18 de fevereiro de 2022

SOBRE NÃO VOTAR, ANULAR, VOTAR EM BRANCO, ETC.



Uma pessoa me lembrou de uma frase que eu já tinha lido e que, procurando no Google, vi que tem várias versões atribuídas a várias pessoas; de Mark Twain a Sandra Bulock.
“Se votar fizesse alguma diferença, fariam-no ilegal”
Essa é atribuída a Emma Goldman, talvez ela tenha sido a primeira pessoa a dizer isso, não sei e não sei se importa.
Embora eu goste muito da ideia de ter sido uma mulher a primeira a ter essa “sacada”.
De qualquer forma, o que quero dizer é que concordo com muitos dos argumentos das pessoas que escolhem não votar.
Tanto concordo que passei muitos anos sem votar.
Eu morava no Rio, transferi meu título para São Paulo e só justificava.
O que eu dizia na época era:
“Quando surgir um candidato que mereça meu voto, eu vou a São Paulo votar”.
Não o fiz, nem uma vez.
Voltei a morar em São Paulo, mas longe o suficiente para continuar justificando.
Parei de votar quando vi o Lula apertando a mão do Maluf logo depois de vencer as eleições para o primeiro mandato.
Voltei a votar quando o bozobosta apareceu como candidato à presidência.
Aí atualizei meu título e votei contra ele.
É o que vou fazer agora.
Então, apesar de concordar muito com a Emma Goldman, não acho MESMO que esse é o momento para omissão.
Acho que agora, excepcionalmente, faz diferença sim!
Para usar como exemplo um tema bem atual,
Se não votasse, eu me sentiria tão mal quanto se aceitasse me sentar à uma mesa na qual está uma pessoa com a suástica no braço.
Mesmo que eu não falasse com essa pessoa,
Mesmo que a abominasse,
Eu me sentiria quase uma nazista.
Posso estar exagerando,
Mas quem manda em sentimentos, né?

6 de fevereiro de 2022

EU SOU VELHA, GORDA, FEIA, BURRA E MÁ



Não estou me desprestigiando, me humilhando, esperando que pessoas me elogiem “desmentindo” esses adjetivos de sentido negativo que atribuí a mim mesma. Estou apenas constatando um fato, e é um fato, a meu ver, que descreve uma boa parcela da população mundial. Vamos olhar cada adjetivo mais de perto.

Sou velha porque quase toda pessoa é velha aos olhos de quem tem 20 anos a menos. Para uma criança de 10 anos, as pessoas de trinta anos são velhas, e como já passei dos 60, tem muita gente com uma diferença de idade bem maior do que os 20 anos necessários para me ver como velha, independente do que eu possa pensar de mim mesma e do que as pessoas lindas que são minhas amigas possam dizer para me convencer de que não sou velha nem aparento ser (Ah, como são maravilhosas as sinceras mentiras piedosas!). Lembro bem da minha cabeça de 20 anos! Quando me olho no espelho e alcanço o olhar daquela mocinha amalucada que fui, eu me vejo como velha sim, e só não faço muito isso porque nunca gostei de me olhar no espelho. Mas preciso frisar que a maneira como me vejo não tem importância para o raciocínio que estou tentando desenvolver aqui.

Sou gorda porque vivo em uma sociedade que cultua o “corpo sarado” e a magreza extrema, e para esses padrões eu deveria “perder” pelo menos uns dez quilos, acho (Faz muito tempo que não subo em uma balança). E sou gorda porque tenho o privilégio de poder comer o que e quando me dá vontade (excetuando extravagâncias absurdas como as trufas brancas italianas que, de acordo com o Google, é o alimento mais caro do mundo). Tenho vários privilégios que só são privilégios porque muita gente não tem o que deveria ser direito básico para TODO MUNDO; mas esse “privilégio” que tenho é suficiente para aumentar o peso da gente se a gente não tomar cuidado. E eu não tomo cuidado nenhum!

Sou feia porque passei dos 60 e ninguém nessa idade é considerada bonita sem um “ainda” antes (ou como mais uma sincera mentira piedosa das pessoas lindas que são minhas amigas); e sou feia porque minha aparência, embora não assuste criancinhas, não serve nem pra ser escolhida como entrevistada pela Globo em caso de eu estar passando por perto quando acontece algum fato “digno” de trazer repórteres “muito interessados” em saber a opinião das pessoas comuns que testemunharam, transitam ou vivem por ali.

Sou burra porque todo mundo é burro da mesma forma que ninguém é normal, “olhando de perto”, como disse o Caetano. Tem tanta coisa que eu não sei, tem tanta coisa de que sei só uma parte, um pouco, um ínfimo ou um quase nada; tem tanta coisa que eu sei que nunca vou saber, tem tanta coisa que nem tenho capacidade de aprender. E mesmo as poucas coisas que sei, que estudei, que aprendi, que até ensinei, não são conhecimentos totais, não são conhecimentos engessados, e sobre muitas dessas coisas (ou todas elas), meu conhecimento também é limitado. Daí que me julgar inteligente seria uma grande burrice!

Sou má porque pertenço à raça humana que é má em sua essência. E sou má porque estou aqui no conforto da minha cadeira, sob meu teto aconchegante, na companhia e sob a proteção da pessoa que mais amo no mundo depois do meu filho. Fico aqui, toda tranquila e aconchegada, sabendo que o mundo está cheio de dores terríveis, sofrimentos atrozes, injustiças absurdas, carências inacreditáveis e catástrofes monumentais. E eu sequer estou chorando (nesse momento) por tudo isso! Eu sequer estou doando minhas parcas posses para acabar com algum desses tantos sofrimentos. Se eu fosse boa, sairia daqui agora, daria TUDO o que tenho para quem não tem nada e levaria os restos da minha força de trabalho me engajando totalmente a um grupo qualquer que trabalha pela humanidade. Não faço isso e minhas doações não me tiram do conforto que tantas pessoas e tantos seres vivos não têm. Seria muita maldade me consideram uma boa pessoa!

Agora, se eu quiser reinterpretar as palavras, posso inverter tudo que acabei de escrever. Posso dizer que sou uma senhora lúcida e saudável, que sou bonita porque sei sorrir e apoiar, que sou uma pessoa desapegada de imposições machistas e de bem com meu corpo, que sou tão inteligente que já passei em primeiro lugar em um concurso, que concluí a faculdade sem nunca repetir uma matéria (e outras “carteiradas” bestas do tipo). Posso posar de uma pessoa excelente porque sou uma defensora dos direitos humanos, ajudo quem posso sempre que posso e não me poupo de defender minorias contra maiorias opressoras em meus textos, minhas falas, minhas aulas... Acontece que hipocrisia é maldade, não é?

Então, no final das contas, me limito a ser humana e gosto muito de pensar o pior de mim porque é pensando o pior que a gente consegue tentar não ser tão terrível assim; que a gente consegue melhorar... mesmo que seja só um pouco.