quem é o autor):

Eu cresci comendo a comida que meus pais podiam colocar na mesa, sempre respeitei meus pais e as pessoas mais velhas... Tive TV com 7 canais e não mexia para não quebrar, e antes de sair para escola arrumava a minha cama...

Fazia o juramento à bandeira na escola, bebia água de torneira, andava descalça, tênis barato e roupas sem marca, não tive celular, nem tablet e muitos menos computador...

Ajudava minha mãe nas tarefas de casa e não achava que era exploração infantil, tinha horário para dormir.

Quando tirava boas notas não ganhava presentes, porque não tinha feito mais que minha obrigação. Notas baixas era castigo, apanhava quando aprontava e isso era apenas um corretivo e não caso de polícia!!

E não sou revoltado e não faço análise em médico, e não falta nenhum pedaço em mim.

Se você também faz parte dessa elite, cole isto no seu mural para mostrar que sobreviveu.

Menos frescura e mais disciplina para essa geração!!!! É disso que o mundo e as crianças estão precisando!

Ordem, Respeito, Disciplina, Bondade, Educação, Obediência e Amor...

Por um mundo onde não haja só direitos, mas também DEVERES!

11 de dezembro de 2019

ZOTRO, O DEUS DO MAL


O pior e mais terrível vilão da humanidade não foi Hitler, não foi Mao, nem é sequer o diabo, que nunca se viu mas que muita gente jura que existe. O pior vilão da humanidade é um cara chamado Zotro.

Zotro é muito poderoso, ele é capaz de estragar os melhores planos de qualquer pessoa, basta que alguém conte pro Zotro o que pretende fazer e o que de bom virá dali e pronto: o Zotro consegue fazer com que tudo saia errado.

Uma poderosa arma do Zotro parece estar no olhar. Todos dizem que o Zotro não pode ver ninguém bem que logo lança seu mau olhado e o que estava bem fica mal, e o Zotro fica feliz.

Aliás, nada deixa o Zotro mais feliz do que a infelicidade alheia.

O Zotro é capaz de pensar, mas só pensa mal. Ninguém pode fazer ou dizer algo que pronto, o Zotro pensa mal! E quando o Zotro pensa mal o mal se concretiza. Esse é o mais terrível poder que o Zotro tem.

Por isso cuidado, não fale sobre os seus planos que o Zotro faz com que eles não se realizem. Não diga que está feliz que o Zotro faz com que as razões de sua felicidade desaparecem como por magia.

Não se comporte de forma mais liberal, não se vista para o verão e não sorria nem fale alto porque o Zotro pensa mal e o mal que ele pensou gruda em você para todo o sempre.

Não adianta confiar na passagem do tempo para que tudo volte ao normal porque o Zotro nunca esquece.

Ah, e se tem algo que o Zotro não suporta é um relacionamento harmonioso. Seja casamento, namoro ou amizade, basta que esteja tudo correndo bem e o Zotro descubra para que as coisas comecem a mudar. O Zotro começa com intrigas, usa seu mau olhado e, como último recurso quando falham os demais poderes, ou quando estes não foram suficientes, o Zotro pensa! E todo mundo sabe que quando o Zotro pensa mal tudo de mal acontece.

Mas o pior de tudo, o pior mesmo é que o Zotro tem duas das piores qualidades de um deus: Ele é onipresente e nunca morre.

A boa notícia é que ele não é onisciente. Para que o Zotro saiba de alguma coisa é preciso que alguém conte pra ele, só aí ele age.

E quando o Zotro age ninguém escapa!

9 de dezembro de 2019

UMA VEZ EU VI JESUS

             Eu era pequena e estava doente. Estava de cama e minha mãe, para variar, estava desesperada como ela sempre ficava quando um de nós ficava doente. Então eu dormi e sonhei que estava parada, em pé, do lado da cama e que me senti mal a ponto de achar que ia cair, daí eu disse “Ai, meu deus, me ajuda!” e Jesus apareceu na minha frente com um raminho de mato na mão. E Jesus me benzeu igual uma das benzedeiras de onde minha mãe levava a gente sempre. Daí o sonho continuou com Jesus brincando comigo como meus colegas brincavam e acabou. Eu acordei e não estava mais doente. Contei o sonho pra minha mãe e ela, é claro, não teve dúvidas de que Jesus tinha me curado, rezou um monte agradecendo o milagre. 

Eu mesma acreditei nisso durante muito tempo. Mas quando li a bíblia e comecei a questionar a religião, comecei a questionar isso também. Demorou bastante para chegar a uma conclusão porque no começo era bem difícil questionar o que sempre aprendi que não era para questionar. Eram mais pensamentos involuntários que muitas vezes eu afastava rapidamente, mas os pensamentos “hereges” foram se tornando mais teimosos e chegou um tempo em que não fugiam mais quando eu tentava espantá-los.

Leituras de livros de filosofia e de livros religiosos juntamente com outras leituras da bíblia acabaram por me forçar a assumir que a fuga não era mais possível. Eu me descobri ateia depois de pensar em muitas coisas ligadas à religião, entre elas essa vez que vi Jesus.

Pensei melhor nesse sonho e ficou claro que naquele dia a criança que eu era apenas juntou características do Jesus que tinha visto muitas vezes, inclusive em um quadro na frente do qual minha mãe rezava com a benzedeira que era amiga da gente. E concluí também que sarei porque nem estava tão doente assim e sararia de qualquer forma. A continuação do sonho tendo sido tão comum, com Jesus se confundindo com meus coleguinhas de brinquedo confirma totalmente essa certeza.

E, falando como a ateia que sou, se Jesus se deu a todo esse trabalho para me curar de uma doencinha boba, por que não me deixar sarar naturalmente e usar essa energia para curar outra criança que realmente precisava. Morreram, de doença, pelo menos três crianças do meu bairro naquela época.

7 de dezembro de 2019

A DITADURA MILITAR TEVE UM "LADO BOM".

(O que estou respondendo aqui são falas reais de um defensor desse período)


Reaça: - Todos cantávamos o Hino Nacional todos os dias.

Divina: Nem todos cantávamos o hino nacional todo dia, e a maioria dos que cantavam – eu que só fingia cantar inclusive – não sabiam quanto sofrimento e quanta morte estavam acontecendo naquele exato momento nos porões da ditadura. Aliás, não sabíamos da existência dos porões da ditadura.
E, me desculpe, mas acho que cantar o Hino Nacional não é e nunca foi prova de que vivemos em uma nação civilizada e digna. Nos tempos de Hitler os alemães cantavam o Hino Nacional. Nos tempos de Franco os espanhóis também o faziam... e acho que posso dizer sem errar muito que o Hino Nacional de cada país nunca foi tão cantado quanto nos piores tempos das piores ditaduras.

Reaça: - Respeitávamos nossos professores, os policiais, nossos pais e as autoridades em geral

Divina: Respeitávamos os professores porque tínhamos recebido uma boa educação EM CASA e não por causa dos militares. Respeitávamos os policiais porque não sabíamos o que eles estavam fazendo. Respeitávamos nossos pais porque se não o fizéssemos seríamos espancados por eles, ou porque eles nos educavam melhor, e, novamente, isso não tem NADA a ver com os militares!
Respeitávamos autoridades em geral porque em geral as temíamos e, na minha humilde visão, respeito e temor não é a mesma coisa. E como temíamos as autoridades ou porque nossos pais nos dariam um tapefe de tirar o fôlego caso não o fizéssemos, respeitávamos. E, novamente, isso não tem a ver com os militares.
Respeitávamos ainda, provavelmente, porque nos ensinavam que algumas daquelas autoridades poderiam nos prender, e se isso tem alguma coisa a ver com militares devia ser porque o medo da prisão, e o conhecimento instintivo desse medo, tinha ultrapassado a censura e, mesmo não sabendo exatamente porque, sabíamos que não era preciso muita coisa para sofrer penas indizíveis. Quando criança muito pequena, naquela idade que os adultos acham uma gracinha e brincam com a gente quando estamos em algum lugar público no colo da mãe, eu aceitava brincar com qualquer pessoa, exceto policiais, minha mãe conta que se um homem fardado se aproximava de mim com brincadeirinha eu danava a chorar. 😊
Imagino que algo semelhante deve ter acontecido com as pessoas nos tempos da Inquisição.

Reaça: - Os militares erraram em alguns pontos, mas estavam perseguindo gente que queria implantar o Comunismo Soviético e Cubano aqui no país

Divina: Será mesmo que você consegue colocar o seu senso de ética, de humanidade e de decência tão longe e torná-lo tão pequeno e insignificante a ponto de poder dizer que adversários políticos devem ser derrotados a marteladas e choques nos testículos?
Fora que se você estudar fontes confiáveis (Não Olavo de Carvalho) verá que a esquerda no Brasil nunca teve o poder e a articulação de que é acusada pelos defensores dessa aberração que você também está defendendo agora.

Reaça: - Os inimigos que os militares queriam derrotar são os mesmos que hoje estão no poder e que fizeram toda essa lambança,

Divina: Desculpe, não sou especialista em história e pouco sei de economia, mas acho que escândalos de roubalheiras e de desvios de dinheiro aconteceram INCLUSIVE nos tempos - na sua opinião áureos - dos militares. Eu sou velha, me lembro de alguns deles de que ouvi falar rapidamente, “an passant”, antes de não ter mais uma palavra a respeito em jornal nenhum. A diferença daquele tempo e de hoje, pelo menos por enquanto, é que naqueles tempos os jornais não podiam publicar, a televisão não podia falar e os juízes não podiam condenar.

Reaça: - Os militares abriram estradas, fizeram pontes, fizeram hidroelétricas, linhas de transmissão, melhoraram portos e aeroportos

Divina: Sim? Não sei dizer exatamente se tudo isso foi assim TÃO verdadeiro e TÃO maravilhoso em todo o país (Lembro da música: “Caía a tarde feito um viaduto e lembro de um viaduto “no ar” que ficou anos e anos envelhecendo e inútil na frente da faculdade onde estudei), menos ainda posso pontuar todos os impactos ambientais, étnicos e sociais que toda essa melhoria proporcionou, mas lembro vagamente de alguns poucos casos desastrosos, como a Transamazônica, por exemplo.
E, que eu saiba, qualquer livro de história pode nos contar quanto custou o “Milagre econômico” que tornou o tempo dos militares tão próspero. Eu me lembro da pobreza e da inflação galopante (muito anterior ao PT) que eram resultado da dívida externa gigantesca gerada pelo “milagre econômico”.
Lembro também de ouvir os adultos fazendo piadas sobre a maravilha de ter altos cargos na Petrobrás: o emprego ideal para ladrões e “amiguinhos” de ladrões. Mais tarde soube que teve gente que denunciou a corrupção na Petrobrás na época da ditadura e teve problemas, como o jornal Pasquim e o Paulo Francis, se não me falha a memória.
Daí vem você e esse bando de revoltados acéfalos agindo como se corrupção na Petrobrás (entre outras) fosse invenção do PT só porque nunca viram ninguém ser preso e condenado antes.

Reaça: - As escolas tinham uma qualidade muito superior ao de hoje

Divina: Tinham sim! Mas tinham também muito menos alunos frequentando, muito mais excluídos. Sou uma das críticas mais ferrenhas do estado atual da educação no Brasil, mas NUNCA, (nunca mesmo!) vou querer que a educação pública melhore à custa da liberdade e da exclusão!
Ah, estudei em escola pública nos tempos da ditadura quando a educação era “muito superior” e meu pai, cada vez que via meus cadernos e livros, ficava horrorizado com a baixa qualidade da educação que eu recebia comparada à que ele recebeu quando tinha a minha idade, bem antes da ditadura e também em escola pública. Será mesmo que militares melhoraram o nível da educação ou só não conseguiram piorar o suficiente porque para isso precisavam de um pouco mais de tempo?

Reaça: - Não sou defensor da repressão e do autoritarismo

Divina: Engraçado você dizer que não é defensor de repressão e do autoritarismo enquanto defende a ditadura militar! Parece muito com um aluninho meu de quinta série (atual sexto ano) que uma vez disse, certamente repetindo o que ouvia em casa: “Não sou racista mas não gosto de negros” ou outro aluno mais velho que disse: “Não sou homofóbico mas se encontrar um viado na minha frente em caceto” e fez sinal de soco com a mão. Essa coisa de negar afirmando parece que virou moda ultimamente... é uma pena!

Reaça: - Olha o que seus "amigos" fizeram

Divina: Você relaciona duas coisas até curiosas como as que meus "amigos" fizeram: Primeiro o estatuto do desarmamento, sobre o qual pouco posso dizer além de que sou contra esse pensamento troglodita e, desculpe dizer mas burro, de que uma arma na mão de cada “cidadão” resolve todos os problemas de violência no país; e a outra é que me lembro vagamente de ter acontecido uma votação a respeito e a “não arma”, se não me falha a memória, ganhou.
O outro ponto que ironicamente você coloca como algo terrível que os meus "amigos" fizeram foi, nas suas palavras, “tentativa de controle da imprensa”. Cara, juro que agora fiquei espantada! Então você defende os militares que CONTROLARAM a imprensa criticando a democracia que, “tentou” controlá-la? Onde foi parar a sua lógica?
De onde você tirou isso de que houve essa tentativa eu não tenho certeza, mas imagino, e nem sequer duvido de que tenha havido algo que poderia ser visto dessa forma, mas acho que a simples existência da Globo e da Veja com suas meias verdades, versões elaboradas e palavras escolhidas para – elas sim! – controlarem o que e como o povão pensa e quem e como o povão ama ou odeia já torna claro que essa “tentativa” não deu muito certo. Esse controle DA imprensa sobre o povo é mais do que prova de que a imprensa pode até estar sob controle, mas não do governo!


6 de dezembro de 2019

LEMBRANÇAS DE INFÂNCIA


Não sei como eu era, mas sei como parecia a mim mesma. Minha mais antiga lembrança. Eu era só pernas e cabeça. Muito alta, muito altas as pernas porque chegavam até o pescoço, então havia a cabeça com os cabelos enormes e que não ficavam como eu queria que ficassem. Eu nem mesmo sabia como queria que ficassem. O rosto com olhos enormes que sabiam ver mas não sabiam entender nada do que viam e a boca que sempre se arrependia do que dizia e que nunca conseguia ficar fechada. Tinha também a testa, quase tão grande como as pernas e que se enchia de espinhas o tempo todo e de suor todo o dia. E havia os joelhos. Eram dois e estavam sempre machucados; um sangrava, outro tinha ferida com casca que era bom de tirar, aí o que estava com casca ralava de novo e sangrava e o que estava sangrando criava casca que era bom de tirar. Mas tirar casca de ferida fazia sangrar e se a mãe visse fazia levar bronca. Às vezes os dois joelhos estavam iguais, ou sangrando ou com casca. Você vai ter pernas feias, os joelhos cheios de cicatriz, não vai arrumar namorado desse jeito. Era a mãe falando. Então eu pensava no namorado que não teria por causa dos joelhos feios e cheios de cicatrizes. Ele era marrom e bonito e gostava de outra menina que além de pernas tinha também um corpo, uma cara bonita e enormes cabelos que ficavam do jeito que ela queria que ficassem. Ela sabia como queria que eles ficassem. Tinha a professora que era preta, era gorda e era linda de tão simpática mas que passava o tempo todo escrevendo na lousa e escrevia tão depressa que não dava tempo de copiar, principalmente de copiar enquanto olhava para o menino que era o namorado que não ia me querer nunca porque eu era só pernas e cabeça. Mas um dia eu tive um vestido de papel e fui uma boneca frágil e linda porque era vermelha e amarela e nenhum vestido foi mais bonito do que o meu, e era meu aniversário e a professora que era preta, gorda e linda deixou que eu servisse os docinhos porque era meu aniversário e eu fiquei feliz mas acabou porque teve o dia que eu entrei na sala da menina que sabia como queria que o cabelo dela ficasse para ser bonito e o meu namorado que não me queria tinha deixado um recado de amor para ela e eu chorei. E na hora de brincar de roda eu e minhas pernas sempre escolhíamos o meu namorado que não me queria para brincar e ele escolhia a menina de cabelos bonitos e eu ficava triste mas eu tinha uma amiga que me dava biscuit e copiava a lição pra mim porque ela sabia escrever muito rápido e era muito, muito boa mesmo e ela morava perto da escola e a casa dela só tinha uma mesa e pacotes de biscuit porque eu fui lá algumas vezes e não me lembro de nada além de uma mesa e pacotes de biscuit. Um dia eu fui comprar paçoquinha e umas crianças acharam que eu não era só pernas e cabeça e viram que eu usava calcinha e fizeram que eu brincasse de mamãe e disseram que a mamãe tira a calcinha na hora que vai dormir, eu que tinha olhos enormes que viam e não entendiam nada, não entendi o que era a brincadeira e nem sabia porque uma mãe iria tirar a calcinha para dormir mas não entendia e eles sabiam brincar de um brinquedo novo que era fingir que dormia só que antes tinha que tirar a calcinha e então eu que não entendia nada tirei a calcinha e eles esconderam a calcinha e não queriam me devolver e eu comecei a chorar mas eu não tinha vergonha porque era muito burra de sexo e nem sabia que eles não eram burros de sexo que nem eu e eles me deixaram chorando um monte de tampo entes de devolver minha calcinha porque tinham escondido debaixo de uma frigideira mas eu fui pra casa e fiquei parada perto da minha mãe e queria contar uma coisa para ela mas era uma coisa que eu não sabia o que era e nem tinha certeza se era uma coisa das que se conta para a mãe da gente e eu esperei com cara de quem fez alguma arte e a minha mãe parou de lavar a roupa um pouquinho e me perguntou porque eu estava olhando pra ela com aquela cara lambida e o que eu tinha feito de arte para estar com aquela cara de culpada, então eu pensei que não podia perguntar para ela porque as mães tiram a calcinha para dormir e se as mães tiram a calcinha para dormir e se era muito errado brincar de fingir que dorme como a mãe que tira a calcinha para dormir e deixar que as outras crianças escondam a calcinha da gente debaixo de uma frigideira e pensei que se eu perguntasse ela talvez fizesse como no dia que eu chamei ela de filha da puta e ela me bateu muito muito até eu ficar chorando e pensando muito para tentar descobrir o que era uma filha da puta que ela falava para mim mas eu não podia falar para ela. Agora eu sei que ela falava porque não queria me xingar mas eu falando estava xingando ela. Eu não entendia nada com os meus olhos enormes que só viam sem saber e as minhas pernas enormes que só tinham joelhos machucados que seriam muito feios e que o meu namorado nunca ia me querer. Mas acabou o tempo gostoso das férias e na volta da escola tudo ficou ruim porque os meninos gritavam cadê a minha calcinha e riam muito e o outro respondia está debaixo da frigideira e riam muito e só me viam andando na rua que riam muito e gritavam cadê a minha calcinha e outro respondia está debaixo da frigideira e eles riam muito e as meninas riam muito também e eu não sabia o que fazer porque não sabia que era tão bom humilhar as pessoas assim e eu fiquei com medo do meu pai me bater muito muito porque tudo que falava de menino e de mim junto meu pai ficava bravo porque ele achava que menino e menina não podiam nem brincar de nada muito menos de esconder a calcinha debaixo da frigideira e eu fiz de conta que não sabia nada, nada nem o pouquinho que eu sabia e perguntei para as meninas que não riam e que olhavam para mim com cara de muita pena e de muita tristeza por causa da pobre coitada que eu era e elas me contaram que os meninos falaram que fizeram besteira comigo e eu não sabia o que era fazer besteira mas achei que era a mesma coisa que brincar de fingir que dormia que nem a mãe que antes de dormir tirava a calcinha e eu disse que não fiz nada e elas não acreditaram muito mas eu disse que não fiz nada e fiquei a vida inteira dizendo que não fiz nada e disse que não fiz nada para todo mundo e quando minha mãe me perguntou eu disse que não fiz nada e quando meu pai me perguntou eu disse que não fiz nada e quando todo mundo me perguntou eu disse que não fiz nada e eu fiquei sendo a maior mentirosa do mundo porque eu aprendi a dizer tão bem uma mentira que nem era mentira direito que ninguém podia deixar de acreditar em mim e meu pai e minha mãe acreditaram mas os meninos ficaram perguntando onde é que tá minha calcinha o tempo todo porque não adiantava eu dizer que não fiz nada e eles diziam que eu ia ficar grávida e que eu ia tirar o neném e eu não sabia de onde é que eu ia tirar um neném mas eles riam muito de mim e eu nem queria ir para a escola mas meu pai não deixava eu não ir e um dia a professora brigou com todo mundo porque ficavam rindo de mim e eu gostei tanto tanto da professora que sempre sempre ia lembrar muito dela mas agora eu esqueci. Só lembro que o nome dela era Dona Lurdes. E teve o dia que um monte de meninos estava perguntando cadê a minha calcinha e dando muita risada de mim no caminho da escola e eu já devia estar acostumada com isso mas eu não estava e o meu namorado que não gostava de mim estava junto e ele também ria de mim e eu senti tanta dor mas tanta dor que peguei uma pedra e joguei para acertar em qualquer menino que estava perguntando cadê a minha calcinha e dando risada de mim e fazendo meu namorado que não gostava de mim rir também e eu joguei a pedra e ela acertou nas costas de um menino que era loiro e inteligente e que disse depois que não estava rindo de mim mas que eu não sei não mas acho que ele estava rindo sim e ele foi para o hospital e levou ponto no machucado dele e a mãe dele foi na minha casa falar para a minha mãe que eu precisava apanhar porque eu tinha jogado uma pedra no filho dela e ele teve até que ir para o hospital e levar ponto porque o machucado foi muito grande e ela estava muito brava comigo e parece que ela queria ela mesma bater em mim e eu disse para ela que joguei a pedra porque eles estavam rindo de mim e perguntando cadê a minha calcinha e eles riam muito e eu fiquei com raiva e joguei a pedra e que podia acertar em qualquer um que estava rindo de mim e que acertou no filho dela ela então ficou com raiva mas foi com raiva do filho dela e deu uns tapas nele e xingou ele que bem feito de ele ter levado a pedrada e pediu desculpas para a minha mãe e foi embora e eu fiquei gostando muito dela porque o filho dela nunca mais riu de mim quando os outros perguntavam cadê a minha calcinha e riam.


5 de dezembro de 2019

A VIDA NÃO É BONITA!


Viver é um pé no saco. E olha que eu nem tenho saco... Não tenho mais saco para brincar de dizer que a vida é legal, não acredito mais nessa mentira há tempos, a vida é um porre, é ruim, é inútil, é desagradável. Viver não tem nenhuma razão, nenhum sentido, nenhuma graça.

Jovem gosta da vida porque só vive, não pensa. Mas a gente vai vivendo e começa a pensar. Por que será que é tão importante para raça humana ficar se dizendo o tempo todo que a vida é legal? Se fosse mesmo seria preciso ficar dizendo tanto? Por que a maioria das religiões condena o suicídio, não seria para que não haja suicídios em massa? Por que a gente tem tanto medo da morte se a vida é muito mais apavorante? Deve ser por que sem esse medo atávico a gente se recusaria a viver. Quem iria querer ficar nesse mundo tão ruim se não estivesse preso por um instinto que nada tem de racional?

Na vida tem prazer. Tá bom, tem prazer sim, mas quais são eles? Sexo? Para a maioria de nós é pecado, é tabu, é nojento, é comércio, é forçado de uma forma ou de outra. Ou é forçado porque a mulher transa só com o marido para ser honesta, ou é forçado porque o marido transa só com a mulher para ser responsável, ou é forçado porque a amante transa o homem casado por dinheiro, ou porque a menina ou o menino transam porque seus hormônios não são domináveis, ou é forçado porque já que todo mundo transa... ou é forçado mesmo. Estupro legalizado ou não. Sexo sem nenhum tipo de amarra praticamente não existe, ou realmente não existe, exceto, talvez, entre os animais. E se não tiver amarras tem consequências, é a gravidez indesejada, a traição ou o medo dela, a doença venérea mais ou menos grave, a acusação de pecadora, galinha, puta, vagabunda, “viado”, sapatão... Ou a cobrança que obriga a mentir, o garanhão que brocha, o sátiro que gostaria de encontrar sua alma gêmea, o cara que tem o pinto pequeno e é obrigado a tentar acreditar que tamanho não é importante, ou aquele que, coitado, nem sabe se tem pau pequeno ou não. Sexo, para a imensa maioria, acaba sendo na verdade algo ruim que se finge que é bom, algo bom que deixa culpa e sofrimento, algo morno de que não se fala nada ou se fala mentiras. E a vergonha do corpo? Quantos gordos e gordas? Quantos velhos e velhas? Quantos feios e feias? Quanta gente tão longe da “perfeição” se cobrando e se travando pela vergonha!

Que outro prazer tem? Comer. Mas comida nem todo mundo tem, e quem tem nem sempre tem o suficiente para o prazer, e quem tem para o prazer não pode porque engorda e gordura é feio. Tudo bem, é doença também mas quem liga? O ruim mesmo é que é feio. Comer por prazer dá vergonha, quase tanto quanto o sexo, dá culpa quase tanto quanto o sexo. Comer por prazer também é pecado, como o sexo. Comer é tão ruim quanto fazer sexo.

Beber? Mas beber vicia, dá ressaca, vira do avesso, destrói lares, mata de cirrose. Beber é pecado, é vício, em muitas culturas é proibido. Quanto às drogas ilícitas nem precisa falar porque basta falar das lícitas para lembrar que com as outras tem ainda mais dificuldades, problemas e consequências.

Criar filhos? Criar filhos não é prazer, é obrigação do instinto, é o instinto irracional da entrega, de cuidar e amar aquele que, se não fosse o instinto que impede até pensar nisso, seria a pessoa que primeiro desejaríamos matar. Sim, é cuidar de quem ficará no seu lugar quando você morrer, e por instinto você não quer morrer, mas prepara seu substituto como boi baixando a cabeça para o abate.

Amar as pessoas é um prazer? Talvez por um tempo, mas logo acaba. A pessoa não quer mais, você não quer mais, a pessoa morre, você morre, a pessoa te trai, você trai, a pessoa adoece, fica inútil e você tem que cuidar, você adoece, fica inútil e a pessoa tem que cuidar. Amar dói.

Viver é esperar a grande desgraça. E não se pode nem pensar em escapar. Ela virá, para você ou para alguém que você ama muito. Ela virá, com toda certeza, virá! Você só não sabe quando. Será a morte, uma doença, a velhice incapacitante, um acidente que mutila. Às vezes mais de uma dessas coisas vêm, juntas ou numa sequência com intervalos variáveis. Vem uma desgraça, duas ou várias, mas vem, sem dúvida nenhuma vem. É só uma questão de tempo.

As pessoas são boas? Mentira, somos todos terrivelmente ruins, não mato porque sou covarde, você não mata porque está alienado pela religião e, nesse momento, ela diz para não matar. Mas houve tempo em que a religião mandou matar e talvez volte a fazê-lo, então você também vai matar, torturar, roubar, humilhar, caluniar, e dizer que é a vontade de Deus. A religião leva a isso, é só uma questão de tempo. Tempo no passado ou tempo no futuro, talvez os dois.

Tem deus para te consolar? Só se você fechar bem seus olhos, seus ouvidos e sua mente. Só se você não pensar nem por um momento na dor que te cerca, que está sempre e a todo momento em você ou a teu redor. Deus como consolo? De que maneira se a religião afirma que ele mandou você não pensar? se a religião quer que você veja como pecado tudo aquilo que é contrário àquelas leis que, em algum momento, um homem cheio de fanatismo, paranoia e esquizofrenia, às vezes junto com outro sádico, humilhado e cheio de ódio doentio escreveu e disse que foi o próprio deus que o fez. E você acredita porque esse bando de loucos escreveu também que se você não acreditar será porque tem uma aliança com o diabo ou está sob a possessão dele – essa entidade que parece inspirada nas paranoias desses profetas lunáticos – e você será um descrente, um herege, um ímpio, um pagão, um qualquer-coisa que merece em tempos de paz o asco, o medo, a repulsa, o isolamento e até uma piedade rancorosa, e em tempos de guerra a tortura, a morte. Se você pensar será o isolado porque tudo que você pensar merecerá um “vade retro” e você corre o risco de se tornar o próprio diabo sem nem sequer acreditar nele.

Ah, tem o conhecimento. O saber é um prazer. Mas como se quanto mais sabemos mais sabemos o quanto somos ignorantes? E se sabemos, mais ainda, que nem sequer temos condições de avaliar a extensão da nossa ignorância? Somos amebas olhando para o sol, que pode entender de sol uma ameba? Que podemos entender de alguma coisa nós, pobres macacos pelados?

A natureza é linda, tem no mundo paisagens de tirar o fôlego do ser humano mais insensível, são recantos verdes, são ilhas em meio a mares azuis, são flores, perfumadas ou não, com suas cores e brilhos, são animais cuja aparência ou habilidade nos deslumbra, são filhotes cuja beleza e fragilidade quase que faz com que acreditemos no bem. Mas onde não vemos está o lindo inseto lançando veneno para capturar outro inseto não tão lindo assim, está o belo pássaro cantor se esbaldando de assassinar insetos, está o réptil capturando os filhotes mal saídos dos ovos de pássaros coloridos, está um peixe abrindo a boca e engolindo vários outros menores, às vezes da própria espécie, está um homem preparando uma armadilha para capturar um roedor a fim de vender sua pele, estão todos os seres vivos em uma guerra infinita de assassinatos em massa a que os biólogos chamam de cadeia alimentar. Um deus tem que ter requintes de sadismo para criar tal natureza, e nós temos que ser muito burros para ver beleza nisso. E somos.
E não, eu não estou falando da minha vida. Estou falando da Vida, ela mesmo, assim, com letra maiúscula. Alguém vai querer me convencer de que a vida é bonita? Comparada com o quê?

4 de dezembro de 2019

UM NATAL DIFERENTE


Eu não quero te desejar um feliz natal, eu quero te desejar uma feliz vida, quero desejar que você tenha uma sequência tão longa de dias felizes quanto forem os dias que te faltam pra viver, e que eles sejam muitos! Quero que você seja feliz a ponto de sentir provado em sua vida que felicidade contínua não causa tédio e que ser feliz de verdade não cansa.

Quero que você seja feliz mas não posso te desejar um feliz natal porque não acredito em natal, ao menos não acredito nele com essa conotação religiosa que tem, embora pense que todo pretexto para amar o outro e demonstrar isso seja válido. Pena que todos nós costumamos amar o outro de forma tão restrita! Amar apenas o outro que conhecemos, o outro do qual somos amigos, o outro que pensa como nós, o outro que é nossa família. Seria tão bom se todos nós pudéssemos ampliar esse “outro” até abarcar todas as pessoas do planeta nessa definição! Isso é o que eu desejaria!

O “aniversariante do dia”, embora esteja no meu nome, não significa nada para mim além de uma ideia em nome da qual muito se matou e muito se odiou no mundo, e em nome do qual ainda se mata e ainda se odeia. Não sei ser condescendente com ideia tão destrutiva, me desculpem. Uma grande parte do planeta não conhece esse aniversariante e não comemora esse dia e eu quero que eles também sejam felizes. Não posso desejar a eles um feliz natal, mas posso desejar a eles uma feliz vida! A partir de hoje, a partir do dia de natal, a partir do dia primeiro do ano ou de qualquer dia que seja. Que eu desejo que seja o mais breve possível.

Para minha dor e minha frustração embora deseje, a você e ao mundo, com todas as minhas forças, uma feliz vida, eu não acredito de verdade nessa possibilidade; só o que posso fazer é desejar estar errada, desejar muito estar errada, desejar com todas as minhas forças estar errada. Na verdade tudo que eu pediria como presente de natal se pudesse pedir um presente de natal seria isso: estar errada! Mas sinto que, infelizmente, infelizmente, infelizmente, por mais que se deseje e por mais que se faça, não existe vida feliz.

O que acho mesmo é que as pessoas continuarão, contrariando todos os meus desejos, matando e odiando o outro em nome de um deus irracional, de um deus “todo bondade” que manda matar, de um deus “todo bondade” que inventou a morte, que criou o mal e que precisa ser adorado contra toda a lógica e toda a racionalidade. Em nome de seus deuses – que são vários e que em muitos casos se dizem únicos – o ser humano, manipulado e manipulável, estará sempre odiando, agredindo, desprezando ou simplesmente ignorando o outro ser humano. E esse outro ser humano será o “herege” por não seguir os preceitos do seu deus ou será aquele que também odeia porque é por sua vez manipulado e manipulável por ideias diferentes sobre o mesmo deus ou pela ideia de um outro deus, diferente mas extremamente igual porque também “manda” odiar, agredir, desprezar, ignorar.

Acho que o que eu poderia desejar de mais valioso para o mundo seria um Livrar-se-desses-deuses-todos, um Amar-incondicional-e-verdadeiro, um Considerar-próximo-também-o-distante, um Considerar-igual-também-o-diferente, um Pensar-por-si-próprio-e-respeitar-maiúsculo-e-completo; um Fim-de-barreiras, um Fim-de-limites, um Abrir-mão-de-ter-razão.

O que sei que nunca vai se realizar mas que desejo e desejo muito muito é que cada pessoa na Terra quisesse, pudesse e conseguisse, durante toda a sua vida e sem se cansar nem selecionar, dar e receber AMOR, receber e praticar RESPEITO, permitir e ter LIBERDADE.

MINIDICIONÁRIO DE RELACIONAMENTOS HUMANOS


Alegria: É algo que a gente sente porque esquece por momentos dos motivos que temos para não senti-la. E os motivos são muitos: pessoas morrem de fome; pessoas morrem de sede; pessoas morrem de frio. Crianças são usadas como escravas, inclusive sexuais, por adultos sem escrúpulos; existem adultos sem escrúpulos e eles são muitos...

Bondade: Tem dois irmãos dos quais é muito próxima e com os quais, se olharmos bem, ela se parece muito. Os irmãos são a Vaidade e o Orgulho. A Bondade é tão ligada a esses dois irmãos que, se os tirarmos de perto, ela provavelmente deixará de existir.

Caridade: É quase um sinônimo de Bondade na medida em que existem os sinônimos. A diferença é que a Caridade é mais prática, mais concreta. Consiste em dar aos outros aquilo de que não precisamos e que, na maioria dos casos, se não encontrarmos quem queira, jogaremos fora.

Destino: É o que usamos para nos eximir de praticar alguma ação efetiva que pode nos tirar de nosso conforto. “Se milhões morrem de fome enquanto eu preciso fazer regime não é culpa minha, é apenas porque “quis o destino” que eu nascesse em uma situação melhor do que esses milhões de pessoas”

Essencial: É tudo aquilo que eu preciso ter para ser feliz. Mas se milhões de pessoas não podem ter o que é essencial para mim, tudo bem, a lista de prioridade das pessoas é diferente e isso não vai atrapalhar ou embaçar a minha felicidade. Afinal, se para mim é essencial ter o carro do ano e se, em situações financeiras mais críticas, eu posso sobreviver sem o carro do ano uma ou duas semanas por que outras pessoas não podem também abrir mão por algum tempo do que é essencial para elas? Acontece que nem todo mundo tem como prioridade possuir o carro do ano, tem gente que precisa apenas comer...

Falar: É um verbo que não está obrigatoriamente ligado ao verbo ouvir. Muitas pessoas falam e falam o tempo todo sobre seus problemas, seus achaques, suas mazelas, suas revoltas, suas crenças mas não ouvem uma única palavra do seu interlocutor, principalmente se este tiver crenças diferentes ou se tiver a audácia de tentar falar também de seus problemas, seus achaques e suas mazelas. Credo! É preciso que a gente se afaste de pessoas que gostam de conversar sobre coisas negativas!

Galinha: É a mulher que se comporta com a mesma liberdade sexual que é normal para os homens, isso, é claro, se essa mulher não for minha filha, minha irmã, minha mãe ou qualquer outra mulher do meu círculo familiar. Galinha pode ser também a mulher que o homem que eu queria conquistar escolheu para namorar ou casar, nesse caso o comportamento sexual dela não importa.

Honra: É uma coisa muito importante e que a gente deve ter caso não tenha dinheiro nem posição social ou política de destaque. No caso de termos dinheiro a necessidade de honra será inversamente proporcional ao número de zeros em nossa conta bancária. No caso de termos posição social a necessidade de honra também será inversamente proporcional a essa posição, só muda um pouco no caso da posição política, aí o importante não é ter honra, é parecer que tem ou, melhor ainda, é que ninguém fique sabendo que você não a tem.

Irmão: É alguém que foi criado comigo e que, teoricamente, tem os mesmos direitos que eu, mas só teoricamente porque na prática eu sempre tenho direito a mais um pouco. Irmão é também o outro: o outro ser humano, a outra pessoa, o outro membro do grupo, ou seja, aquele a quem eu digo amar como a mim mesmo mas que comumente, no trabalho e na vida, faço de escada para minha ascensão social.

Jamais: É o tempo em que, sem dizer para ninguém nem sequer para nós mesmos, sabemos que acontecerão muitas das coisas que formam nossas esperanças e metas para o futuro, seja no aspecto pessoal ou no coletivo. Sabemos, por exemplo, que os homens jamais serão irmãos uns dos outros; sabemos que jamais deixaremos de separar a humanidade em nós os melhores, e eles os inferiores. Essa separação é feita em todos os aspectos da vida: aspectos físicos como espessura do tecido adiposo, cor da pele ou do cabelo; local e condição de nascimento, como ter nascido em um país, cidade ou até hemisfério do globo diferente, ou ser pobre; tendências como orientação sexual ou ser de esquerda ou de direita; crenças religiosas ou políticas; opções por times de futebol ou por esporte predileto e características como ser tímido ou extrovertido. Jamais deixaremos de ser inimigos uns dos outros.

Liberdade: Uma das maiores mentiras que contamos a nós mesmos. Todos queremos ser livres e por saber que a liberdade é totalmente impossível, gostamos de dizer que somos livres sem nos dar tempo de pensar mais profundamente no significado de ser livre. Estamos presos a nossa cultura, a nossa família, a nosso corpo a nosso planeta a nossas reduzidas opções de escolha, a nossas crenças, a nossas convenções sociais. E ironicamente nos dizemos livres!

Morte: É algo que nos assusta tanto que criamos subterfúgios para, pelo menos enquanto estamos vivos, escapar dela. Muitas culturas têm a crença em uma vida após a morte, outras acreditam em reencarnação e tem aquelas que acreditam em retorno dos mortos aos seus corpos originais. Aí eu fico imaginando uma pessoa que viveu há mais de mil anos e que vai retornar e precisa de seu corpo, mas as moléculas que o formavam já estão diluídas em outros corpos, animados e inanimados, como será feita essa “cata”? Suponha que uma parte do que foi a pessoa está agora formando o corpo de uma criança, como se resolverá esse problema? Mas ninguém quer pensar nessas coisas, o importante é fugir da morte, fazer de conta que a vida não é um suspiro entre duas eternidades.

Natureza: Uma coisa que a gente costuma colocar como exemplo máximo de beleza mas que tem morte, tortura, parasitismo, exploração; que a gente costuma colocar como sinônimo de toda perfeição mas que tem má formação, defeitos congênitos, distúrbios de crescimento. A natureza é algo que nós podemos afirmar que nos comove ao extremo com suas belezas mas que, se olharmos mais de perto, pode nos arrepiar e apavorar com seu horrores.

Oportunidade: É aquilo que a gente costuma aproveitar para se aproveitar das pessoas. Chamamos de oportunidade a ocasião, o ensejo que se nos apresenta de fazermos ou usarmos algo de forma a que esse algo nos traga algum tipo de vantagem, o problema é que em geral esse algo e essa vantagem é uma coisa que prejudica alguém, que faz mal a alguém ou que usa alguém como meio, como degrau, como objeto a ser explorado. Não nos importamos na maioria das vezes, porque é tudo para um bem maior: o nosso.

Paz: Uma utopia que às vezes a gente faz de conta que tem. O ser humano como indivíduo não tem paz porque está sempre com medo: medo de deus, medo da morte, medo do outro ser humano. Como grupo não temos paz porque estamos sempre em posição de defesa ou de ataque, geralmente dos dois, contra o grupo vizinho. Para nos defendermos, e atacarmos, precisamos de exércitos, estratégias, segredos e, fundamentalmente, esconder o medo e gritar mais alto, seja esse grito no sentido real ou no sentido figurado. Jamais houve um período de paz no mundo, jamais haverá, mas muitos de nós continuamos afirmando que nossa vida é totalmente dedicada a alcançar a paz, e muitos de nós estamos sendo sinceros.

Querer: É a vontade de ter algo, de que algo aconteça. O querer é que nos faz sentir vivos, queremos sempre alguma coisa, em geral muitas coisas. Sabemos que todas as pessoas do planeta, assim como nós, exatamente como nós, também querem coisas, mas nosso egoísmo não nos permite colocar o querer do outro à frente do nosso. O que importa se tudo que o outro quer nesse momento é ter um teto sobre sua cabeça se eu quero comprar aquela mansão de vinte e cinco quartos? Que importa se tudo que o outro quer é fazer três refeições por dia se eu quero dar um jantar para cento e oitenta pessoas fúteis, vazias e alienadas como eu e servir como sobremesa quindins em forminhas folhadas a ouro?

Razão: É algo de cuja falta ninguém costuma reclamar. Todos nós nos sentimos e nos vemos como seres racionais até mesmo quando fazemos coisas totalmente insensatas ou acreditamos nos maiores disparates. E todos temos razão sempre que expressamos nossa opinião, temos razão quanto a nossas escolhas e preferências, temos razão quanto às nossas crenças. Tenho razão em torcer para esse time porque ele é o melhor; tenho razão em pertencer a essa religião porque ela é a única verdadeira; tenho razão em amar meu país porque ele é o melhor país do mundo; tenho razão. Nunca nos damos conta de que é gente demais tendo razão para que alguém efetivamente a tenha.

Sentido: É algo de que, em geral as pessoas, as coisas e a vida são totalmente desprovidas. As pessoas não fazem sentido porque se julgam boas no mesmo momento em que se aplicam em pisar e repisar outras pessoas, em matar por esporte, em condenar seres alados à prisão perpétua, em achar que o outro merece, deve e será torturado por toda a eternidade, em achar que conhece o outro a ponto de decretar sua derrota, sua inferioridade, sua miséria. As coisas não fazem sentido porque tomam diversos aspectos, definições, utilidades e características ao bel prazer ou à revelia das pessoas e ao mesmo tempo com respeito a diferentes pessoas: as coisas são muito complexas! A vida não faz sentido, nenhum sentido, porque não há objetivo, fim, utilidade que possa ser comprovada indiscutivelmente para nenhuma vida em nenhum momento, vista de nenhuma perspectiva.

Terra: É o planeta azul que a gente gosta de chamar de casa mas que é prisão, que a gente gosta de dizer que está em perigo quando nós é que estamos, que a gente gosta de dizer que pede socorro quando a nossa existência é que clama. Nos achamos tão importantes que chegamos a pensar que a terra é um organismo que sente a nossa presença e precisa de nós, pobres seres oniprepotentes que somos! Quando mais pessimistas, vemos a nós mesmos como algo que incomoda a terra e causa mal a ela. O que não podemos pensar e o que não suportamos acreditar é na muito possível verdade de que a terra é um organismo que ignora, no sentido mais fundo e dolorido da palavra, a nossa existência. Chegamos e partiremos sem que o planeta tome conhecimento de nós para o bem ou para o mal, essa é a possibilidade que não podemos aceitar.

Universo: É a nossa casca de noz, o mundinho que vemos sem vermos nada à frente do nosso próprio nariz. Dizemos, estudamos, sabemos que o universo é imenso, no entanto acreditamos que todo ele foi criado apenas para nós, com o único objetivo de nos conter. Nossa prepotência é tão grande que quase todos nós frequentamos lugares diversos, ouvimos discursos em línguas diversas e lemos livros “sagrados” diversos que nos contam como foi o universo criado em nosso nome e para nos servir de casa. Não nos damos conta de que nossa pretensão, nosso convencimento, nossa megalomania é tão grande que se pudesse ser medida ultrapassaria em muito o tamanho do universo, por maior que ele seja e mesmo que ele seja infinito.

Vida: É algo que a gente diz que todos devemos valorizar mas que nós só valorizamos mesmo a nossa e, no máximo, algumas poucas que estão próximas a nós. Devemos valorizar a vida mas criamos instrumentos cuja única utilidade é tirar a vida; devemos valorizar a vida mas vamos matar o inimigo; devemos valorizar a vida mas vamos brincar de matar o animal; devemos valorizar a vida mas vamos contar as mortes como estatística e afirmar que a chacina não foi tão grande assim; devemos valorizar a vida mas dizemos que a guerra foi necessária, que a bomba foi necessária e que os assassinados foram “heróis lutando pela paz”.

Reflexão final - Meu dicionário termina aqui, poderia ter muitas palavras mais, mas estou cansada de olhar para mim mesma e ver quão horrível sou. Deixa ir até lá fora ver se encontro uma flor.

2 de dezembro de 2019

O TABU DA VIRGINDADE


Eu tenho 60 anos.

          Quando era criança, por tudo que ouvia dos adultos, fiquei sabendo que “mulher solteira que não é mais virgem não presta” e que “moça que se casa de branco sem ser virgem está cometendo um pecado mortal”. Antes de saber o que significava, aprendi que a palavra designava algo que as mulheres tenham obrigação de ser sempre e que as que não fossem iriam para o inferno. Mais tarde fiquei sabendo que existia uma coisa chamada sexo, algo que me pareceu nojento e que era feito entre um homem e uma mulher, soube também que sexo só podia acontecer depois do casamento e que servia para fazer neném.

          Teve uma mulher que foi muito importante na minha vida, ela era viúva, não tinha filhos, morava sozinha e me contou que no dia do casamento ficou com tanto medo do marido que correu para o quarto dos pais dela e se escondeu debaixo da cama chorando. Sexo me parecia algo um tanto assustador, principalmente porque quando a mulher se casava era obrigada a deixar que o marido fizesse isso com ela.

          Aos poucos fui aprendendo que não era bem assim. Aprendi que sexo era bom quando a mulher gostava do homem, que dava prazer e que o maior perigo de fazer isso antes do casamento era engravidar e ser expulsa de casa.

          Depois aprendi mais e, sendo a brigona questionadora que sou, concluí que virgindade era um mal tremendo que aterrorizou e destruiu a vida de muitas mulheres ao longo da história e que os que mais levavam vantagem com toda essa tortura de que as mulheres eram vítimas desde sempre eram os homens, e principalmente os homens mais escrotos e nojentos.

          Tenho uma tia que dizia para a mocinha quase criança que eu era: “O importante é guardar a porta da igrejinha”, a “igrejinha” era minha vagina e a “porta” era meu hímen. Eu achava essa frase absurda e a comparação humilhante porque ouvia falar de mulheres que “faziam outras coisas” mas tomavam cuidado para não “perder a virgindade”. Isso me parecia tão hipócrita que decidi que quando resolvesse fazer alguma coisa não seria pela metade, que nunca usaria de hipocrisia para guardar o que quer que fosse.

          Ouvi também muitas histórias de homens que enganavam as mulheres jurando amor só para conseguir “tirar a virgindade” delas e depois sumiam, a desprezavam e partiam para outra conquista. Ouvi que nos tempos da minha mãe menina era ainda pior porque os pais expulsavam essas moças de casa e elas acabavam virando putas porque não tinham para onde ir. Sabia também de maridos que traiam e humilhavam as esposas porque elas não se casaram virgens, eles diziam a elas que só se casaram porque foram obrigados e que elas eram putas. O que me enfurecia mais é que esses maridos tinham enganado essas mulheres com declarações de amor eterno e, quando elas caíram na conversa deles e as famílias, descobrindo tudo, forçaram o casamento, eles se sentiam traídos, e acusavam a mulher de puta dizendo que “se deu pra mim, daria pra qualquer um”. Muitas eram espancadas sob essa acusação.

          Eram tantas histórias que eu ouvia, muitas com nome e endereço, que me tornei uma jovem revoltada contra os machões que humilhavam as mulheres ou que exigiam virgindade delas. Hoje se diria que me tornei feminista. É como me defino hoje, mas naquela época não ouvia esse nome e não nomeava o que eu era. Comecei a dizer coisas como “Quando um neném nasce não dão um tapinha na bunda? Nas meninas deveriam também enfiar um dedo para livrá-la desse castigo chamado virgindade” e “Se um homem não me quiser por eu não ser mais virgem, vou erguer as mãos para o céu e agradecer a deus por me livrar de um ser asqueroso como esse”. Quando eu dizia isso para minha mãe, ela ficava tão escandalizada que corria para o quarto chorando.

          Desde bem mocinha, quando começaram a perguntar, passei a ter muita vergonha de dizer que era virgem. Sentia também um pouco de raiva de ouvir essa pergunta, afinal, ninguém nunca perguntava isso para os meninos. Muitas das minhas amigas e colegas, ao ouvirem a clássica pergunta sobre isso, ou às vezes mesmo sem que alguém perguntasse, diziam com ares orgulhosos levantando a cabeça e estufando o peito: “Eu sou virgem!”. Eu sentia vergonha por elas e quando alguém me fazia essa pergunta minha resposta era sempre “Não, eu sou câncer!”. Por conta dessa minha vergonha de dizer que era virgem passei por pelo menos dois perrengues, um deles bastante assustador.

          O mais suave foi o irmão de um amigo. Esse meu amigo era a parte masculina de um casal e eles alugaram uma casa e foram morar juntos, eu fui ajudar na mudança junto com o irmão dele. Depois de arrumarmos tudo o irmão me propôs que a gente fosse até um posto abastecer o carro aproveitando para deixar o casal sozinho por um tempo. Achei uma ótima ideia e fomos, no posto o cara disse que saindo dali a gente podia ir a um drive-in, eu disse não e a resposta dele foi “Mas você não disse que não é mais virgem?”. Quase disse que era mentira minha, mas a vergonha de assumir ser virgem e a raiva de ele querer transar comigo só porque eu não era mais virgem me impediu e respondi que o fato de não ser virgem não me obrigava a sair com qualquer um e que eu não queria fazer sexo com ele. Fiquei com medo porque a cara de raiva que ele fez foi realmente assustadora. Ele me levou de volta para a casa dos meus amigos, se despediu deles e foi embora. Depois disso a gente esteve ao mesmo tempo no mesmo lugar mais de uma vez e ele nunca mais falou comigo. Nunca contei isso para o casal.

          Mas o mais apavorante foi quando um amigo muito querido da época, que era amigo também de uma ex-paixão minha e que até tinha sido confidente dessa paixão comprou um carro e me convidou para dar uma primeira volta. Sabe quando você gosta de alguém e confia na pessoa? Pois é! Era assim e nem pensei duas vezes, feliz por ele entrei no carro e saímos conversando. Era noite e a coisa ficou tensa quando ele parou o carro em um lugar tão escuro que eu enxergava com os olhos abertos ou fechados do mesmo jeito (fiz o teste). Ele desligou o motor e disse que como eu não era virgem, bem que podia transar com ele, afinal o meu ex-amor já estava casado e eu mesma disse que a paixão tinha acabado. Não sei nem explicar o quanto senti medo, me vi estuprada e jogada em um matagal, a amizade se mostrou falsa e aquela pessoa não era o amigo de quem eu gostava tanto. O medo venceu a vergonha e, como para salvar minha vida, confessei a ele que era virgem e expliquei ou tentei explicar a vergonha que tinha de dizer isso. Ele então debruçou sobre o volante e ficou quieto um bom tempo (eu ainda não enxergava quase nada, só sentia os movimentos e vislumbrava a sombra dele). Continuei apavorada, paralisada e sem saber o que fazer. Não sei quanto tempo durou aquele silêncio aterrador, mas ele levantou a cabeça, se virou para o meu lado e perguntou: “Divina, você quer se casar comigo?”

          Senti um alívio indescritível, me pareceu que algo dentro de mim gritou que eu não ia morrer. Então disse a ele que não podia porque gostava muito dele, mas não o amava. Daí ele ligou o carro e voltamos para nosso bairro, nossa vizinhança, minha casa. Algum tempo depois ele se casou com uma conhecida minha e a gente continuou amigo, mas nunca mais ficamos sozinhos ou falamos sobre o que aconteceu naquele dia.


23 de novembro de 2019

MULHERES ENSACADAS

Volta e meia vejo alguém defendendo que as burcas e a submissão das mulheres de alguns países são voluntárias e que nós, ocidentais, não temos o direito de nos revoltarmos de forma crítica porque isso seria querer determinar o que elas vestem e como se comportam. Argumentam que não estamos respeitando o que pode ser a vontade e escolha delas.
E eu me lembro de algumas histórias que ouvi da minha mãe.
Quando ela era menina e moça, todas as mulheres da idade dela queriam ser moças virtuosas e se manter virgem até o casamento era um objetivo almejado e perseguido.
Minha mãe ouviu muitas histórias sobre moças que caíram na conversa da "prova de amor".
Era um truque comum na época, sempre se contava para as meninas a história da fulana que "deu sua virgindade" para um rapaz que passou meses namorando-a, jurando paixão infinita, prometendo casamento e, depois de enganar a moça a ponto de fazê-la se apaixonar, veio com a segunda etapa do plano que era choramingar com uma fala do tipo "Você não me ama de verdade e não confia em mim".
Eles não tinham pressa porque gostavam de “batalhas difíceis”, então usavam muitos argumentos como desculpas para não se casar imediatamente, insistiam até que a mulher cedia.
Era mais ou menos assim que as histórias terminavam: Ela provou que o amava, então ele desapareceu e ela foi expulsa de casa, muitas vezes aos chutes e pontapés (aplicados pelo pai e às vezes também pelos irmãos mais velhos) e acabou virando puta porque a única pessoa que a acolheu foi a cafetina.
Muitas meninas, incluindo minha mãe, mais do que ouvir as histórias, acabava conhecendo uma dessas moças.
E, enquanto a coitada era expulsa, o tal rapaz se gabava com os colegas e posava de bonzão. Havia também outras versões. Em uma delas a família acuava o galanteador e forçava o casamento. Nessa, a moça passava o resto da vida ouvindo do marido que era uma puta, que devia ter ido pro puteiro, que não merecia respeito e que era por isso que levava chifre e pancada.
Na outra versão o cara engravidava a moça com a história da "prova de amor" e, quando sabia da gravidez, fugia e ia morar em outro estado.
A que minha mãe conheceu foi chutada na barriga pelo pai enquanto era expulsa de casa. Minha mãe era menina e nunca soube o que aconteceu com ela.
Claro que a maioria das moças queria muito manter a virgindade.
Era opção e vontade delas? Sim, sem dúvida!
Assim como é vontade dessas mulheres se manterem vestidas de bujão de gás.