24 de julho de 2023

COLOCAR-SE EM PRIMEIRO LUGAR



Há tempos ando “comprando briga” na internet por conta de uma louvação ao “Amor próprio” que sempre me pareceu bastante problemática. Tais frases continuam circulando, cheias de compartilhamentos e coraçõezinhos. Sendo essa velhinha chata que sou, às vezes não resisto à tentação de “dar o meu pitaco” correndo o risco de ofender pessoas de quem gosto e com quem tenho muitas coisas em comum. É complicado ter opiniões que contrariam um grande número de pessoas...Recentemente caí na tentação e comentei uma dessas frases. Uma pessoa, discordando do meu comentário, acabou informando que recebeu essa orientação de sua terapeuta. Fiquei realmente preocupada. Essa é a razão desse texto.
Não vejo nada de errado nas pessoas que cuidam da própria saúde e do próprio bem-estar, muito pelo contrário! Acho que cuidar da saúde é uma boa atitude e até uma obrigação. Acho maravilhosas as pessoas que desmontam preconceitos com sua existência, que se envolvem em verdadeiras batalhas contra as opressões de que elas e o grupo ao qual pertencem são vítimas. Gosto de pessoas que se defendem de ataques com inteligência ou com o dedo do meio levantado para as “opiniões” que cagam regras. Acho muito bom que as pessoas procurem atividades que fazem com que elas se sintam bem.
Enfim, não tenho absolutamente nada contra as pessoas que decidem cuidar delas mesmas, isso é o que eu vivo pedindo e desejando que as pessoas que eu amo façam. O problema é que uma frase “motivadora” pode ser apenas uma frase egoísta, e a impressão que tenho é que todos os grandes males da sociedade têm sua raiz no egoísmo.
Afinal, o que é a intolerância religiosa se não a “certeza” de que eu sou superior a você porque escolhi a religião certa e você escolheu a errada ou nem foi capaz de escolher uma? O que é o racismo se não a “certeza” de que eu sou superior a você porque a quantidade menor de melanina da minha pele me torna "mais bonita e mais inteligente" do que você? O que é a xenofobia se não a “certeza” de que eu sou superior a você porque nasci no melhor país (estado, cidade, bairro, vila) do mundo e você nasceu em um "lugar ruim" onde “todas as pessoas são inferiores a mim”?
O que é a miséria se não resultado do descaso de pessoas que esbanjam amor próprio e se colocam em primeiro lugar? De pessoas que têm a certeza de que são ricas, cultas e poderosas porque são superiores às mais pobres? Se acham mais inteligentes, mais "aplicadas" e mais capazes. Para elas, pobres são apenas pessoas "inferiores e fracassadas", em algum nível nem pessoas são. Lembra do “porque eu mereci!”?
Essas pessoas se acham tão superiores que nem cogitam a possibilidade de que tenham recebido uma porção de benefícios a que outras pessoas, que elas consideram inferiores, não tiveram acesso. São exemplos perfeitos de pessoas cheias de amor próprio. Pensando nisso eu pergunto: O que são as frases do tipo “coloque-se em primeiro lugar” se não um incentivo ao mais puro egoísmo?
Prefiro colocar em primeiro lugar o amor, a amizade, o respeito e a empatia. Em primeiro lugar mesmo! Antes de mim. E juro que isso pode ter um efeito de autocuidado em muitos casos maior do que o "Você precisa amar a si mesma antes de amar alguém" ou o “Coloque-se em primeiro lugar” das frases de autoajuda. Deixa eu tentar me exemplificar um pouco melhor.
Quando fico doente, cuido da minha saúde porque amo meu marido e não quero dar trabalho e preocupação a ele. Se tiver um problema muito grande, ou mesmo a impressão de que tenho um problema muito grande, não vou cometer su1cíd1o porque amo minha mãe e não quero fazer com que ela sofra a perda de outra filha. Se estou triste posso encontrar uma pessoa amiga e conversar, falar e ouvir porque essa pessoa também pode ter razões de tristeza e podemos dividir nossas preocupações. Mas nem preciso falar da minha tristeza e das razões dela, posso conversar sobre o dia, lembrar momentos que passamos juntas, contar piadas, ver algumas obras de arte, caminhar por uma rua, comer e beber alguma coisa... Sempre saio melhor desse tipo de encontro, por mais triste que esteja.
Acho que todo mundo já viu exemplos de gente que tinha razões para se sentir mal e que conseguiu superar isso fazendo algo para ajudar outras pessoas. Em sala de aula acontece muito algo parecido. Quantas pessoas já ouvi contando que quando entram na sala de aula deixam os problemas do lado de fora da porta e cuidam de fazer o melhor pelas crianças ou adolescentes que estão diante delas? Quantas vezes eu fiz isso, chegando ao ponto de sair da sala feliz, pronta para encarar a razão da minha tristeza sob outro ponto de vista?
Enfim, nenhuma pessoa precisa ser egoísta para cuidar bem de si mesma e da própria vida, nenhuma pessoa precisa louvar o egoísmo para sentir que cuidar de si mesma é uma coisa boa de se fazer. No dia a dia, basta lembrar que um sorriso, um elogio, um olhar amoroso, uma frase de interesse faz bem às pessoas, principalmente às pessoas que amamos, e que para poder dar esse amor com verdade a gente precisa estar bem.
Esse é meu conselho de “autoajuda”: Cuide-se por amor às pessoas que você ama e que amam você, por respeito às pessoas com quem você convive e por empatia às pessoas que sofrem e que você nem sabe que sofrem nem o tamanho dessa dor. Não se coloque em primeiro lugar! Estar ao lado é bem melhor do que estar na frente.

22 de julho de 2023

TOLERÂNCIA DE RELIGIOSA



Minha mãe é uma senhora semianalfabeta de 84 anos. Ela me contou algumas coisas que aconteceram com ela nos últimos tempos que passamos sem conversar longamente, porque eu moro longe e não a vejo com muita frequência. Dois episódios narrados por ela me comoveram especialmente, vou tentar contar da forma mais fiel possível, destacando as palavras que ela usou para descrever o que aconteceu mais “do jeito dela”.
O primeiro foi em um ônibus. Ela estava sentada ao lado de uma mulher “bem arrumada” quando entrou “um rapazinho com uma mochila nas costas” e ficou parado, em pé, próximo ao banco onde minha mãe estava. Não demorou muito para que a mulher começasse a rir alto e “tirar sarro” do rapazinho só porque ele era “um pouco diferente”. Ela ria alto e “tirava sarro”, “ofendendo muito” o rapazinho, que ficou lá, quieto, sem dizer nada.
A mulher chamou a atenção do motorista e ele também começou a “tirar sarro” do rapazinho, que continuou quieto, só ouvindo as ofensas e as risadas da mulher e do motorista.
Minha mãe se mexeu incomodada, a mulher olhou para ela e, ainda rindo, disse: “A gente precisa se divertir um pouco já que a vida tá tão difícil, não é?”. Minha mãe fez questão de responder bem alto para o motorista e as outras pessoas que estavam ali vendo e ouvindo aquilo sem dizer nada escutarem: “Se fosse um filho ou um neto da senhora, a senhora também sentiria vontade de se divertir tirando sarro dele?”.
A mulher e o motorista não riram mais nem falaram mais nada.

O segundo episódio aconteceu no caminho da igreja. Uma “irmã” com quem ela não tem muito contato “empareou” com ela e começou a falar bem do Bolsonaro. Minha mãe foi andando quieta e deixou a mulher falar durante um bom tempo, até as duas quase chegarem à porta da igreja. Então a mulher disse: “A senhora não acha, irmã?” e minha mãe respondeu: “Não acho não. O Bolsonaro é um homem muito ruim, um homem que só faz maldade. E eu votei no Lula!”.
Eu perguntei: “E ela não brigou com a senhora?”. Minha mãe respondeu: “Não porque a gente já tinha chegado na igreja e eu entrei e fui sentar bem longe dela”.
Minha mãe é uma evangélica das mais fervorosas. Ela vai à igreja todo “santo” dia, e eu tenho muito respeito e sinto uma admiração enorme pela minha mãezinha porque ela consegue conviver com essa mentalidade preconceituosa, intolerante e absurda que tem causado tanto mal ao mundo, principalmente nos últimos anos, sem se deixar atingir.

Por isso, quando pessoas ateias generalizam as pessoas evangélicas como se todas elas fossem burras e intolerantes, penso logo na minha mãezinha, que está muito longe de merecer esse tipo de hostilidade. E tenho certeza de que ela não é a única.

17 de julho de 2023

O ATEÍSMO E A DOR



Como a maioria das pessoas ateias, perdi a conta de quantas vezes me disseram que sou ateia porque sou infeliz e frustrada; que odeio deus porque minha vida é vazia e eu culpo deus por isso; que devo ter feito algum pedido que deus não atendeu e por isso me tornei sua inimiga; que não serei feliz nem um único dia da minha vida se não aceitar deus como verdadeiro... e por aí vai.
Primeiro acho engraçado, respondo que nada disso é verdade e que não odeio deus, apenas não acredito na existência dele. Mas acabo me ofendendo porque a pessoa invariavelmente não acredita em mim e insiste que sou uma infeliz frustrada ou me chama de satanista e sai “voando” como o pombo jogando xadrez. Não adianta nada dizer que o tal satã também é um deus e eu não acredito em deuses.
Para frustração das pessoas que pensam assim, há décadas descobri que eu sou uma tremenda de uma rabuda! Tive mais sorte do que muita gente cheia da grana porque tive e tenho tesouros que valem muito mais do que as maiores fortunas. Eu poderia usar páginas e páginas para relacionar minhas riquezas, mas vou resumi-las em três palavras, com a ressalva de que sobre cada uma delas também poderia escrever páginas e páginas relacionando nomes, fatos, lembranças. Coloco as três palavras em ordem alfabética porque não sou capaz de colocá-las em ordem de importância: Amizade, amor e família.
Dentre essa fortuna, pertencendo ao mesmo tempo às três palavras, tive a incrível sorte de encontrar uma das pessoas mais maravilhosas que já cruzou o meu caminho e de ser amada por ela. Essa pessoa maravilhosa foi minha amiga, minha cunhada e minha irmã muito amada, irmã que não nasceu da mesma mãe nem do mesmo pai mas que não é menos irmã por isso. E essa pessoa que tanto significa para mim, foi embora na última sexta-feira.
Sei que não preciso descrever o que sinto para quem já perdeu uma pessoa amada e que quem já passou por isso sabe que não há como descrever essa dor. Estou escrevendo esse texto para falar do ponto de vista de alguém que não tem o poder de encontrar conforto e consolo em deus ou na fé, como a maioria das pessoas fazem.
Eu choro. Chorei muito e estou chorando agora e sei que isso quem crê também faz quando perde alguém que ama. 
Eu penso nela. Lembro os momentos de amor e de alegria que dividimos, as tantas conversas, os tantos abraços, os tantos sorrisos e até as lágrimas que algumas vezes derramamos juntas e sei que isso quem crê em deus também faz quando perde alguém que ama. Essas são as duas reações à dor da perda, reações comuns à maioria das pessoas, sejam religiosas ou não.
Para consolo eu lembro que não fiquei devendo demonstrações nem palavras de amor e afeto. Faz bem ter a certeza de que ela sabia que eu a amo, que eu a amo muito! Acho que, mesmo entre as pessoas mais religiosas, não são tantas as que têm esse consolo, por isso me atrevo a dar conselho: não tenha receio nem vergonha de demonstrar amor, é um consolo muito grande saber que a pessoa que se foi sabia o quanto era amada. E a minha piquininha sabia!
Agora o consolo que eu tenho e as pessoas religiosas não têm é que eu sei que ela não sente nada; nenhuma dor, nenhuma saudade, nenhum medo, nenhuma dúvida, nenhuma ansiedade. Ela não vai sofrer nem mesmo se e quando alguém que ela amou sofrer. Ela amou muitas pessoas e se estivesse em algum lugar em que pudesse saber o que acontece com as pessoas que amava, ela sofreria por essas pessoas, ela sofreria se acontecesse alguma coisa ruim comigo. É bom saber que aconteça o que acontecer comigo daqui pra frente, ela não vai sofrer por mim.
E o outro grande consolo é saber que ela não será torturada por um julgamento e não corre nenhum risco de ser mandada para um inferno de dor nem para um “paraíso” de tédio. Eu estaria me sentindo muitíssimo pior se, mesmo que por um momento, acreditasse que existe um deus capaz de permitir que pessoas boas sofram e que, ao mesmo tempo, se sente no direito de julgar a minha piquininha.
Eu não digo “Descanse em paz” para ela porque sei que ela já descansou. E é bom saber disso!