(Originalmente publicado em 06/05/2015)
Apresentação
Começarei dizendo
o óbvio a respeito dos avanços científicos, relacionando aquilo que é fato, que
todos sabemos e que entristece, sempre, os que pensam nisso. Depois, ainda
falando do óbvio, descreverei o estado precário da educação no país, a falta de
receptividade dos alunos e dos responsáveis por eles e o quanto tem sido
frustrante a luta por uma educação de qualidade. Por fim concluirei argumentando
que nós, professores e educadores, talvez estejamos lutando do lado errado.
Talvez a melhor coisa a fazer seja nos unirmos em batalha para que se apague de
todas as Constituições do mundo qualquer lei que defina a educação como “Direito
de todos e obrigação do Estado”. Será que a solução para construir um mundo melhor
não seria aumentar em lugar de diminuir o número de pessoas ignorantes e
iletradas? O objetivo desse artigo é convidar você a pensar nisso.
Da ciência
É fato que os
incríveis avanços tecnológicos deram – e ainda dão – muita esperança de um mundo
melhor. Mas é fato também que – por conta da índole egoísta e da oniprepotência
nata do animal humano – as tecnologias sempre criam ou potencializam mortes,
sofrimentos e dores.
A ciência criou
as armas de destruição em massa que cada vez mais vêm transformando o
assassinato de pessoas em meros números toleráveis e estatísticas frias. As
maravilhas da medicina – ao mesmo tempo em que salvam vidas – criam meios de
segregação porque são acessíveis apenas a quem tem dinheiro para usá-las. Os fantásticos
avanços industriais tornam as pessoas “descartáveis” e perfeitamente
substituíveis por máquinas cada vez mais eficientes e necessárias. Em paralelo,
esses avanços geram todo tipo de refugo, lixo, poluição. Substâncias nocivas são
continuamente lançadas na água, no ar e no solo e se tornam responsáveis pelo
surgimento e pelo aumento de doenças de todos os tipos; que os avanços da
medicina combatem sempre selecionando, pelo dinheiro, os que podem e os que não
podem ser curados. Esse círculo vicioso tem gerado enormes custos financeiros e
é uma ameaça, cada vez mais séria e efetiva, de extermínio da própria vida no
planeta.
Os absurdamente
fabulosos avanços dos meios de comunicação conseguiram “diminuir o tamanho do
mundo” permitindo conversas e trazendo notícias em tempo real. Conseguiram apresentar
programas, jogos e filmes com imagens em alta definição e som cristalino e
fantasticamente potente. Acontece que todas essas maravilhas – por estarem nas
mãos da ganância do animal humano citado e definido acima, e por serem
consumidas pelo mesmo animal humano – acabam servindo como instrumentos de
alienação das mentes, exploração dos corpos e disseminação de ideologias
assassinas.
Todos esses
avanços fabulosos dos meios de comunicação pouco ou nada contribuem para alcançar
resultados que efetivamente ajudariam a tornar o ser humano melhor. A mídia
pouco ou nada contribui para melhorar e democratizar a educação; pouco ou nada
faz para divulgar conhecimentos científicos; pouco ou nada contribui para aumentar
o respeito pelo outro que ficou mais próximo; pouco ou nada contribui para
potencializar a consciência ética e moral das pessoas; pouco ou nada contribui para
diminuir os preconceitos e a segregação. Nem mesmo para promover o aumento da
qualidade de vida das pessoas esses avanços dos meios de comunicação têm
contribuído como deveriam.
Em muitos
casos, infelizmente, a mídia vem contribuindo mais para que se alcance o oposto
dos progressos e ganhos humanos e sociais que os pontos citados acima poderiam
representar. Vemos o tempo todo, nas grandes redes de televisão e em todas as
grandes mídias, programas e matérias variadas que desinformam, que divulgam
pseudociência como se fosse ciência, que “ensinam” a falta de ética, que
promovem a ideia de que “bom mesmo é se dar bem não importa a custa de quem”. Riem
e fazem rir com o “engraçado” de ver alguém sendo humilhado por outro alguém mais
“famoso”, mais rico, mais sortudo ou mais “bonito”. As mídias, infelizmente e
quando poderiam fazer o contrário, comumente divulgam ou criam programas e
matérias que contribuem para aumentar (e até para criar) preconceitos e mostrar
“razões” para que pessoas discriminem pessoas.
Da educação
Quanto à
educação, todos os envolvidos no processo sabem que a maioria dos alunos –
independentemente da escola e do nível social e financeiro de seus pais – estão
a maior parte do tempo tremendamente ocupados em soltar palavras de baixo calão
aos gritos, mexer no celular procurando novas maneiras de conversar sem
conteúdo, disputar acirradamente para NÃO saber quem consegue acessar os sites
mais vazios e inúteis, ouvir o máximo de vezes possível os barulhos monótonos e
insuportáveis que insistem em chamar de música e, principalmente, deixar claro
que o professor na sala de aula é apenas um “poste” incômodo a ser ignorado.
É claro que os
alunos das escolas públicas das periferias são os mais prejudicados por esse
comportamento. Eles não têm os recursos, proporcionados pelo dinheiro, dos
quais os pais lançam mão para garantir a “boa educação” de seus filhos. As aulas
particulares nos dias que antecedem a qualquer prova importante, os trabalhos
pagos para serem feitos por terceiros com o nome dos seus lindos filhinhos no
campo “autor”. E há sempre outras facilidades que variam de acordo com a
estrutura da família, o número de zeros na conta bancária e a influência que
seu dinheiro tem sobre a direção da escola. Esses meios são completamente
desconhecidos por grande parte dos alunos de escola pública. O maior recurso de
que eles ainda lançam mão para “se dar bem” é a velha e manjadíssima cola.
Mas temos que
ser honestos e reconhecer que nem tudo é maldade e falta de ética. Há também o
acompanhamento efetivo que muitos pais dão aos seus filhos; mesmo pais de
alunos de escola pública, em muitos casos, se preocupam e acompanham da melhor
forma que podem os estudos de seus filhos. Acontece que o acompanhamento dos
estudos é muito mais eficiente quando feito por pessoas cultas e com
disponibilidade maior de recursos, como computadores e livros em casa. Esse
tipo de acompanhamento, digamos “especializado”, em geral está longe das
condições dos alunos mais pobres porque os pais desses alunos são, em geral, pouco
letrados e pouco podem fazer além de ir às reuniões e cobrar seus filhos com
mais energia.
Os alunos de
escola pública, quando têm o computador em casa têm pais que não sabem usá-lo e
não sabem orientar e exigir dos filhos o uso pedagógico adequado dessa ferramenta.
Então, o que acontece é que esses alunos não usam o computador para muita coisa
além de continuar, nas redes sociais, as mesmas atividades vazias e “desinformantes”
a que se dedicam na sala de aula enquanto o professor tenta ensinar alguma
coisa.
Lógico que é muito
bom e recomendável que os pais dos alunos da escola pública acompanhem, cobrem
e se interessem pelos estudos de seus filhos! Esse acompanhamento – por diversas
razões e nem sempre por culpa dos pais – chega a ser raro em muitas escolas,
mas quando acontece sem dúvida nenhuma surte grandes efeitos. Porém, o fato
inegável é que, por mais louvável e benéfica que seja a presença efetiva dos
pais na vida escolar dos alunos de escola pública, essa presença é muito menos
eficiente do que a mesma ajuda vinda dos pais mais cultos. Então – com ou sem o
acompanhamento efetivo dos pais – o aluno de escola pública, em geral e quase
sempre, está sim em desvantagem com relação ao aluno da escola particular. Mesmo
quando ambos têm o mesmo desinteresse e o mesmo desprezo pelos estudos, pela
escola e pelos professores.
Da realidade
Comecemos
com essa relação de fatos:
Os criadores das
incríveis máquinas capazes de substituir dezenas de trabalhadores que ficarão
sem seus empregos; os criadores das fantásticas máquinas capazes de produzir
maravilhas e montanhas de lixo tóxico são, em geral, formados em engenharia. Os
que descobrem como extrair e manipular substâncias para conseguir remédios,
combustíveis, adubos, cosméticos e todo tipo de produtos que prolongam e
facilitam a vida de uns enquanto descartam, obsoletam e excluem muitos outros
são, em geral, formados em química. Aqueles que criam e aperfeiçoam as máquinas
e dispositivos cada vez mais avançados que possibilitam o envio e recebimento
de som e de imagem com cada vez mais rapidez, precisão e realismo são, em
geral, formados em tecnologia, informática e faculdades afins. E as pessoas que
administram as indústrias de grande porte onde estão essas máquinas e esses
laboratórios; pessoas que em nome de maiores vendas e maiores lucros têm como
“política de sobrevivência” a prática de todo tipo de troca de favores, exploração
de pessoas e manipulação de informações são, em geral, formadas em
Administração, economia e faculdades afins.
No Brasil – e nas
grandes potências mundiais que negociam em dólar – os que se elegem com
mentiras e com mentiras se mantém nos altos cargos administrativos do país são,
em geral, formados em faculdades de primeira linha. Exceto para o judiciário,
onde todos precisam ser formados em direito, se não me engano, a exigência de
formação universitária na política vem principalmente dos eleitores da elite e
da mídia, que, com raras exceções, convence os demais eleitores de que não
devem votar em quem não tem “canudo”. A menos, é claro, que o candidato tenha
muito dinheiro ou muita exposição e apoio da mídia. Como eu disse: as exceções
são raras.
E há ainda as
empresas estatais, sempre administradas pelos “senhores doutores” que têm em
comum a constante preocupação de aumentar “ao infinito” seu próprio cabedal com
falcatruas, arranjos, desvios e roubos que custam a miséria e até a morte de
milhares de pessoas.
Existem ainda
aqueles que, com discursos “convincentes”, manipulam, exploram e roubam pessoas
humildes, inocentes e ingênuas vendendo um deus que promete – para “talvez” ou
para a outra vida – milagres e felicidades que acontecerão apenas para quem
tiver fé e fizer “doação para o Senhor”; esse ser todo poderoso que cada dia
“precisa” de mais dinheiro. Em termos de exigência de formação universitária,
esses “homens de Deus” são quase uma exceção no caso das igrejas evangélicas,
mas não o são na igreja católica. Mas nas igrejas evangélicas, os maiores e
mais influentes, aqueles que mais exploram e mais danos causam, os que propagam
fundamentalismo preconceituoso e violento, os que interferem de forma desonesta
na criação das leis do país, os que levam “a palavra” às aldeias indígenas e colaboram
para a perda irreversível de sua cultura, esses são, em geral, pessoas formadas
em universidades. Pelo menos esse é o caso de um dos maiores nomes dessa
vertente; formado em psicologia. E ele não é o único.
Da ideia
Vimos que para
todas essas atividades, funções, profissões e ... danos, salvo raras exceções, as
pessoas precisam ser cultas, ter frequentado universidades, ter um ou mais
diplomas. E foi pensando nisso que vim a me perguntar se não estamos todos,
professores, pais e sociedade – pelo menos a parte dos pais e da sociedade que
se preocupa com isso – lutando pelo lado errado. Será que a luta pela educação
pública e gratuita para todos não deveria se tornar a luta pelo fim da educação
formal – pública ou privada – para todos?
Mas
então você está defendendo a volta à Idade da Pedra?
Sim
e não. Primeiro porque não estou dando uma resposta, nem sequer estou fazendo
uma proposta ou apresentando um projeto. Estou apenas, até o momento, fazendo
perguntas, tentando provocar pensamentos e discussões e, talvez, abrir espaço
para que se olhe a questão da educação por um outro ângulo. E, principalmente, na
minha pouca visão dos fatos, estou pensando se não seria válido aplicar para a
sociedade o mesmo princípio que Einstein usou para as mentes: “Uma vez aberta
não volta ao seu tamanho original”. Talvez sem a obrigatoriedade da educação
formal – que aliás nunca quiseram – a maioria dos jovens possa se dedicar a
atividades menos danosas, como aprender profissões artesanais de seu interesse
e se dedicarem a atividades práticas que lhes permita sobreviver e criar suas
famílias.
Poderão viver
sem ter que conhecer ou se preocupar com o avanço das tecnologias que permitem
explorar o outro. Não terão a ambição de se tornar milionário à custa da destruição
da vida no planeta, então, talvez, o planeta possa ter tempo para recuperar sua
natureza e seu ecossistema sem os ataques maciços que têm sofrido até agora.
Eu
não proporia – e não acho que deva ser feita – a extinção da educação; menos
ainda a queima de livros aos moldes das sanguinárias ditaduras políticas e
religiosas que o fizeram tantas vezes na história. Minha ideia é mais a de que
a educação formal seja algo a ser dado a todo aquele que a deseje. Sem distinção
de cor, raça, sexo ou qualquer outro tipo de nomenclatura ou adjetivo que
separe pessoas em grupos distintos. Bastaria apenas que alguma pessoa – criança
ou adulto – mostrasse o desejo de aprender para que esse conhecimento, em
existindo, lhe fosse dado. Para isso se poderia manter, em todos os lugares do
mundo, um número suficiente de escolas nas quais se matriculariam aqueles que
lá desejassem estudar. Ninguém poderia ser forçado, seja pelo estado seja pelos
pais ou responsáveis, a atravessar os portões de uma escola e sentar-se diante
de um professor. Apenas o desejo, apenas a curiosidade, apenas a sede de
conhecimento, apenas o amor pelas ciências faria com que alguém se tornasse um
aluno... e um professor.
Mal
consigo vislumbrar a quantidade de mudanças que essa nova postura diante da
educação poderia trazer. Pensei em quanto menos pessoas se formariam em cursos
para os quais não tiveram vocação ou vontade, quantas menos se tornariam
profissionais sofríveis, quantas menos seriam protagonistas de erros capazes de
causar grandes danos e até a morte de pessoas a seus cuidados. Pensei que o
número de profissionais capacitados em muitas áreas importantes seria
drasticamente reduzido e, em alguns casos – como na medicina, por exemplo –
isso poderia resultar na falta desses profissionais para atender as
necessidades da população em muitas cidades do mundo. Mas, venhamos e
convenhamos, isso já não acontece?
Conclusão
Enfim, tudo o
que escrevi aqui é pouco mais do que um esboço de pensamento, ainda estou na
fase de passar horas rolando na cama, tentando imaginar quais seriam as
consequências dessa minha ideia se aplicada, nessa ou naquela área. Em alguns
casos chego à conclusão de que poderia haver mortes e sofrimentos, então tento
pesar essas mortes e sofrimentos possíveis com as mortes e os sofrimentos que
existem agora em consequência das falhas e dos derivados do sistema atual.
Então tento pesar essas mortes e sofrimentos possíveis com as mortes e os
sofrimentos que acontecerão em consequência das falhas e dos derivados do
sistema atual. Novamente não sei a resposta e não sei se existe uma, mas penso
nos tantos e tantos avisos, indícios e provas de que estamos levando nossa raça
à extinção – e muitas outras além da nossa, talvez todas – e me pergunto se o
abandono dessa ideia de dar educação a todos (queiram eles ou não) e, em lugar
disso, a adoção do novo sistema de educação voluntária não poderia ser uma
forma eficaz de “salvar o planeta”, como dizem muitos dos que não sabem que não
é o planeta que precisa ser salvo e sim a vida que ele abriga.
Esse artigo
foi escrito só para fazer essa pergunta. Quer tentar respondê-la?