27 de fevereiro de 2021

NECRO-CAPITALISMO

 


Palavra atual bem adequada
Uns poucos conseguem viver de renda
Aplicando o dinheiro adquirido pela exploração
Ou explorando para ter o que aplicar
Enquanto a grande massa morre de fome
Ou de ser "efeito colateral"
Na violência
Gerada pela exploração

26 de fevereiro de 2021

ACEITAR



Nunca nunquinha jamais em tempo algum
Vou concordar com qualquer elogio
Que se faça sobre a velhice
Acho que a velhice é uma merda!
Um castigo por crime não cometido
Doença pior do que todas as doenças
Porque não tem esperança de cura
Não estou falando só da minha velhice
Não estou falando só da aparência
Embora importe sim!
As dores deficiências impossibilidades
O fato da pessoa se tornar um peso
A realidade de milhões de pessoas
Longe do "exemplo bonitinho"
Que alguém sempre desencava
Isso é o que me faz incapaz
De ver beleza na velhice

SUICÍDIO



A vida é uma sequência de acasos
Sem nenhum sentido ou razão
Enquanto pessoas encontram forças
E superam de forma fantástica
Os mais terríveis obstáculos
Pessoas desistem e “escrevem”
O bilhete de Torquato Neto
“Tô de saco cheio”
Entre esses dois extremos
Há uma ampla gama de nuances
Um rio largo no qual estou inserida
Não dá para dar reset e reiniciar a vida
A única coisa que posso é escolher
Se continuo me carregando nas costas
Ou não

A MERDA DA VELHICE



A velhice é nosso destino natural
Não reconhecer isso é inocência patológica
Daí a aceitar passivamente só porque é natural
Vai uma grande distância!
Não aceitar a velhice pode ser simplesmente
Não aceitar botar no coração o mesmo inverno
Que a natureza nos coloca nos cabelos
Pode significar saber que a decrepitude virá
Mas estar disposta a adiá-la para amanhã
Não aceitar a velhice pode significar
Falar a verdade e não invenções mentirosas
De cursinhos de autoajuda
Não aceitar a velhice pode ser cobrar
Mais descobertas avanços qualidade
Mais conhecimento respeito compreensão
Aceitar é ser cordeiro
Indo para o abate sem um balido
Não aceitar é sair da vida molecamente
Mostrando o dedo médio!

25 de fevereiro de 2021

REFUTAÇÃO DA REFUTAÇÃO



Há muitos anos, enquanto fazia um curso de pós graduação de Filosofia, escrevi um texto em que tentava refutar as Cinco Vias de Tomás de Aquino. Descobri que uma pessoa chamada André Caregnato encontrou meu texto em algum lugar e acrescentou argumentos a ele, dando as devidas referências. Hoje descobri que outra pessoa de uma página chamada ALL, encontrou esse texto que ficou sendo meu e do André e escreveu uma refutação de nossa refutação. Daí eu fiz essa refutação da minha refutação melhorada. Os links estão abaixo.

Refutação: Em primeiro lugar, Scarpim cita diversos exemplos das coisas que se movem: galáxias, planetas, estrelas, bolas de futebol, raios… De fato, esses objetos se movem, ninguém o nega. Contudo, o texto parece reduzir o movimento apenas ao chamado movimento local (movimento físico, ou mecânico, como quiser chamar). Como bem se sabe, o termo movimento, na filosofia aristotélico-tomista, não significa o mesmo que o movimento na física e demais ciências empíricas. Para São Tomás, movimento é o trânsito da potência ao ato. Em outras palavras, o mover é a mudança, qualquer tipo de mudança. Por exemplo: se a madeira é queimada e torna-se carvão, ela moveu-se, sendo alterada pelo fogo. Isto seria o que chamamos de movimento substancial.

Divina: Acontece que eu abri o texto original com: “Este primeiro argumento parte da constatação de que as coisas se movem. Galáxias, planetas, rios, nuvens, homens, moléculas, tudo na natureza está em constante movimento e transformação”. Então, penso que a palavra “transformação” implica a mudança citada como “esquecimento” meu. Certo que posso ter falhado em não citar entre os exemplos, mas não há a ausência desse conceito.

Refutação: Em segundo lugar, o texto diz que “nada pode ser motor e movido ao mesmo tempo”. Isso não está de todo errado, mas também está incompleto. O que São Tomás afirma é que: “nada pode ser motor e movido num mesmo sentido e num mesmo aspecto”. Pois, como no exemplo do carro dado por Scarpim, ele é movido pela gasolina, no entanto, nada impede o carro de mover outro automóvel ou qualquer outra coisa que estiver à sua frente. O que o carro não poderia fazer seria ser movido pela gasolina ao mesmo tempo que move a mesma. Isto, claro, nem sequer faz sentido.
Pode parecer algo trivial de ser apontado, mas certamente demonstra uma falta de rigor do escritor sobre aquilo que está criticando.

Divina: Até reconheço a falta de rigor que você aponta, mas ela foi de certa forma proposital, no sentido em que, quando muda o aspecto, como no seu exemplo “nada impede o carro de mover outro automóvel ou qualquer outra coisa que estiver à sua frente”, muda a situação básica analisada. O carro passa a ser motor, um motor movido por outro motor, que pode, por sua vez, ser também motor, como por exemplo, um carro movido por gasolina que move outro carro que atropela um cachorro. Achei que essas possibilidades ficariam melhor explicitadas e mais claras na sequência das refutações.

Refutação: Não faz sentido algum perguntar quem move Deus, pois Ele é o Primeiro Motor, se algo o movesse, então, já não seria Primeiro.

Divina: O problema dessa refutação é colocar como afirmação algo que não foi provado “Ele é o Primeiro Motor”. Se o texto analisado procura provar a existência de deus não é lógico nem plausível usar como argumento uma afirmação sobre deus antes de conseguir provar a existência de deus.

Refutação: Partindo do ponto de vista adotado por Tomás de que Deus seria imóvel - e nessa perspectiva caberia a Tomás de Aquino ou seus derradeiros seguidores demonstrar como que algo absolutamente imóvel seria capaz mover (ou agir sobre) alguma coisa […]
Aqui a autora parece desconhecer totalmente a distinção entre potência e potência ativa.

Divina: Essa parte do texto não é minha. Minha refutação à Primeira via se resumiu a “Se nada se move sem uma causa externa e se pode ter uma causa primeira temos um problema e uma outra possível explicação: 1 – Se nada se move sem uma causa externa não há razão para que deus seja exceção à regra, portanto, posso perguntar: quem move deus? 2 - Se pode ter uma causa primeira então essa causa primeira não precisa ser deus, pode ser, por exemplo, a lei da gravidade”. Ou seja, o trecho citado é do André Caregnato, mesmo assim vou “meter minha colher enferrujada” nessa conversa.

Refutação: Deixemos que o próprio São Tomás fale acerca disso: “Ora, como demonstramos, Deus é ato puro, absoluta e universalmente perfeito, não deixando lugar a nenhuma imperfeição”.

Divina: O problema de ter deixado Tomás de Aquino falar é que ele disse “como demonstramos” sem ter demonstrado coisa nenhuma. E na sequência ele desanda a falar das características de perfeição acima de tudo, que ele atribui a deus sem ter provado a existência de deus, que o universo precisou de um primeiro motor, que há um primeiro motor consciente, que esse primeiro motor consciente é deus. Seria quase como afirmar que fadas não podem ser hipnotizadas sem provar que existe hipnose nem que existem fadas.

Refutação: “B. Se pode ter uma 'motor primeiro' sem regredir infinitamente nas sucessão dos motores que movem outros motores, então esse motor primeiro não precisa ser deus, pode ser, por exemplo, a força gravitacional de atração dos corpos”.
O próprio levantamento hipotético de uma força da natureza ser o Primeiro Motor já é, por si, problemático, dado que essa força natural procederia de algo naturalmente antecessor que a exerceria, sendo este algo a própria natureza, que é potencial, e, por isso, não pode ser causa primeira, pois a causa primeira há de identificar-se com o primeiro motor, que é imóvel e, por isso, puro ato.

Divina: Meu argumento original foi apenas “2 - Se pode ter uma causa primeira então essa causa primeira não precisa ser deus, pode ser, por exemplo, a lei da gravidade”. De qualquer forma, a afirmação de que uma força da natureza não pode ser o Primeiro Motor é uma afirmação que carece de muitas explicações. Primeiro e antes de tudo seria preciso definir o que o autor do texto está entendendo por “natureza”. Sem essa definição clara, qualquer afirmação feita não passa de um “penduricalho” apoiado em nada. Em seguida, o autor afirma que “a causa primeira há de identificar-se com o primeiro motor, que é imóvel e, por isso, puro ato” sem ter em nenhum momento provado a necessidade ou existência de uma causa primeira nem de um primeiro motor, e também, claro, sem ter provado que existe motor imóvel ou ato puro.

Refutação: Marquei este interessantíssimo trecho em que Scarpim dá outras vias para o surgimento do Cosmos: ele poderia ser cíclico, eterno ou iniciado uma única vez… Todavia, essa crítica não é válida por um simples motivo: Aristóteles acreditava que o Cosmos era eterno e co-eterno a Deus.

Divina: Primeiro, esse trecho não é meu e sim do André Caregnato, segundo que ao dizer “não é a única possível, o universo poderia ser eterno, cíclico ou iniciado uma única vez”, o André deixou três opções e não apenas uma, daí que dizer que Aristóteles “acreditava” que o Cosmos era eterno não invalida a crítica dele, no máximo uma parte dela, e mesmo assim bem fracamente porque não há prova, apenas crença. E tem outro detalhe que não me pareceu muito claro: Se “o Cosmos era eterno e co-eterno a Deus” por que cargas d’água o universo precisaria de um Primeiro Motor?

Refutação: Aqui a autora passa a usar o termo movimento de uma maneira mais acertada. Contudo, a crítica de Scarpim falha em um ponto bem simples: existe uma potência pura, que é a matéria prima, a matéria informe.

Divina: De novo, o trecho refutado é do André Caregnato e não meu. De qualquer forma a refutação peca novamente por não definir os termos. O que o autor entende por “matéria”? O que entende por “matéria prima”? E por “matéria informe”? Ele está chamando elétrons, prótons e nêutrons de matéria e de potência pura? Ou não considera essas partículas como matéria porque nem Tomás de Aquino nem Aristóteles sabiam da existência delas? Como argumentar sem uma definição que torne o texto compreensível?

Refutação: Além do mais, não faz sentido tentar excluir um com o outro, já que a potência só se dá na ausência de ato, da mesma forma que o mal é ausência de bem. Sendo assim, não há como haver dependência interna entre ambos, pois um é ausência do outro.

Divina: De novo o problema do argumento é a afirmação de uma “verdade” não comprovada como se essa afirmação não fosse passível de questionamento. “o mal é ausência de bem” é afirmação não comprovada, o puro ato é afirmação não comprovada. Dizer que puro ato existe mesmo que pura potência não exista porque “não pode haver dependência” entre ambos é uma conclusão sem respaldo, ou uma conclusão que não foi devidamente justificada.

Refutação: A resposta é fácil: São Tomás argumenta que todo efeito tem uma causa. Isto comprova-se pela própria semântica de efeito, que pressupõe algo anterior ao evento, a causa. Deus não é um efeito, portanto, não necessita de causa; pelo contrário, Ele é Causa Primeira de todas as coisas.

Divina: Primeiro afirma que sim “São Tomás argumenta que todo efeito tem uma causa” depois diz que “Deus não é um efeito, portanto, não necessita de causa; pelo contrário, Ele é Causa Primeira de todas as coisas”. Cadê a comprovação? Cadê a mínima argumentação lógica? Não tem nada aí que não seja pura conclusão vazia, pura fé. Como chamar isso de refutação?

Refutação: Como já vimos, a natureza é por si mesma potencial e, por conta disso, não pode ser Causa Primeira, pois tudo aquilo que é potencial é causado por outro ser em ato. Deus é ato puro, por isso, não necessita ser causado.

Divina: Como já vimos, falta explicar o que o autor entende por “natureza”. Por que algo natural “não pode” se causa primeira? Onde está a comprovação dessa afirmativa? Onde a prova de que “tudo aquilo que é potencial é causado por outro ser em ato” e, principalmente, como pode afirmar que “Deus é ato puro” se não provou a existência de deus?

Refutação: São Tomás argumenta que é impossível, em algum momento, não ter havido nada, pois o nada, que não tem potência ativa, não poderia criar os demais seres. Por isso é que há um ser necessário.

Divina: acontece que o fato de ser “impossível, em algum momento, não ter havido nada” não implica em que tenha um “ser necessário” consciente, e menos ainda que esse “ser necessário” seja deus.

Refutação: Se fosse causado, já não seria Causa Primeira. E tudo aquilo que é causado tem potência passiva, mas Deus é ato puro.

Divina: Novamente o autor afirma como realidade algo que nunca foi comprovado. Não provou a necessidade de uma causa primeira e afirma que deus é a causa primeira, não provou a existência de deus e afirma que deus é ato puro. Onde há refutação de argumento aqui?

Refutação: Volta-se ao que eu já disse: São Tomás diz que todo efeito tem uma causa. Deus não é efeito, logo não necessita de causa.

Divina: E volta ao que eu já disse e ao que é dito no argumento: Tomás de Aquino diz que “tudo tem que ter uma causa” exceto o suposto ser que ele quer provar como existente, e o autor da refutação vai por esse mesmo caminho sem que nem Tomás de Aquino nem ele provem a existência ou a necessidade de existência de deus.

Refutação: A autora não entendeu o argumento da 4ª Via. A quarta Via não é uma simples afirmação de que existe uma perfeição em grau máximo, a questão é que o máximo em qualquer gênero é causa de tudo o que nele existe.

Divina: Eu não entendo muita coisa, mas acho que essa não é uma delas! Entendi sim a 4ª. Via, acontece que também entendi as centenas de vezes que li e ouvi autores de teodiceias e pessoas religiosas cultas ou comuns dizerem que deus é o grau máximo de perfeição. Incluindo o próprio Tomás de Aquino citado por você mais acima, lembra?

Refutação: O homem tem um ser mais perfeito que o animal, e este possui um ser mais perfeito que o vegetal, etc.

Divina: De onde você tirou isso?

Refutação: Se advirem de um ente que não as possua por essência, as perfeições neste também deverão ter sido causadas por outro, tal processo não pode ir ao infinito, o que exige um ser que possua as perfeições por essência.

Divina: Bem, primeiro você teria que provar que existe essa tal perfeição, depois teria que provar que tal perfeição poderia ir ao infinito, depois provar que isso exige um ser “que possua as perfeições por essência”, depois provar que esse ser existe, e depois provar que esse ser é deus. Acho que tem muita coisa a ser provada antes que essa afirmação possa ter qualquer validade.

Refutação: Primeiramente, o argumento de São Tomás não diz exatamente que todas as coisas tem uma finalidade

Divina: Eu disse que não há nenhuma prova de que realmente todas as coisas e todos os seres possuam uma finalidade ou mesmo de que progridam. Não me percebi dizendo que Tomás de Aquino usou a palavra “todas”, apenas achei que, para que esse argumento dele fizesse algum sentido para seus defensores, ele ou eles teriam pensado assim. Afinal, se tem coisas e seres que não possuem finalidade, por que uma das coisas não pode ser o universo e um dos seres não pode ser o humano?

Refutação: Se podemos perceber que certas coisas no universo tendem a certos fins, é forçoso reconhecer que há um ser inteligente que os guia, pois nada inanimado opera por si mesmo.

Divina: Certo! Algumas coisas no universo tendem a certos fins e há um ser inteligente que guia essas coisas. Um exemplo são os satélites, eles estão na órbita da Terra por um fim, em alguns casos enviar sinais de rádio, em outros pesquisar movimentos de nuvens ou marés, e o ser inteligente que os guia é o ser humano. Que relação isso tem com deus ou com Tomás de Aquino? É verdade que nada inanimado opera a si mesmo, mas quem disse que tudo o que se movimenta está sendo “operado”? Essas afirmações ficaram muito vazias e desconectadas do tema, você não acha?

 

A íntegra da refutação está aqui: Resposta a “As Cinco Vias Refutadas”, de Divina de Jesus Scarpim e Daniel Caregnato | by ALL | Jan, 2021 | Medium

 

E o texto original está aqui: As Cinco Vias Refutadas (projetosintropia.netlify.app)

 

22 de fevereiro de 2021

LINGUAGEM NEUTRA



Não importa o que o linguista "phodástico" diz
Essa ninguém diante do linguista "phodástico"
Essa euzinha inútil que nem atua mais
Como professora de português
Viu que com um pouquinho só de esforço
Consegue usar a língua portuguesa
De modo a abarcar todas as pessoas
Sem ofender ou excluir ninguém
Então eu vou SIM fazer esse esforço!
Não preciso mudar a língua portuguesa
Não preciso alterar nenhum vocábulo
Não preciso mais do que um pequeno esforço
Basta um certo cuidado na hora de escrever
Priorizar palavras inclusivas que a língua já tem
Como a palavra "pessoa" em lugar de "homem"
Quando me refiro a toda a humanidade
Aliás a palavra "humanidade" também é boa!
Basta tentar evitar o masculino "neutro"
Que é SIM marca do machismo estrutural
Por mais que o linguista "phodástico" negue
Por mais que ele apele para uma língua
Que muitos críticos da linguagem neutra
Nem estudaram nem conhecem
Por mais que ele fale em "declinação"
Palavra estranha a muitas dessas pessoas
Que dizem amém para o linguista "phodástico"
Estou preparando um livro de poemas
E estou demorando mais do que o previsto
Porque estou revendo meus textos
E adaptando todos à linguagem neutra
Não “desvirtuei” nenhuma palavra até agora
E já passei da metade!

21 de fevereiro de 2021

CARNAVAL E FILME

 


Não sei quanto a você, mas eu nunca fui entusiasta dessa festa, sempre gostei do feriado, como sempre gostei de todos os feriados, mas a festa mesmo nunca me atraiu. Quando jovem eu brincava de ameaçar meu pai dizendo: "Periga de a gente se encontrar em algum salão!". É que eu soube que meu pai (um "galinheiro", típico da sociedade machista), costumava ir a bailes de salão. Ele ficava bravo, dizia que eu não podia frequentar esses lugares, que se me pegasse eu apanharia muito, e eu só ria. A chance na verdade era zero porque eu não gostava de bailes de salão nem fora do carnaval. Fui uma vez, quando ainda era menor de idade, com uma amiga, a um salão da moda da época. Entramos porque a irmã dela trabalhava no bar que tinha lá dentro e ela quis me mostrar como era. Forcei minha amiga a sair o mais rápido possível, mal acabei de tomar minha Cuba-libre gratuita. Um tempo depois, depois que fiz 18 anos e já podia mostrar a identidade, fui mais duas vezes (no auge das discotecas), uma com algumas amigas e outra com o namorado, detestei as duas e não fui mais. Não gosto mesmo de lugares barulhentos e não consigo ver nenhum sentido em ficar me chacoalhando ao lado de uma multidão aglomerada em um lugar tão barulhento que ninguém consegue nem ouvir música nem conversar. 

Mas, quando morei no Rio de Janeiro, eu e meu marido gostávamos de sair às ruas à tarde para acompanhar a pé o pessoal que estava indo para a Rio Branco ver os blocos, às vezes chegávamos até lá, pegávamos uma cerveja e ficávamos um pouco olhando um dos desfiles e depois voltávamos passando pelo Largo do Machado onde a gente via as crianças fantasiadas para o bloquinho infantil que sai de lá. O gostoso é ver as fantasias criativas e a alegria das pessoas. Até ficamos uma vez no gramado ouvindo um pouco do Sargento Pimenta. Também não gosto dos desfiles de escola de samba. Vejo a arquibancada do sambódromo como uma possibilidade de tortura e não de diversão e não tenho paciência para ficar horas na frente da televisão vendo o "Desfile das Campeãs". Mas adoro ver gente feliz!

Mudando de assunto, vi o filme Adú. É muito bom e muito triste. Um daqueles filmes que me provocam sentimento oposto à caminhada das pessoas para ver os blocos no carnaval. É terrível pensar que tudo aquilo é real, que tem muitas histórias como a do filme, e muitas outras piores ainda. Ver aquele cenário de miséria dá uma total desesperança na humanidade. Sempre que vejo filmes que retratam tragédias como exploração, escravidão, miséria, penso que a humanidade nunca será mais do que isso! E penso também que se existisse uma entidade criadora consciente qualquer, ela seria uma coisa tão abominável que superaria minha capacidade de imaginar o abominável só pelo fato de ter criado a vida como ela é. Para mim o maior e mais terrível gesto do personagem deus da bíblia não foi destruir a humanidade no dilúvio nem mandar Josué cometer genocídio. Foi dizer "Faça-se a luz".

RAÇA E REAÇA



Faz um tempo que me encasqueto quando leio ou ouço a frase "perdemos a capacidade da empatia". Será que perdemos a capacidade da empatia mesmo? Olhando para a história da humanidade minha tendência é dizer que não podemos perder o que nunca tivemos.

Empatia ao próximo (próximo mesmo!) é característica antiga da raça humana e até de outros animais, mas empatia como raça (pela raça) nós nunca tivemos. Uma pequena tribo encontra outra pequena tribo e surge logo uma guerra. O que quero dizer é que somos empáticos apenas em âmbito muito restrito, como família, como grupo, não como raça. Dessa forma não somos empáticos nem nunca fomos, por isso não perdemos a empatia, não a adquirimos nunca e talvez nunca o façamos. Algumas pessoas têm esperança de que isso aconteça um dia, mesmo que seja depois de muito tempo, quando elas já não estarão vivas, eu sou pessimista demais para acreditar que o ser humano vai se tornar esse animal que "ama o próximo como a si mesmo" até quando o "próximo" pertence a outro grupo distante ou diferente. E há muitas maneiras de um grupo humano ser visto por outro grupo humano como "distante" e como "diferente", e tantas mais são inventadas de tempos em tempos.

Uso a palavra “raça” no sentido de raça humana, o único sentido que cabe a essa palavra. Somos uma raça que se dividiu em grupos e chama alguns grupos de raça em uma separação totalmente inadequada. De qualquer forma, como raça, continuo dizendo, nunca fomos empáticos, exceto com os que sentimos como próximos. Sempre tem um grupo que se separa em "nós" e "eles" para se sentir superior, escolhido, especial. Isso acontece desde sempre e, a meu ver, vai continuar acontecendo para sempre até que a raça humana seja parte do passado da Terra. Tomara que eu esteja errada, mas não acredito que, novamente como raça, consigamos usar a palavra "nós" para nos referir a todos os seres humanos do planeta atribuindo a todos os mesmos direitos básicos, de verdade e não apenas como discurso vazio.

Enquanto existirem fronteiras, enquanto existir patriotismo, enquanto existir a ideia de que “só o meu deus é verdadeiro”, enquanto existir a ganância, enquanto existir o "farinha pouca meu pirão primeiro", não deixaremos de ter as guerras, os países ricos e os miseráveis, os povos que têm problema de saúde pelo excesso e os que morrem pela falta, uma única dezena de pessoas detendo a maior porcentagem de bens disponíveis e trabalhando para acumular mais, os governos que trabalham para essa dezena e não para a maioria que, iludida, o colocou no cargo. E o que torna o planeta habitável pela raça humana vai continuar sendo destruído enquanto essa dezena usará a ciência e todos os avanços tecnológicos futuros (incluindo os miseráveis que usam desde sempre e que continuarão usando) para dar um jeito de cair fora do planeta deixando o restante pra trás. De novo e de novo digo: Torço muito para estar errada, mas não vejo indícios disso. Quanto a odiar os reaças, penso que eles têm que ser odiados mesmo! Desculpe mas é que só o ódio aos reaças, a meu ver, tem alguma chance de fazer com que as coisas melhorem. A tolerância ao intolerante não é uma opção benéfica para os alvos da intolerância, nunca. Porém, com um restinho de otimismo que consigo reunir, fico torcendo para que esse ódio não seja o ódio destrutivo que ergue patíbulos e transforma os "salvadores" em novos algozes. Eu odeio os reaças, mas não quero matá-los, quero tirar todos os poderes deles, quero que a menor manifestação de intolerância seja imediatamente rechaçada e o intolerante seja calado e só lhe seja permitido falar depois de aprender que ele não é superior a ninguém. Assim como tem cursos para motoristas infratores, quero que tenha cursos (mais eficientes) de tolerância para humanos infratores. Quero que a educação seja usada como uma arma para fazer com que as novas pessoas não se tornem reaças. Esse ódio, eu defendo como um ódio saudável, não acredito que a raça humana seja capaz dele, mas torço muito para estar enganada e, como indivíduo, é assim que eu odeio e vou continuar odiando.

13 de fevereiro de 2021

CARNAVAL E CINEMA



Quando morei no Rio de Janeiro, eu e meu marido gostávamos de sair às ruas à tarde nos dias de Carnaval para caminhar acompanhando o pessoal que ia para a Rio Branco ver os blocos. Às vezes chegávamos até lá, pegávamos uma cerveja e ficávamos um pouco olhando um dos desfiles e depois voltávamos passando pelo Largo do Machado onde a gente via as crianças fantasiadas para o bloquinho infantil que sai de lá. O gostoso é ver as fantasias criativas e a alegria das pessoas. Eu não gosto de bailes nem dos desfiles de escola de samba, mas adoro ver gente feliz!

Mudando de assunto, mas não muito: vi Adú. É um daqueles filmes que me provocam sentimento oposto à caminhada das pessoas para ver os blocos no carnaval. É terrível pensar que aquilo é real! Que tem muitas histórias totalmente como essa do filme, e muitas mais que são piores ainda acontecendo sempre em algum lugar do mundo, desde o começo da história da “civilização”. Ver aquele cenário de miséria me provoca uma total desesperança na humanidade.

Sempre que vejo filmes, leio livros ou vejo notícias que retratam tragédias como exploração, escravidão, exploração, genocídio, miséria... penso que a humanidade nunca será mais do que isso. E penso que se existisse uma entidade criadora consciente qualquer, ela seria uma coisa tão abominável que superaria minha capacidade de imaginar e de descrever o abominável só e apenas pelo fato de ter criado a vida como ela é.

Para mim, o maior e mais terrível gesto do personagem deus da bíblia não foi destruir a humanidade no dilúvio nem levar Josué a cometer genocídio. Foi dizer "Faça-se a luz".

5 de fevereiro de 2021

EU NA FOTO

 


Organizando fotos nas pastas do computador encontrei (de novo) a foto mais antiga que tenho de mim mesma. Sou uma menina séria, de olhos arregalados e posição claramente arranjada, que está usando um calçado do tipo sandália, com meias, e um vestido de babado na gola que tem uma lista clara no alto do peito e que não faço ideia de que cor era.

Não lembro nada desse dia! Não lembro desse lugar, não lembro dessas roupas, não lembro se as meias eram brancas, rosa ou amarelas, se o que calço é um sapato aberto ou uma sandália, se era preto ou marrom, não lembro de como era o fotógrafo nem dele me colocando nessa pose. Não lembro da minha mãe nesse dia! E ela certamente estava ali, naquela mesma sala, em um lugar à direita ou à esquerda que a fotografia não registrou.

Principalmente não me lembro daquela pessoa, daquela menina, daquela criança. Eu não a reconheço no espelho. Há tantos anos não a reconheço no espelho que sequer me lembro de algum dia ter reconhecido essa foto como sendo uma imagem de mim em duas dimensões.

Olhando esse rosto assustado e desconfortável de uma criança que provavelmente preferia estar brincando e correndo com alguém em algum outro lugar, lembro que li e aprendi – talvez quando já não a reconhecia como eu - que nenhuma das células que formam meu corpo agora estava no corpo da menina da foto. E provavelmente nenhum dos átomos que formam as substâncias e organelas das células que formam meu corpo hoje.

Todas as células do corpo daquela menina morreram! Todos os átomos que formavam aquelas células se espalharam e foram formar outras coisas. Faz décadas que não moro onde essa menina morava. Então, provavelmente, os átomos que a compunham não chegaram perto o suficiente da velha que sou hoje para que qualquer um deles pudesse ser - numa espécie de revisita - uma ínfima parte desse corpo que agora está na frente de um computador digitando esse texto.

Olho a menina de novo. Reparo bem nela. Seu rosto assustado e redondo, suas mãos gordinhas, seus joelhos comuns, seu cabelo escuro com franja curta demais, seus braços magros...

Tento reconhecer algo, qualquer detalhe dessa foto, e não consigo. Então eu me pergunto:

Essa menina sou eu?