2 de novembro de 2018

DEPOIS DA ELEIÇÃO EM QUE O ÓDIO VENCEU

Durante pelo menos quatro anos eu desejo muito que nenhum aluno negro de um professor que votou no ódio seja morto por “parecer” bandido (pela cor da pele) em nome da máxima “bandido bom é bandido morto”. Porque se acontecer eu vou querer muito também que esse professor que votou no ódio saiba que ele é culpado pela morte do seu aluno.
Durante pelo menos quatro anos eu desejo muito que nenhum filho de nenhum negro que votou no ódio seja morto por “parecer” bandido (pela cor da pele) em nome da máxima “bandido bom é bandido morto”, porque se acontecer eu vou querer muito também que esse negro que votou no ódio saiba que ele é culpado pela morte de seu próprio filho.
Durante pelo menos quatro anos eu desejo muito que nenhum filho de nenhuma mulher negra que votou no ódio seja morto por “parecer” bandido (pela cor da pele) em nome da máxima “bandido bom é bandido morto”, porque se acontecer eu vou querer muito também que essa mulher negra que votou no ódio saiba que ela é culpada pela morte de seu próprio filho.
Durante pelo menos quatro anos eu desejo muito que nenhum namorado, marido, namorada ou esposa de nenhum(a) homossexual que votou no ódio seja morto(a) por “ser uma bichona” ou por “ser uma sapata”, porque se acontecer eu vou querer muito também que esse(a) homossexual que votou no ódio saiba que ele(a) é culpado(a) pela morte do seu afeto.
E, me desculpe, mas se você votou no ódio, durante pelo menos quatro anos você será culpado(a) pela morte de todo negro inocente ou culpado que seja morto, sem direito a defesa, em nome da máxima “bandido bom é bandido morto” institucionalizada pelo ódio no qual você votou; você será culpado(a) pela morte ou pelo estupro de toda mulher que seja agredida em nome do machismo institucionalizado pelo ódio no qual você votou; e você será culpado(a) pela morte de todo homossexual que seja assassinado em nome do “viado e sapata têm mesmo é que morrer” institucionalizado pelo ódio no qual você votou. Para mim será sempre como se você tivesse puxado a arma (seja ela qual for) e a usado no corpo indefeso. Se for um amigo, familiar, aluno, inocente, você será igualmente culpado.
E se você é um cristão que votou no ódio, eu tenho certeza de que, se o Jesus Cristo no qual você diz que acredita e ao qual você diz que adora, caso exista, vai manter você MUITO longe dele porque ao votar no ódio você mostrou que não aprendeu NADA das lições às quais diz amém nos cultos ou nas missas. Afinal, Jesus, se existiu, foi um comunista (dividiu o pão por igual a todos), foi um esquerdopata (expulsou os vendilhões do templo e não aceitou as regras vigentes) e por não obedecer as leis foi preso e torturado, o que, na sua concepção ou na concepção do ódio no qual você votou, só acontece com quem não pode mesmo ser grande coisa e, por isso, “recebeu o que mereceu”.
Você que votou no ódio esqueceu a lição de “dar a outra face”, esqueceu a lição de “Quem nunca pecou que atire a primeira pedra”, esqueceu a lição de quem expulsou os vendilhões do templo, esqueceu as lições de quem andava com prostitutas e ladrões e respeitava a todos igualmente. Você que votou no ódio, se Jesus existir, não vai ter o direito de se aproximar dele, seu lugar será outro.
Então, aconselho você que votou no ódio a se tornar ateu, assim não precisará temer o inferno, que é para onde ele afirmou que irão os que se dedicam ao ódio e não ao amor; ele, o Jesus que você diz amar mas não ama, porque votou no ódio e esqueceu o amor.

ARGUMENTAÇÃO E FORMIGAS



Diante de um determinado assunto – seja um daqueles chamados “polêmicos” ou não – o comportamento de qualquer pessoa deve ser a análise lógica e a tomada de uma posição embasada em conhecimento. Nunca tomar posição sem nenhuma informação ou com poucas informações aleatórias e não verificáveis sobre aquilo. Existe mais de uma razão para alguém tomar um determinado fato como verdade, veremos que nem sempre essas razões se justificam e nem sempre são suficientes.

Digamos que um garoto – vamos chamá-lo de Zé – tem dois ou três aninhos e pela primeira vez na vida, em um passeio com a família, vê uma formiga. O garoto se espanta e se encanta com o minúsculo animal e o pai, que está ao lado dele, informa: “Isso é uma formiga, cuidado porque elas picam e a picada dói muito. Para você se lembrar: todas elas são assim, muito pequenas e marrons”.

O pai não mentiu. Sempre viveu na cidade e raríssimas vezes viu formigas, só conhece formigas assim pequenas e assim marrons. Como não é um biólogo e como nunca se interessou por esses animais a ponto de procurar mais informações do que as que adquiriu nas poucas vezes em que viu formigas, para ele só existem formigas assim pequenas e assim marrons. Ao mesmo tempo, Zé é muito pequeno e para ele a palavra daquele adulto é totalmente confiável. O pai, juntamente com a mãe, é o ser mais próximo e mais conhecido; é o adulto mais amado e o ser do qual ele é totalmente dependente. Zé toma todas as informações vindas do pai como a Verdade. Sequer ocorre a essa criança a possibilidade de questionar a informação recebida. Portanto, para Zé, a partir daquele momento, ele conhece formigas: São animais pequeninos como aquele e marrons como aquele do qual o pai mandou que ele mantivesse distância porque formigas picam e a picada dói muito. Zé se afasta totalmente confiante de que sabe tudo o que há para saber sobre formigas.

Poucos anos depois, Zé está na escola, tem um livro nas mãos e a professora informa a sala de que aquele animal descrito e ilustrado com um desenho em preto e branco na página 8 é uma formiga, que esse nome começa com a letra F e, quando ele pergunta, a professora informa que também existem formigas pretas como aquela do desenho. Zé agora tem outro adulto diante de si ensinando sobre o mundo, e esse adulto apresenta as informações com a ajuda de um livro, de desenhos, esse adulto é a professora e, para ele, ela é muito sábia e as informações que ela dá são tão ou mais confiáveis do que as informações que o pai dá. À noite, Zé informa o pai de que existem formigas pretas, o pai acredita porque a professora disse e a professora sabe. Se até o pai confia no que a professora diz, então está decidido: A partir daquele dia, para Zé, formigas são animais muito pequenos que picam muito dolorido; tem dois tipos de formiga, uma marrom e outra preta. Zé vai dormir totalmente confiante de que sabe tudo o que há para saber sobre formigas.

Mais alguns anos se passam e Zé está no ensino médio. Nessa altura ele já sabe que os conhecimentos do pai são bem poucos comparados aos conhecimentos dos professores do ensino médio e sabe, ou julga saber, que mesmo entre esses professores tem alguns que não sabem muita coisa além do que ensinam. Alguns, na opinião do adolescente rebelde em que Zé se transformou (junto com a maioria dos colegas de sua idade) não sabem nada de muita coisa porque são velhos e ultrapassados demais. Mas tem os livros didáticos e eles trazem muitas informações com ilustrações e fontes como nomes e endereços de jornais e revistas ou datas de divulgação e nomes de emissoras de canais de televisão. Então, mesmo que não goste do professor que está passando aquela informação – porque é muito bravo, porque é muito exigente ou porque é muito velho – Zé se sente forçado a acreditar no que ele ensina porque e quando a informação está também no livro didático. E é nessa carteira escolar, em uma sala de aula do ensino médio, que Zé aprende que existem formigas bem maiores do que as que ele achava que conhecia e que, além das marrons e das pretas, existem também formigas vermelhas, amarelas e até brancas. Agora ele tem certeza de que sabe tudo o que há para saber sobre formigas.

Zé está certo, esse será todo o conhecimento que terá e será o suficiente para falar sobre formigas, se um dia precisar, e dar informações sobre elas a quem não as conheça e até poderá entrar em debate com uma pessoa que acredita, como ele já acreditou, que só existem formigas marrons ou pretas. Zé tem mais informações e pode até dar referências para quem não acredite na palavra dele sobre a existência de formigas vermelhas, por exemplo.

Mas, e se mais tarde, ou ainda nessa fase do ensino médio, Zé optar por um curso de biologia e, mais tarde ainda – com mestrado, doutorado e estudos de campo em uma área específica da entomologia – Zé se tornar um mirmecologista, palavra que em sua carteira na sala de aula do ensino médio, Zé não conhece? Se for estudar formigas, Zé descobrirá que todo o seu conhecimento do ensino médio sobre elas, por mais correto e embasado que fosse, estava muito longe de ser tudo o que há para saber sobre formigas.

Qualquer outro assunto, qualquer outro tema, qualquer outro conhecimento a que qualquer pessoa tenha acesso segue, com poucas e específicas variações, as mesmas regras que vimos quanto ao conhecimento sobre as formigas adquiridos por Zé. Então, para sermos razoáveis, não podemos aceitar nenhuma informação como verdade antes de termos embasamento mais confiável do que a palavra de uma pessoa que não apresente mais do que uma opinião baseada somente em experiências pessoas restritas, por mais amada e confiável que essa pessoa seja para nós. E mais, devemos ter a humildade de aceitar que mesmo nosso conhecimento mais embasado, na maior parte dos casos, está longe de ser tudo o que se pode saber a respeito daquele assunto.

Portanto, quer opinar sobre algo? Informe-se! Quer argumentar sobre uma opinião que tenha? Pesquise! Se o assunto admite posições contrárias, ouça o outro lado com respeito porque sempre existe a possibilidade de a outra pessoa ter alguma informação que você não tem; daí você poderá aprender mais. E, finalmente, quer saber tudo o que há para saber sobre algo? Dedique muitos anos ao estudo daquele assunto, torne-se um especialista, só aí sua palavra poderá servir como referência. E saiba: Se você estudar muito e muito a fundo um assunto, descobrirá que nunca vai saber “tudo o que é possível saber sobre isso”. Mas, estudando muito sobre um assunto você poderá se tornar um dos degraus na escada do conhecimento; essa escada infinita que os estudiosos do futuro percorrerão, avançando mais um pouco, graças ao que você aprendeu e ensinou.

Duvide sempre de toda e qualquer informação que seja dada com a roupa estreita da “verdade definitiva”.