Não consigo acreditar
em vida após a morte, em fantasmas, em espíritos, em pessoas "recebendo"
ou "incorporando" outras pessoas, em reencarnação, em experiências
de sair do corpo ou qualquer outro tipo de relação com o “lado de lá”.
Para mim o Chico Xavier é apenas um charlatão que deu certo, talvez por
acreditar na própria mentira. Não consigo acreditar na existência de alma, não
vejo sentido nessa dualidade que os que aceitam a tal vida depois da morte usam
para definir-nos: "Somos corpo e alma". Na minha visão somos
corpo; só corpo. Quando nosso corpo está vivo é porque nosso cérebro está
funcionando e todas as manifestações, que normalmente se confunde com "alma",
são algo que pode, no máximo, ser chamado de mente, no sentido de que são
resultados do "trabalho", ou das atividades, do nosso cérebro.
Não consigo acreditar que haja alguma coisa além disso.
Somos só corpo, a alma
não existe e a mente é apenas manifestação do corpo. Especificamente do
cérebro, mas não apenas do cérebro, também da interação do cérebro com o
restante do corpo, com o mundo exterior e talvez com outros seres vivos
independentes. Afinal, não sei se naquilo que sou há, e qual seria, a
participação dos bilhões de micro-organismos que habitam o meu corpo. O que é e
por que existe vida é assunto complicado, parece mágica, mas só é complicado
porque não entendemos como funciona. É o que penso.
E não acho que
esta ideia de que somos só corpo seja terrível, acho que depende da
maneira como você encara. Viver sabendo que não há nada além do que você é
fisicamente, e mais ainda, sabendo que mesmo suas maiores certezas podem ser
apenas engano do seu cérebro, pode fazer toda ou nenhuma diferença, depende de
como você resolve aceitar isso. Eu chego a achar confortador e muito
instigante.
Fico pensando no que
existe além do que eu vejo e sinto; não no que existe além no sentido
espiritual, não acredito em espírito, falo no sentido físico mesmo. Quantas
coisas lembro errado? De quantas coisas esqueci? Qual foi mesmo a minha vida, a
que lembro ou a que esqueci? Vou lembrar ou vou esquecer o que está acontecendo
agora? Vou lembrar como exatamente como é ou vou escolher lembrar diferente sem
saber que não é assim que está acontecendo? São tantas perguntas! Eu gosto de
"perder" tempo pensando nessas coisas.
E o que é esse
corpo que sou? Do que é formado? Passo muito tempo me perguntando do que é
feita a matéria. Sei que sou matéria, mas eu sei o que é matéria? Mesmo quando
leio, e entendo, as explicações dos cientistas, eu sei o que é matéria? Acho tudo
isso muito apaixonante para se pensar. Agora, quanto a viver, para o meu dia a
dia, não faz diferença nenhuma. Não vou deixar de ser quem sou, de fazer o
que faço, de viver como vivo e de amar como amo porque sou só matéria e porque
não tem nada depois da morte.
Se houvesse outra vida,
isso seria “muito absurdo demais”! Nessa outra vida teríamos uma
aparência e uma essência, algo equivalente ao tal corpo e alma? Teríamos algum
tipo de corpo, mesmo que não fosse constituído de matéria para que as outras
pessoas nos “vissem”? Como seria esse “corpo”? Veríamos as outras
pessoas? Poderíamos reconhecê-las? Como as veríamos? Todas se pareceriam com o
que eram quando morreram, todos seriam jovens e belos ou cada um escolheria sua
aparência? Como seus amigos e familiares reconheceriam você caso só os tenha
conhecido na infância ou na velhice? Haveria uma terceira possibilidade mágica
na qual todos se reconheceriam independentemente da aparência ou ninguém
precisaria reconhecer ninguém?
Se for para termos uma
essência e uma aparência, qual EU de cada pessoa viveria novamente? A gente é
muitas pessoas diferentes ao longo da vida, se uma dessas tantas pessoas que a
gente foi tivesse o privilégio – ou castigo – de viver novamente, o que seria
feito das outras pessoas que fomos? Todas elas estariam mortas? Como sei que eu
continuo sendo eu mesmo não sendo mais aquela eu do meu primeiro ano na escola,
por exemplo, o defensor da vida após a morte poderia dizer que é “a mesma
coisa”: eu continuaria a ser eu depois da morte da mesma forma que
continuei a ser eu depois da adolescência, talvez faça sentido, mas será que é
mesmo “a mesma coisa”?
Vamos pensar a
possibilidade mais otimista, aquela que, na minha opinião, todos os que
acreditam prefeririam que acontecesse: Eu poderia realmente ser eu se fosse a
minha mente da fase mais lúcida no meu corpo do auge da juventude? Me parece
bem difícil equacionar de forma convincente essa convivência, ou coexistência,
fora da vida que vivi e das experiências que tive e, principalmente, do meu
corpo do momento porque, por bem ou por mal, esse corpo, sua aparência, seu
estado geral de saúde e sua carga de hormônios, afetou sempre, como é comum em
todos nós, meus sentimentos, pensamentos e ações; como eu seria eu sem ele? Se
tiver outra vida, estarei em outra realidade e minhas interações e experiências
serão outras; passarei a ser outra pessoa? Acho tudo isso muito atraente na
verdade, mas ao mesmo tempo muito complexo para fazer sentido.
Uma eu com aparência
jovem mas sem corpo, sem livros, sem escola e sem a “pegação no pé” dos
meus pais? Minha juventude de volta sem os namoros, sem a curiosidade, o desejo
ou a prática do sexo, com suas alegrias, medos, vergonhas e frustrações? Eu
jovem sem as festas, sem “encucações”, sem os sonhos de futuro e sem os
medos do fracasso? Essa “jovem” seria eu? Quando penso nas tantas
possibilidades – tanto da minha vida quanto da vida das outras pessoas – as perguntas
são muitas, as dúvidas são todas, as possibilidades de não ser tão bom quanto
pode parecer à primeira vista se tornam cada vez mais numerosas. Fica parecendo
cada vez mais impossível que realmente possa existir essa tal vida após a vida
da maneira que as pessoas que acreditam nessas coisas costumam afirmar que
existe.
Não é por teimosia que
não acredito (pelo menos eu acho que não é), é porque não encontro respostas
que satisfaçam minhas questões, é porque nunca vi nenhuma evidência que pudesse
me convencer e, principalmente, porque quando penso no assunto a existência de
uma alma ou de uma vida após a morte me parece muitas coisas, todas elas ruins
ou no máximo inúteis e improváveis demais para fazerem sentido.
Dizem os que acreditam
em espíritos que estamos aqui para evoluir, mas não consigo imaginar qual seria
a utilidade dessa evolução e até onde ela chegaria. Evolução para que e até que
ponto? Se eu tivesse um espírito, que tipo de evolução esse meu espírito
poderia alcançar? Eu chegaria a ser o que mesmo? Um anjo? Uma fada? Uma deusa?
Para que eu chegaria a esse ponto? O que eu faria depois disso? Por quanto
tempo? Em troca de que e me aproveitando de que situações eu evoluiria? A tal
evolução valeria o preço a pagar por ela?
Fico pensando nos
horrores que existem nesse mundo, e fico pensando principalmente no sofrimento
de crianças. Os defensores da ideia de evolução espiritual dizem que os
horrores do mundo servem para a minha evolução, eles afirmam que sofrer e ter
conhecimento do sofrimento do outro – para poder ajudar – é parte do meu “aprendizado”.
Quer dizer que o sofrimento do outro existe para que eu tenha oportunidade de “ser
boazinha”? Então milhões de crianças sofrem e eu, em lugar de me revoltar e
de me sentir mal, devo ficar satisfeita porque posso ajudar uma ou outra? O mínimo
que posso dizer é que estaria me aproveitado do sofrimento de todas as
crianças. Como poderia me sentir bem assim? Acho sinceramente que se um dia eu
conseguisse levar meu egoísmo a um grau tão alto a ponto de aceitar o
sofrimento de crianças como algo natural e “necessário” por ser "parte
do meu crescimento", eu teria INvoluído e não o contrário.
Mesmo com a
justificativa comum de que o sofrimento também é "parte do crescimento
do espírito dessas crianças" tenho restrições demais: primeiro que a
explicação me soa como desculpa esfarrapada e egoísta para não se importar de
verdade, e segundo que não vou conseguir aceitar nunca como normal nenhum tipo
de sofrimento no qual aquele que sofre não sabe a razão de estar sofrendo. Uma
criança muito pequena sofrendo não pode ser parte de um aprendizado, seja da
minha “alma” ou da dela. Uma criança sofrendo é apenas um grande horror
dentre os muitos horrores de que a vida é feita, e seria uma tremenda injustiça
se fosse um acontecimento criado ou permitido propositadamente por um ser
transcendental qualquer. Eu me nego, terminantemente, a dar minha adesão a um
absurdo tão grande!
A reencarnação – para
os que acreditam em reencarnação – tem outro ponto problemático: Renascer em
outro corpo e sem a memória do corpo e da vida anterior – como defendem muitos
espiritualistas – seria um absurdo de injustiça e implicaria em uma matemática
tremendamente ilógica. Seria injustiça porque cada um “pagaria seus pecados”,
“corrigiria seus erros” ou “repararia suas falhas” sem se lembrar
de tê-los cometido. Seja qual for a nomenclatura, não consigo imaginar de que
forma isso poderia servir como aprendizado para alguma coisa. Como alguém pode
usar o que aprendeu em uma situação para agir melhor numa outra situação
parecida se não se lembra de ter vivido aquela situação e de ter aprendido algo
com essa experiência? Na hipótese de as coisas acontecerem mesmo dessa forma, o
mínimo que posso afirmar é que essa tal reencarnação, se houver um ser superior
qualquer envolvido, parece mais uma demonstração de sadismo, uma armadilha
perversa ou, no mínimo, uma piada de mal gosto do que qualquer coisa semelhante
a evolução ou a justiça.
Seria uma matemática
ilógica porque se estudarmos os números da população mundial ao longo dos
tempos tem uma discrepância grande demais, teríamos que imaginar uma linha de
montagem fabricando almas novas porque o número de pessoas aumenta muito, e
isso mais parece piada do Monty Python. Tudo bem que os defensores dessa ideia
ao longo dos anos descobriram outras formas de “resolver” esse problema,
muitas vezes com base em descobertas científicas. Um exemplo disso é que antes
de se pensar e de se estudar outros planetas como possíveis mundos de alguma
forma semelhantes à Terra, ninguém dizia que espíritos renascem em outros
planetas, hoje é comum fazerem isso embora eu ainda não tenha lido ou ouvido
nenhuma história de alguém que alegue ter lembrança de uma vida anterior e de
essa vida anterior ter acontecido em outro planeta. As vidas anteriores “recordadas”
são sempre de algum lugar e época aqui da nossa história mesmo, e geralmente
dos lugares e épocas mais conhecidos e citados nos livros escolares.
A mim todas as
histórias parecem fantasias, ilusões, imaginação ou alucinação, mesmo que, em
muitos casos, as pessoas que “viveram” essas histórias realmente
acreditem nelas. Na maioria dos casos que ouço não duvido das pessoas, duvido
da veracidade de suas histórias, da mesma forma que duvidaria se fosse algo que
acontecesse comigo mesma. Se eu tivesse uma experiência do tipo “espiritual”
a primeira coisa que faria seria duvidar, portanto, não dou às pessoas mais
crédito do que daria a mim mesma. E, à parte as “experiências”, existem
as muitas explicações que os “estudiosos de fenômenos espirituais” dão a
elas: todas as explicações “lógicas” que leio ou ouço a mim ficam sempre
parecendo invencionices, “convincentes” e “convenientes”, criadas
para responder o que não tem resposta. Mesmo quando tenho a forte impressão de
que os estudiosos não estão mentindo, acho muito difícil dar crédito a eles,
penso que, muitas vezes de forma involuntária e até inconsciente, essas pessoas
estão usando, selecionando e adaptando conhecimentos para justificar sua crença
e não para questioná-la.
Como estou escrevendo
esse texto mais como um compêndio de “achômetro” do que como qualquer
coisa que possa parecer um texto filosófico ou científico, sei que muitos vão
usar o argumento de que não tenho conhecimento do tema e me aconselhar a
estudar profundamente essa “ciência” antes de fazer meus julgamentos,
ainda mais depois de eu ter ousado falar dos estudiosos que, como cientistas,
dedicam anos de vida a esses estudos e pesquisas. Alguns vão relacionar livros
e links que me ajudarão a conhecer só um pouco do que eles conhecem, porque
muitos realmente estudaram esses fenômenos durante anos. Acreditem, já passei
por isso e aos que pretendem me aconselhar profundos estudos, ou estudos “sérios”,
minha resposta é essa: Tenho mais de um amigo que acredita
que astrologia é ciência, que tarô é ciência. Falam das influências de um
planeta "na casa" de outro planeta, de uma constelação ou do
sol, e usam tantas expressões que para mim são absurdas com a seriedade de quem
está falando de geologia ou medicina. Não tenho dúvidas de que para eles aquilo
tudo é ciência. Mas eu SEI que não é!
Tenho
mais de um amigo que acredita que somos visitados e abduzidos por
extraterrestres que nos estudam com seus instrumentos avançados e suas mentes
superiores. Eles argumentam com "fatos" históricos e "científicos"
para eles incontestáveis. E tenho mais de um amigo que acredita em tarô e fala
das cartas, seus símbolos e seus dignificados da forma mais séria, afirmando
que é ciência. Tenho mais de um amigo que faz meditação, conhece tudo sobre as
"filosofias orientais", diz que a ciência milenar dos povos
orientais é muito superior à nossa “reles e materialista ciência ocidental”.
Todos eles dizem que é preciso estudar muito para entender os "mistérios"
da crença "científica" que defendem. E tem os meus amigos
espíritas que afirmam que espiritismo é ciência e é preciso estudar. Como
nenhuma dessas "ciências" vale mais para mim do que as outras,
qual eu deveria estudar? Acho que vou ficar com a "reles e materialista
ciência ocidental", pelo menos ela eu uso no dia a dia e sei que
funciona. Afinal, eu a estou usando agora para escrever esse texto. Por que vou
“estudar” essas “ciências” todas, ou qualquer uma delas, em lugar
de estudar algo que realmente É ciência? Por que eu passaria horas e mais horas
debruçada sobre mapas astrais, cartas “psicografadas” ou compêndios “antigos”
sobre as cartas e runas do tarô se posso passar esse tempo lendo Stephen
Hawking, Carl Sagan, um bom livro de história ou de filosofia? A vida é curta
demais para que eu perca parte da minha “estudando” coisas que não me
interessam e não fazem nenhum sentido para mim, principalmente quando tenho
bases muito confiáveis para não me interessar por tais coisas.
E as questões não
param: Se, de acordo com os espíritas, estamos reencarnando para evoluirmos por
que cargas d'água não evoluímos? Em muitos casos os que defendem a reencarnação
buscam os outros planetas para explicar isso, dizem que as almas mais evoluídas
renascem em planetas distantes. Essa explicação gera tantas questões que não
consigo entender como tantas pessoas conseguem aceitá-las: Quantas almas afinal
existem? Até onde chega essa tal “evolução”? Em que planeta começou? Com
que objetivo existem essas etapas evolutivas? Por que a população de almas não
evoluídas, ou no estágio em que estamos, aumenta tanto? Vamos, em um futuro
distante, descobrir um planeta povoado por nossos ancestrais reencarnados? Eles
se lembrarão de nós? Quando teremos contato com as primeiras almas que chegaram
ao ponto máximo de evolução? Elas agora são deuses? Então existem muitos
deuses! O que eles estão fazendo agora?
Por aqui não parece
haver nenhuma grande evolução; nada se tornou melhor de uma forma que não
pudesse encontrar explicação perfeitamente plausível nessa sequência de uma
mesma e única vida de cada pessoa que nasceu e morreu desaparecendo para sempre
ao longo da história. Nesse nosso mundinho não se pode apontar nada que
remotamente se pareça com algum tipo de interferência benéfica das tais “almas
evoluídas”, exceto um ou outro gênio ou grande humanista que, quando a
gente olha bem de perto, descobre que foram humanos exatamente como nós, ou
seja, mesmo a existência dessas pessoas especiais pode ser explicada de forma
natural, sem que seja necessário buscar explicações transcendentais. Portanto,
não parece ser para cá que as tais “almas evoluídas” vêm. Afinal, na
essência, o ser humano é tão "desumano", tão absurdamente
violento e mau como sempre foi. Se, com essa nossa vida efêmera, somos apenas
uma parte do todo, ou uma “etapa do caminho”, cadê o resto?
Outro ponto muito
importante para mim é que todas as crenças em almas, espíritos, vida após a morte
que tenho visto estão sempre atreladas à crença em um determinado deus e,
inclusive, colocam a tal vida eterna como sendo uma dádiva de deus. Acontece
que sou ateia. Fica muito difícil uma ateia acreditar em algo que envolve
diretamente a existência de deus. Os espíritas falam em deus e em Jesus; os
evangélicos também falam em Jesus e em deus; os católicos falam em Jesus, nos
santos e em Deus; os umbandistas falam em deus, em Jesus e em diversos santos.
Como não acredito em deuses ou em santos, não tem como aderir a essa ideia.
Mesmo os budistas, que creem em outras vidas desvinculando essa crença da
clássica ideia de deus, não me parecem fazer sentido entre outras coisas porque
eles também, pelo que sei, não explicam, de forma que faça sentido, até onde
vai essa tal evolução e para que ela serve.
Sou ateia e, além de
ser ateia, sou uma ateia convicta de que, se estivesse enganada e existisse um deus,
eu preferiria manter a maior distância possível dele. Para muitos a vida após a
morte teria o objetivo contrário ao que seria minha vontade: eles querem viver
para sempre com e para deus. Eu realmente não acredito, mas se, contrariando
toda a lógica desse e de qualquer mundo, eu estiver errada e essa tal vida após
a morte existir incluindo nela o “prêmio” de passar a eternidade ao lado
de “Deus pai todo poderoso criador do céu e da terra”, espero
sinceramente que nenhuma das minhas ações praticadas ao longo da vida nunca
seja suficiente para me tornar merecedora disso que, para mim, seria um castigo
medonho. Não consigo imaginar uma possibilidade de deus que eu respeitasse e
não consigo imaginar nenhuma possibilidade de explicação que um deus pudesse me
dar e que me faria perdoá-lo por ter criado o mundo do jeito que o mundo é.
Portanto, não consigo me imaginar ao lado de tal ser se não como tortura, e
acho que nem eu mereço um castigo tão terrível.
Existe também uma
teoria segundo a qual passaremos novamente pela mesma vida que vivemos antes,
toda ela, novamente e exatamente igual. Essa teoria me parece ainda menos
válida ou possível, principalmente porque existem duas possibilidades que vejo
como igualmente inviáveis: ou teríamos consciência da vida anterior e, nesse
caso, provavelmente faríamos outras escolhas e teríamos vidas diferentes, ou
não nos lembraríamos de nada e essa hipótese me leva a perguntar qual seria
então a vantagem ou o sentido dessa repetição; eu poderia agora mesmo estar
vivendo exatamente essa mesma vida pela milésima segunda vez e não saber disso,
em que esse “revival” poderia ajudar na minha “evolução espiritual”
afinal de contas? E como seria “a mesma vida”, na prática, se não me
lembro de nada? Acho que se eu não me lembro, então não aconteceu, ou equivale
a não ter acontecido. Então, não há vantagem, tortura, alegria ou tristeza
nisso. Não há nada. Mas acho que essa hipótese não foi levantada pelos
espíritas e sim pelos filósofos – Nietzsche se não me engano -, então é melhor
esquecer por enquanto.
Mais um ponto: Os que
defendem a vida após a morte com esse "aprendizado" - ou
"evolução" - envolvido geralmente evitam falar a respeito de
como ficariam os animais: Que são eles? Eles também evoluem? Existe um planeta
habitado por espíritos animais evoluídos? Um dia fomos animais? Em que ter sido
ou passar a ser um animal pode ajudar uma pessoa se somos em muitos casos tão
diferentes? Não consigo, desculpem mas não consigo pensar seriamente na
hipótese de que um dia fui, por exemplo, uma giárdia e que essa vida me ajudou
a “evoluir” até chegar ao estágio “espiritual” em que estou.
Quando falam sobre os animais fica muito mais sem sentido do que nos argumentos
que envolvem apenas os seres humanos. Essa omissão e esses argumentos de “pé
quebrado” me parecem um indício muito forte de que não existe nada mesmo;
isso porque, na minha opinião, explicar de forma convincente como ficariam os
animais – principalmente os menos “bonitinhos”, como as baratas e os
vírus – cria uma gama de embaraços muito grande para essas teorias. De repente
posso estar falando besteira e pode ter alguma teoria espírita que tenha
conseguido detalhar esse aspecto e eu não a conheço, mas pela pesquisa rápida
que fiz em sites espíritas, não encontrei nada que fizesse sentido de verdade.
E, finalmente, tenho
uma outra justificativa que está mais para brincadeira do que para um argumento
sério mas mesmo assim acho que vale uma "analisada": Ando
pensando já faz algum tempo em como seria terrível se de verdade acontecesse o
que muitas pessoas afirmam sobre existir vida após a morte. Imagina a cena:
Você morre e tem alguém lá do outro lado te esperando, depois chegarão outros e
você vai se encontrar com todas as pessoas com quem conviveu e teve laços de
amizade, amor, parentesco enquanto estava vivendo essa vidinha besta aqui na
terra.
Acontece que, pelo que
eu entendi, se é que entendi alguma coisa dessa ideia de vida após a morte, do
outro lado você é um espírito de luz, você se livrou do seu corpo e, junto com
ele, se livrou também de uma porção de coisas negativas que são inerentes à
raça humana. Você está um degrau acima para se tornar um espírito puro, você
está evoluindo, é um candidato a alguma coisa de suprema-pureza que não consigo
fazer ideia do que seja. Mas, enfim, você está lá, com seu pai, sua mãe, seu
primeiro namorado, seus filhos, seu marido, todas as suas melhores amigas desde
aquela da escola primária até a do asilo, e todos são espíritos de luz
candidatos a se tornarem um super-espírito-puro, seja lá o que isso for.
Rapazes! Por favor, pensem nesses parentescos e relacionamentos que citei acima
masculinizando ou feminilizando as pessoas de acordo com o que se adequar mais
ao que foi (ou terá sido quando isso acontecer) a sua vida.
Imagino que, nessas
condições não possa haver mentiras, meias-verdades, disfarces, segredos; e mais,
imagino que o segredo seu que todos saberão não é aquele que você contaria e do
jeito que você contaria, é todo e qualquer segredo; seus atos e pensamentos
mais profundos. Todos vão saber as condições, o momento e o que você pensou e
sentiu em cada situação da sua vida, tudo aquilo que você guarda só para você e
que não diria nem sob tortura a nenhum ser humano do planeta os “candidatos
a espíritos de luz” e os “espíritos de luz PHD” saberão. Ou será que
você não tem nada a esconder? Nada mesmo? Nenhum pensamentozinho insidioso num
momento de fraqueza? Nenhum “Foda-se, ninguém tá vendo mesmo!” naquele
dia em que você estava sozinha em casa ou trancada no banheiro? Nunca se
arrependeu de algo que sentiu e depois jogou aquilo debaixo do
tapete-daquilo-que-não-deve-jamais-ser-levantado?
Não vou fazer uma lista
de possibilidades aqui porque não quero constranger você e porque não quero me
entregar que também sou humana, mas acho que ninguém escapa dessa; e isso não é
verdade só para nós, mulheres. Pensem comigo, garotos: nada a esconder?
Das duas uma: ou eu sou
uma anomalia, uma “freak”, uma aberração da natureza, ou todos nós temos os
nossos segredinhos inconfessáveis por menos danosos que sejam. Acho que a
segunda opção é a verdadeira, mas você pode tentar me desmentir se quiser.
Tenho segredos que não
contaria A NINGUÉM nem sob ameaça de morte (acho que todos temos) e se com essa
coisa de "alma" eu tiver que me tornar "transparente",
abro mão de qualquer privilégio pós morte rapidinho para conservar meus
segredos bem guardados!
Podemos ser boas
pessoas, respeitar e valorizar os amigos, a família, a sociedade, as leis;
podemos ter passado pela vida sem cometer nenhum crime, sem nunca prejudicar
propositadamente qualquer pessoa. Mesmo assim não sairíamos por aí dizendo
tudo, tim-tim-por-tim-tim, o que fizemos, pensamos e sentimos em todos os
momentos da nossa vida.
Como aceitaríamos fazer
isso depois de mortos e para todas as pessoas que tiveram alguma importância
para nós? E ainda – com a possibilidade de que isso aconteça assim – diante de
todas as pessoas e ao mesmo tempo. Dá para pensar em algo mais constrangedor? E
ter que ouvir, ou saber de alguma outra forma, todos os “segredinhos sujos”
dos seus pais e dos seus filhos? Por favor, escondam minha cara! Acho que se a
coisa andar por esse lado a tal vida depois da morte perde muitíssimo do seu
charme, não perde não?
Mas, pensando e “caraminholando”
sobre o assunto, eu quis nos livrar disso e tentei encontrar uma saída: E se a
gente não precisar ser transparente para todo mundo do lado de lá? Podemos
restringir essa abertura plena e irrestrita da nossa pessoa a um único ser, por
exemplo um outro espírito, mais evoluído que nós e que estaria, nesse caso,
como uma espécie de orientador da nossa "caminhada evolutiva".
Ou, se você é religioso
e prefere ele, então que esse ser mais evoluído seja Jesus, o espírito mais
evoluído de todos os espíritos evoluídos que possam existir (é o que dizem...).
Então tá! Só ele vai saber todos os seus segredinhos sujos. Ainda assim ficou
um sentimentozinho de “sem-graça” não ficou mesmo? Em mim ficou, eu
juro. E olha que nem acredito nesses espíritos evoluídos todos!
Mas quer ser mais
restrito ainda? Tá bom: vamos supor então que seja deus, que exista deus e só
ele tenha pleno conhecimento da sua personalidade na íntegra. Será que agora dá
para encarar uma vida depois da morte e, mais ainda, uma vida depois do
esclarecimento total e completo de que alguém além de você sabe TUDO?
Bem, não posso falar
por você nem por ninguém, mas garanto que a correr esse risco eu prefiro que
não exista vida nenhuma depois da morte. Se puder escolher abro mão, por melhor
que seja e sem pensar duas vezes, de qualquer possibilidade de vida após a
morte para poder conservar e levar comigo (e só comigo!) para o nada, a minha
privacidade. Por mais que eu desconfie seriamente que meus segredos são tão
insignificantes que fariam a maioria das pessoas comuns rirem ou bocejarem e que
provavelmente fariam o mesmo com um “ser de luz” qualquer, esses são os
MEUS segredos, quero e exijo o direito de guardá-los só para mim. Por nada
nesse mundo ou fora dele eu aceitaria abrir mão da minha privacidade!
Daí, pensando nisso
tudo, me parece bem mais interessante minha mente voltar ao nada que foi até
que comecei a existir como eu, é bem melhor que meu corpo se dissolva
espalhando os elementos que o compõem pelo mesmo ambiente de onde esses
elementos vieram para formá-lo. O ciclo da vida me soa muito mais poético do
que ter que justificar o sofrimento de crianças para uma teórica "evolução"
da minha (ou de qualquer outra) "alma" até um ponto que não
sei qual seja e que duvido muito que me interesse.
Na prática, acho que
morrer deve ser muito legal. Sinto até uma certa ansiedade para que que isso
aconteça, como quem antevê o que sentirá quando chegar o dia de fazer aquela
viagem previamente marcada para um país que não conhece. O mergulho no nada
eterno me parece fascinante! Terrível seria o céu cristão: Sentar à direita do
deus bíblico me apavoraria! Como o pós vida das outras religiões também não me
agrada, penso que saber que só o nada está do outro lado é uma das muitas vantagens
de ser ateia.
Não me incomoda deixar
meu filho e não me incomoda deixar meu neto porque sei que isso é natural,
então não me incomoda. Sei que não sentirei falta deles porque serei nada e o
nada não sente, então isso me tranquiliza muito: nenhum aperto de saudade, oh,
delícia! Meu filho provavelmente sentirá minha morte, e meu neto talvez sinta alguma
coisa também, não sei, mas a dor vai passar logo porque é normal a mãezinha ou
a vovozinha velhinha morrer. A dor amaina mais rápido diante do natural.
O que não quero mesmo é
morrer antes da minha mãe, ela sim teria uma dor maior – a maior de todas as
dores na minha opinião – e nisso sim, dói em mim pensar. Da mesma forma e pela
mesma razão, não quero morrer depois do meu filho, como nenhum pai quer embora
tantos passem por essa tortura. Seguindo a ordem natural, a morte me parece
muito boa, muito tranquila, muito agradável. O único medo que me sobra é o medo
da dor, a dor que pode anteceder a morte caso ela venha por uma doença ou acidente
sério; por isso, tudo o que desejo é que tenha muita morfina se eu precisar.
Enfim, acho que quando
a gente morre a gente acaba e pronto. Fim, fin, fini, ende, the end, final,
ACABOU! Não sobra nada, exceto alguns quilos de matéria destinada a voltar para
a “tabela periódica dos elementos” à disposição da natureza para ser
outra coisa, ou parte de outra coisa. Com o tempo, até a lembrança de quem fomos
desaparece total e completamente. Pode ser difícil de aceitar, mas é o que
parece mais lógico.
Como conclusão – agora mesmo!
- preciso avisar que, embora não tenha medo nenhum, também não tenho nenhuma
pressa de morrer. Ainda tenho muitos livros pra ler. Já contei que AMO ler?