Diante de um determinado assunto – seja um
daqueles chamados “polêmicos” ou não – o comportamento de qualquer pessoa deve ser
a análise lógica e a tomada de uma posição embasada em conhecimento. Nunca tomar
posição sem nenhuma informação ou com poucas informações aleatórias e não
verificáveis sobre aquilo. Existe mais de uma razão para alguém tomar um
determinado fato como verdade, veremos que nem sempre essas razões se
justificam e nem sempre são suficientes.
Digamos que um garoto – vamos chamá-lo de Zé –
tem dois ou três aninhos e pela primeira vez na vida, em um passeio com a
família, vê uma formiga. O garoto se espanta e se encanta com o minúsculo
animal e o pai, que está ao lado dele, informa: “Isso é uma formiga, cuidado porque elas picam e a picada dói muito. Para
você se lembrar: todas elas são assim, muito pequenas e marrons”.
O pai não mentiu. Sempre viveu na cidade e
raríssimas vezes viu formigas, só conhece formigas assim pequenas e assim
marrons. Como não é um biólogo e como nunca se interessou por esses animais a
ponto de procurar mais informações do que as que adquiriu nas poucas vezes em
que viu formigas, para ele só existem formigas assim pequenas e assim marrons. Ao
mesmo tempo, Zé é muito pequeno e para ele a palavra daquele adulto é
totalmente confiável. O pai, juntamente com a mãe, é o ser mais próximo e mais
conhecido; é o adulto mais amado e o ser do qual ele é totalmente dependente. Zé
toma todas as informações vindas do pai como a Verdade. Sequer ocorre a essa
criança a possibilidade de questionar a informação recebida. Portanto, para Zé,
a partir daquele momento, ele conhece formigas: São animais pequeninos como aquele
e marrons como aquele do qual o pai mandou que ele mantivesse distância porque
formigas picam e a picada dói muito. Zé se afasta totalmente confiante de que
sabe tudo o que há para saber sobre formigas.
Poucos anos depois, Zé está na escola, tem um
livro nas mãos e a professora informa a sala de que aquele animal descrito e
ilustrado com um desenho em preto e branco na página 8 é uma formiga, que esse
nome começa com a letra F e, quando ele pergunta, a professora informa que também
existem formigas pretas como aquela do desenho. Zé agora tem outro adulto
diante de si ensinando sobre o mundo, e esse adulto apresenta as informações com
a ajuda de um livro, de desenhos, esse adulto é a professora e, para ele, ela é
muito sábia e as informações que ela dá são tão ou mais confiáveis do que as
informações que o pai dá. À noite, Zé informa o pai de que existem formigas
pretas, o pai acredita porque a professora disse e a professora sabe. Se até o
pai confia no que a professora diz, então está decidido: A partir daquele dia,
para Zé, formigas são animais muito pequenos que picam muito dolorido; tem dois
tipos de formiga, uma marrom e outra preta. Zé vai dormir totalmente confiante
de que sabe tudo o que há para saber sobre formigas.
Mais alguns anos se passam e Zé está no ensino
médio. Nessa altura ele já sabe que os conhecimentos do pai são bem poucos
comparados aos conhecimentos dos professores do ensino médio e sabe, ou julga
saber, que mesmo entre esses professores tem alguns que não sabem muita coisa
além do que ensinam. Alguns, na opinião do adolescente rebelde em que Zé se transformou
(junto com a maioria dos colegas de sua idade) não sabem nada de muita coisa
porque são velhos e ultrapassados demais. Mas tem os livros didáticos e eles
trazem muitas informações com ilustrações e fontes como nomes e endereços de jornais
e revistas ou datas de divulgação e nomes de emissoras de canais de televisão. Então,
mesmo que não goste do professor que está passando aquela informação – porque é
muito bravo, porque é muito exigente ou porque é muito velho – Zé se sente forçado
a acreditar no que ele ensina porque e quando a informação está também no livro
didático. E é nessa carteira escolar, em uma sala de aula do ensino médio, que
Zé aprende que existem formigas bem maiores do que as que ele achava que
conhecia e que, além das marrons e das pretas, existem também formigas
vermelhas, amarelas e até brancas. Agora ele tem certeza de que sabe tudo o que
há para saber sobre formigas.
Zé está certo, esse será todo o conhecimento
que terá e será o suficiente para falar sobre formigas, se um dia precisar, e
dar informações sobre elas a quem não as conheça e até poderá entrar em debate
com uma pessoa que acredita, como ele já acreditou, que só existem formigas
marrons ou pretas. Zé tem mais informações e pode até dar referências para quem
não acredite na palavra dele sobre a existência de formigas vermelhas, por
exemplo.
Mas, e se mais tarde, ou ainda nessa fase do
ensino médio, Zé optar por um curso de biologia e, mais tarde ainda – com mestrado,
doutorado e estudos de campo em uma área específica da entomologia
– Zé se tornar um mirmecologista, palavra que
em sua carteira na sala de aula do ensino médio, Zé não conhece? Se for estudar
formigas, Zé descobrirá que todo o seu conhecimento do ensino médio sobre elas,
por mais correto e embasado que fosse, estava muito longe de ser tudo o que há
para saber sobre formigas.
Qualquer outro assunto, qualquer outro tema,
qualquer outro conhecimento a que qualquer pessoa tenha acesso segue, com
poucas e específicas variações, as mesmas regras que vimos quanto ao
conhecimento sobre as formigas adquiridos por Zé. Então, para sermos razoáveis,
não podemos aceitar nenhuma informação como verdade antes de termos embasamento
mais confiável do que a palavra de uma pessoa que não apresente mais do que uma
opinião baseada somente em experiências pessoas restritas, por mais amada e confiável
que essa pessoa seja para nós. E mais, devemos ter a humildade de aceitar que
mesmo nosso conhecimento mais embasado, na maior parte dos casos, está longe de
ser tudo o que se pode saber a respeito daquele assunto.
Portanto, quer opinar sobre algo? Informe-se! Quer
argumentar sobre uma opinião que tenha? Pesquise! Se o assunto admite posições
contrárias, ouça o outro lado com respeito porque sempre existe a possibilidade
de a outra pessoa ter alguma informação que você não tem; daí você poderá
aprender mais. E, finalmente, quer saber tudo o que há para saber sobre algo? Dedique
muitos anos ao estudo daquele assunto, torne-se um especialista, só aí sua
palavra poderá servir como referência. E saiba: Se você estudar muito e muito a
fundo um assunto, descobrirá que nunca vai saber “tudo o que é possível saber sobre isso”. Mas, estudando muito sobre
um assunto você poderá se tornar um dos degraus na escada do conhecimento; essa
escada infinita que os estudiosos do futuro percorrerão, avançando mais um
pouco, graças ao que você aprendeu e ensinou.
Duvide sempre de toda e qualquer informação que
seja dada com a roupa estreita da “verdade definitiva”.
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