2 de novembro de 2018

ARGUMENTAÇÃO E FORMIGAS



Diante de um determinado assunto – seja um daqueles chamados “polêmicos” ou não – o comportamento de qualquer pessoa deve ser a análise lógica e a tomada de uma posição embasada em conhecimento. Nunca tomar posição sem nenhuma informação ou com poucas informações aleatórias e não verificáveis sobre aquilo. Existe mais de uma razão para alguém tomar um determinado fato como verdade, veremos que nem sempre essas razões se justificam e nem sempre são suficientes.

Digamos que um garoto – vamos chamá-lo de Zé – tem dois ou três aninhos e pela primeira vez na vida, em um passeio com a família, vê uma formiga. O garoto se espanta e se encanta com o minúsculo animal e o pai, que está ao lado dele, informa: “Isso é uma formiga, cuidado porque elas picam e a picada dói muito. Para você se lembrar: todas elas são assim, muito pequenas e marrons”.

O pai não mentiu. Sempre viveu na cidade e raríssimas vezes viu formigas, só conhece formigas assim pequenas e assim marrons. Como não é um biólogo e como nunca se interessou por esses animais a ponto de procurar mais informações do que as que adquiriu nas poucas vezes em que viu formigas, para ele só existem formigas assim pequenas e assim marrons. Ao mesmo tempo, Zé é muito pequeno e para ele a palavra daquele adulto é totalmente confiável. O pai, juntamente com a mãe, é o ser mais próximo e mais conhecido; é o adulto mais amado e o ser do qual ele é totalmente dependente. Zé toma todas as informações vindas do pai como a Verdade. Sequer ocorre a essa criança a possibilidade de questionar a informação recebida. Portanto, para Zé, a partir daquele momento, ele conhece formigas: São animais pequeninos como aquele e marrons como aquele do qual o pai mandou que ele mantivesse distância porque formigas picam e a picada dói muito. Zé se afasta totalmente confiante de que sabe tudo o que há para saber sobre formigas.

Poucos anos depois, Zé está na escola, tem um livro nas mãos e a professora informa a sala de que aquele animal descrito e ilustrado com um desenho em preto e branco na página 8 é uma formiga, que esse nome começa com a letra F e, quando ele pergunta, a professora informa que também existem formigas pretas como aquela do desenho. Zé agora tem outro adulto diante de si ensinando sobre o mundo, e esse adulto apresenta as informações com a ajuda de um livro, de desenhos, esse adulto é a professora e, para ele, ela é muito sábia e as informações que ela dá são tão ou mais confiáveis do que as informações que o pai dá. À noite, Zé informa o pai de que existem formigas pretas, o pai acredita porque a professora disse e a professora sabe. Se até o pai confia no que a professora diz, então está decidido: A partir daquele dia, para Zé, formigas são animais muito pequenos que picam muito dolorido; tem dois tipos de formiga, uma marrom e outra preta. Zé vai dormir totalmente confiante de que sabe tudo o que há para saber sobre formigas.

Mais alguns anos se passam e Zé está no ensino médio. Nessa altura ele já sabe que os conhecimentos do pai são bem poucos comparados aos conhecimentos dos professores do ensino médio e sabe, ou julga saber, que mesmo entre esses professores tem alguns que não sabem muita coisa além do que ensinam. Alguns, na opinião do adolescente rebelde em que Zé se transformou (junto com a maioria dos colegas de sua idade) não sabem nada de muita coisa porque são velhos e ultrapassados demais. Mas tem os livros didáticos e eles trazem muitas informações com ilustrações e fontes como nomes e endereços de jornais e revistas ou datas de divulgação e nomes de emissoras de canais de televisão. Então, mesmo que não goste do professor que está passando aquela informação – porque é muito bravo, porque é muito exigente ou porque é muito velho – Zé se sente forçado a acreditar no que ele ensina porque e quando a informação está também no livro didático. E é nessa carteira escolar, em uma sala de aula do ensino médio, que Zé aprende que existem formigas bem maiores do que as que ele achava que conhecia e que, além das marrons e das pretas, existem também formigas vermelhas, amarelas e até brancas. Agora ele tem certeza de que sabe tudo o que há para saber sobre formigas.

Zé está certo, esse será todo o conhecimento que terá e será o suficiente para falar sobre formigas, se um dia precisar, e dar informações sobre elas a quem não as conheça e até poderá entrar em debate com uma pessoa que acredita, como ele já acreditou, que só existem formigas marrons ou pretas. Zé tem mais informações e pode até dar referências para quem não acredite na palavra dele sobre a existência de formigas vermelhas, por exemplo.

Mas, e se mais tarde, ou ainda nessa fase do ensino médio, Zé optar por um curso de biologia e, mais tarde ainda – com mestrado, doutorado e estudos de campo em uma área específica da entomologia – Zé se tornar um mirmecologista, palavra que em sua carteira na sala de aula do ensino médio, Zé não conhece? Se for estudar formigas, Zé descobrirá que todo o seu conhecimento do ensino médio sobre elas, por mais correto e embasado que fosse, estava muito longe de ser tudo o que há para saber sobre formigas.

Qualquer outro assunto, qualquer outro tema, qualquer outro conhecimento a que qualquer pessoa tenha acesso segue, com poucas e específicas variações, as mesmas regras que vimos quanto ao conhecimento sobre as formigas adquiridos por Zé. Então, para sermos razoáveis, não podemos aceitar nenhuma informação como verdade antes de termos embasamento mais confiável do que a palavra de uma pessoa que não apresente mais do que uma opinião baseada somente em experiências pessoas restritas, por mais amada e confiável que essa pessoa seja para nós. E mais, devemos ter a humildade de aceitar que mesmo nosso conhecimento mais embasado, na maior parte dos casos, está longe de ser tudo o que se pode saber a respeito daquele assunto.

Portanto, quer opinar sobre algo? Informe-se! Quer argumentar sobre uma opinião que tenha? Pesquise! Se o assunto admite posições contrárias, ouça o outro lado com respeito porque sempre existe a possibilidade de a outra pessoa ter alguma informação que você não tem; daí você poderá aprender mais. E, finalmente, quer saber tudo o que há para saber sobre algo? Dedique muitos anos ao estudo daquele assunto, torne-se um especialista, só aí sua palavra poderá servir como referência. E saiba: Se você estudar muito e muito a fundo um assunto, descobrirá que nunca vai saber “tudo o que é possível saber sobre isso”. Mas, estudando muito sobre um assunto você poderá se tornar um dos degraus na escada do conhecimento; essa escada infinita que os estudiosos do futuro percorrerão, avançando mais um pouco, graças ao que você aprendeu e ensinou.

Duvide sempre de toda e qualquer informação que seja dada com a roupa estreita da “verdade definitiva”.


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