Ando pensando já faz
algum tempo em como seria terrível se de verdade acontecesse o que muitas
pessoas afirmam sobre existir vida após a morte. Imagina a cena: Você morre e
tem alguém lá do outro lado te esperando, depois chegarão outros e você vai se
encontrar com todas as pessoas com quem conviveu e teve laços de amizade, amor,
parentesco enquanto estava vivendo essa vidinha besta aqui na terra.
Acontece que, pelo que
eu entendi, se é que entendi alguma coisa dessa ideia de vida após a morte, do
outro lado você é um espírito de luz, você se livrou do seu corpo e, junto com
ele se livrou também de uma porção de coisas negativas que são inerentes à raça
humana. Você está num degrau acima para se tornar um espírito puro, você está
evoluindo, é um candidato a alguma coisa de suprema-pureza que eu confesso não
conseguir fazer muito bem a ideia do que seja. Mas, enfim, você está lá, com
seu pai, sua mãe, seu primeiro namorado, seus filhos, seu marido, todas as suas
melhores amigas desde aquela da escola primária até as do asilo, e todos são
espíritos de luz candidatos a se tornarem um superespírito puro, seja lá o que
isso for. Rapazes! Por favor, pensem nesses parentescos e relacionamentos que
citei acima masculinizando ou feminizando as pessoas de acordo com o que se
adequar mais ao que foi (ou terá sido quando isso acontecer) a sua vida.
Imagino que, nessas
condições não possa haver mentiras, meias-verdades, disfarces, segredos; e
mais, imagino que o segredo seu que todos saberão não é aquele que você
contaria e do jeito que você contaria, é todo e qualquer segredo; seus atos e
pensamentos mais profundos. Todos vão saber as condições, o momento e o que
você pensou e sentiu em cada situação da sua vida, tudo o que você guarda só
pra você e que não diria nem sob tortura a nenhum ser humano do planeta. Ou
será que você não tem nada disso? Nada mesmo? Nenhum pensamentozinho insidioso
num momento de fraqueza? Nenhum “Foda-se, ninguém tá vendo mesmo!” naquele dia
em que você estava sozinha em casa ou trancada no banheiro? Nunca se arrependeu
de algo que sentiu e depois jogou aquilo debaixo do tapete que não deve jamais
ser levantado?
Não vou fazer uma lista
de possibilidades aqui porque não quero constranger você e porque não quero me
entregar que também sou humana, mas acho que ninguém escapa dessa; e isso não é
verdade só para nós, mulheres. Pensem comigo, garotos: nada a esconder?
Das duas uma: ou eu sou
uma anomalia, uma “freak”, uma aberração da natureza, ou todos nós temos os
nossos segredinhos inconfessáveis por menos danosos que sejam. Acho que a
segunda opção é a verdadeira, mas você pode tentar me desmentir se quiser.
Podemos ser boas
pessoas, respeitar e valorizar os amigos, a família, a sociedade, as leis;
podemos ter passado pela vida sem cometer nenhum crime, sem nunca prejudicar
propositadamente qualquer pessoa... Mesmo assim não sairíamos por aí dizendo
tudo, tim-tim-por-tim-tim, o que fizemos, pensamos e sentimos em todos os
momentos da nossa vida.
Como aceitaríamos fazer
isso depois de mortos e para todas as pessoas que tiveram alguma importância
para nós? E ainda com a possibilidade de que isso aconteça assim, diante de
todas as pessoas e ao mesmo tempo... Por favor, escondam minha cara! Acho que
se pensar por esse lado a tal vida depois da morte perde muitíssimos do seu
charme, não perde não?
Mas, pensando e
“caraminholando” sobre o assunto, eu quis nos livrar disso e tentei encontrar
uma saída: E se a gente não precisar ser transparente para todo mundo do lado
de lá? Podemos restringir essa abertura plena e irrestrita da nossa pessoa a um
único ser, por exemplo um outro espírito, mais evoluído que nós e que estaria,
nesse caso, como uma espécie de orientador da nossa "caminhada
evolutiva".
Ou, se você é religioso
e prefere ele, então que esse ser mais evoluído seja Jesus, o espírito mais
evoluído de todos os espíritos evoluídos que possam existir (é o que dizem...).
Então tá! só ele vai saber todos os seus segredinhos sujos. Ainda assim ficou
um sentimentozinho de “sem-graça” não ficou mesmo? Em mim ficou, eu juro. E
olha que nem acredito nesses espíritos evoluídos todos!
Mas quer ser mais
restrito ainda? Tá bom: vamos supor então que seja deus, que exista deus e só
ele tenha pleno conhecimento da sua personalidade na íntegra. Será que agora dá
pra encarar uma vida depois da morte e, mais ainda, uma vida depois do
esclarecimento total e completo de que alguém além de você realmente sabe TUDO?
Bem, não posso falar
por você nem por ninguém, mas garanto que a correr esse risco prefiro que não
exista vida nenhuma depois da morte... E mais: se puder escolher abro mão, por
melhor que seja e sem pensar duas vezes, de qualquer possibilidade de vida após
a morte para poder conservar e levar comigo (e só comigo!) para o nada, a minha
privacidade.