25 de fevereiro de 2021

REFUTAÇÃO DA REFUTAÇÃO



Há muitos anos, enquanto fazia um curso de pós graduação de Filosofia, escrevi um texto em que tentava refutar as Cinco Vias de Tomás de Aquino. Descobri que uma pessoa chamada André Caregnato encontrou meu texto em algum lugar e acrescentou argumentos a ele, dando as devidas referências. Hoje descobri que outra pessoa de uma página chamada ALL, encontrou esse texto que ficou sendo meu e do André e escreveu uma refutação de nossa refutação. Daí eu fiz essa refutação da minha refutação melhorada. Os links estão abaixo.

Refutação: Em primeiro lugar, Scarpim cita diversos exemplos das coisas que se movem: galáxias, planetas, estrelas, bolas de futebol, raios… De fato, esses objetos se movem, ninguém o nega. Contudo, o texto parece reduzir o movimento apenas ao chamado movimento local (movimento físico, ou mecânico, como quiser chamar). Como bem se sabe, o termo movimento, na filosofia aristotélico-tomista, não significa o mesmo que o movimento na física e demais ciências empíricas. Para São Tomás, movimento é o trânsito da potência ao ato. Em outras palavras, o mover é a mudança, qualquer tipo de mudança. Por exemplo: se a madeira é queimada e torna-se carvão, ela moveu-se, sendo alterada pelo fogo. Isto seria o que chamamos de movimento substancial.

Divina: Acontece que eu abri o texto original com: “Este primeiro argumento parte da constatação de que as coisas se movem. Galáxias, planetas, rios, nuvens, homens, moléculas, tudo na natureza está em constante movimento e transformação”. Então, penso que a palavra “transformação” implica a mudança citada como “esquecimento” meu. Certo que posso ter falhado em não citar entre os exemplos, mas não há a ausência desse conceito.

Refutação: Em segundo lugar, o texto diz que “nada pode ser motor e movido ao mesmo tempo”. Isso não está de todo errado, mas também está incompleto. O que São Tomás afirma é que: “nada pode ser motor e movido num mesmo sentido e num mesmo aspecto”. Pois, como no exemplo do carro dado por Scarpim, ele é movido pela gasolina, no entanto, nada impede o carro de mover outro automóvel ou qualquer outra coisa que estiver à sua frente. O que o carro não poderia fazer seria ser movido pela gasolina ao mesmo tempo que move a mesma. Isto, claro, nem sequer faz sentido.
Pode parecer algo trivial de ser apontado, mas certamente demonstra uma falta de rigor do escritor sobre aquilo que está criticando.

Divina: Até reconheço a falta de rigor que você aponta, mas ela foi de certa forma proposital, no sentido em que, quando muda o aspecto, como no seu exemplo “nada impede o carro de mover outro automóvel ou qualquer outra coisa que estiver à sua frente”, muda a situação básica analisada. O carro passa a ser motor, um motor movido por outro motor, que pode, por sua vez, ser também motor, como por exemplo, um carro movido por gasolina que move outro carro que atropela um cachorro. Achei que essas possibilidades ficariam melhor explicitadas e mais claras na sequência das refutações.

Refutação: Não faz sentido algum perguntar quem move Deus, pois Ele é o Primeiro Motor, se algo o movesse, então, já não seria Primeiro.

Divina: O problema dessa refutação é colocar como afirmação algo que não foi provado “Ele é o Primeiro Motor”. Se o texto analisado procura provar a existência de deus não é lógico nem plausível usar como argumento uma afirmação sobre deus antes de conseguir provar a existência de deus.

Refutação: Partindo do ponto de vista adotado por Tomás de que Deus seria imóvel - e nessa perspectiva caberia a Tomás de Aquino ou seus derradeiros seguidores demonstrar como que algo absolutamente imóvel seria capaz mover (ou agir sobre) alguma coisa […]
Aqui a autora parece desconhecer totalmente a distinção entre potência e potência ativa.

Divina: Essa parte do texto não é minha. Minha refutação à Primeira via se resumiu a “Se nada se move sem uma causa externa e se pode ter uma causa primeira temos um problema e uma outra possível explicação: 1 – Se nada se move sem uma causa externa não há razão para que deus seja exceção à regra, portanto, posso perguntar: quem move deus? 2 - Se pode ter uma causa primeira então essa causa primeira não precisa ser deus, pode ser, por exemplo, a lei da gravidade”. Ou seja, o trecho citado é do André Caregnato, mesmo assim vou “meter minha colher enferrujada” nessa conversa.

Refutação: Deixemos que o próprio São Tomás fale acerca disso: “Ora, como demonstramos, Deus é ato puro, absoluta e universalmente perfeito, não deixando lugar a nenhuma imperfeição”.

Divina: O problema de ter deixado Tomás de Aquino falar é que ele disse “como demonstramos” sem ter demonstrado coisa nenhuma. E na sequência ele desanda a falar das características de perfeição acima de tudo, que ele atribui a deus sem ter provado a existência de deus, que o universo precisou de um primeiro motor, que há um primeiro motor consciente, que esse primeiro motor consciente é deus. Seria quase como afirmar que fadas não podem ser hipnotizadas sem provar que existe hipnose nem que existem fadas.

Refutação: “B. Se pode ter uma 'motor primeiro' sem regredir infinitamente nas sucessão dos motores que movem outros motores, então esse motor primeiro não precisa ser deus, pode ser, por exemplo, a força gravitacional de atração dos corpos”.
O próprio levantamento hipotético de uma força da natureza ser o Primeiro Motor já é, por si, problemático, dado que essa força natural procederia de algo naturalmente antecessor que a exerceria, sendo este algo a própria natureza, que é potencial, e, por isso, não pode ser causa primeira, pois a causa primeira há de identificar-se com o primeiro motor, que é imóvel e, por isso, puro ato.

Divina: Meu argumento original foi apenas “2 - Se pode ter uma causa primeira então essa causa primeira não precisa ser deus, pode ser, por exemplo, a lei da gravidade”. De qualquer forma, a afirmação de que uma força da natureza não pode ser o Primeiro Motor é uma afirmação que carece de muitas explicações. Primeiro e antes de tudo seria preciso definir o que o autor do texto está entendendo por “natureza”. Sem essa definição clara, qualquer afirmação feita não passa de um “penduricalho” apoiado em nada. Em seguida, o autor afirma que “a causa primeira há de identificar-se com o primeiro motor, que é imóvel e, por isso, puro ato” sem ter em nenhum momento provado a necessidade ou existência de uma causa primeira nem de um primeiro motor, e também, claro, sem ter provado que existe motor imóvel ou ato puro.

Refutação: Marquei este interessantíssimo trecho em que Scarpim dá outras vias para o surgimento do Cosmos: ele poderia ser cíclico, eterno ou iniciado uma única vez… Todavia, essa crítica não é válida por um simples motivo: Aristóteles acreditava que o Cosmos era eterno e co-eterno a Deus.

Divina: Primeiro, esse trecho não é meu e sim do André Caregnato, segundo que ao dizer “não é a única possível, o universo poderia ser eterno, cíclico ou iniciado uma única vez”, o André deixou três opções e não apenas uma, daí que dizer que Aristóteles “acreditava” que o Cosmos era eterno não invalida a crítica dele, no máximo uma parte dela, e mesmo assim bem fracamente porque não há prova, apenas crença. E tem outro detalhe que não me pareceu muito claro: Se “o Cosmos era eterno e co-eterno a Deus” por que cargas d’água o universo precisaria de um Primeiro Motor?

Refutação: Aqui a autora passa a usar o termo movimento de uma maneira mais acertada. Contudo, a crítica de Scarpim falha em um ponto bem simples: existe uma potência pura, que é a matéria prima, a matéria informe.

Divina: De novo, o trecho refutado é do André Caregnato e não meu. De qualquer forma a refutação peca novamente por não definir os termos. O que o autor entende por “matéria”? O que entende por “matéria prima”? E por “matéria informe”? Ele está chamando elétrons, prótons e nêutrons de matéria e de potência pura? Ou não considera essas partículas como matéria porque nem Tomás de Aquino nem Aristóteles sabiam da existência delas? Como argumentar sem uma definição que torne o texto compreensível?

Refutação: Além do mais, não faz sentido tentar excluir um com o outro, já que a potência só se dá na ausência de ato, da mesma forma que o mal é ausência de bem. Sendo assim, não há como haver dependência interna entre ambos, pois um é ausência do outro.

Divina: De novo o problema do argumento é a afirmação de uma “verdade” não comprovada como se essa afirmação não fosse passível de questionamento. “o mal é ausência de bem” é afirmação não comprovada, o puro ato é afirmação não comprovada. Dizer que puro ato existe mesmo que pura potência não exista porque “não pode haver dependência” entre ambos é uma conclusão sem respaldo, ou uma conclusão que não foi devidamente justificada.

Refutação: A resposta é fácil: São Tomás argumenta que todo efeito tem uma causa. Isto comprova-se pela própria semântica de efeito, que pressupõe algo anterior ao evento, a causa. Deus não é um efeito, portanto, não necessita de causa; pelo contrário, Ele é Causa Primeira de todas as coisas.

Divina: Primeiro afirma que sim “São Tomás argumenta que todo efeito tem uma causa” depois diz que “Deus não é um efeito, portanto, não necessita de causa; pelo contrário, Ele é Causa Primeira de todas as coisas”. Cadê a comprovação? Cadê a mínima argumentação lógica? Não tem nada aí que não seja pura conclusão vazia, pura fé. Como chamar isso de refutação?

Refutação: Como já vimos, a natureza é por si mesma potencial e, por conta disso, não pode ser Causa Primeira, pois tudo aquilo que é potencial é causado por outro ser em ato. Deus é ato puro, por isso, não necessita ser causado.

Divina: Como já vimos, falta explicar o que o autor entende por “natureza”. Por que algo natural “não pode” se causa primeira? Onde está a comprovação dessa afirmativa? Onde a prova de que “tudo aquilo que é potencial é causado por outro ser em ato” e, principalmente, como pode afirmar que “Deus é ato puro” se não provou a existência de deus?

Refutação: São Tomás argumenta que é impossível, em algum momento, não ter havido nada, pois o nada, que não tem potência ativa, não poderia criar os demais seres. Por isso é que há um ser necessário.

Divina: acontece que o fato de ser “impossível, em algum momento, não ter havido nada” não implica em que tenha um “ser necessário” consciente, e menos ainda que esse “ser necessário” seja deus.

Refutação: Se fosse causado, já não seria Causa Primeira. E tudo aquilo que é causado tem potência passiva, mas Deus é ato puro.

Divina: Novamente o autor afirma como realidade algo que nunca foi comprovado. Não provou a necessidade de uma causa primeira e afirma que deus é a causa primeira, não provou a existência de deus e afirma que deus é ato puro. Onde há refutação de argumento aqui?

Refutação: Volta-se ao que eu já disse: São Tomás diz que todo efeito tem uma causa. Deus não é efeito, logo não necessita de causa.

Divina: E volta ao que eu já disse e ao que é dito no argumento: Tomás de Aquino diz que “tudo tem que ter uma causa” exceto o suposto ser que ele quer provar como existente, e o autor da refutação vai por esse mesmo caminho sem que nem Tomás de Aquino nem ele provem a existência ou a necessidade de existência de deus.

Refutação: A autora não entendeu o argumento da 4ª Via. A quarta Via não é uma simples afirmação de que existe uma perfeição em grau máximo, a questão é que o máximo em qualquer gênero é causa de tudo o que nele existe.

Divina: Eu não entendo muita coisa, mas acho que essa não é uma delas! Entendi sim a 4ª. Via, acontece que também entendi as centenas de vezes que li e ouvi autores de teodiceias e pessoas religiosas cultas ou comuns dizerem que deus é o grau máximo de perfeição. Incluindo o próprio Tomás de Aquino citado por você mais acima, lembra?

Refutação: O homem tem um ser mais perfeito que o animal, e este possui um ser mais perfeito que o vegetal, etc.

Divina: De onde você tirou isso?

Refutação: Se advirem de um ente que não as possua por essência, as perfeições neste também deverão ter sido causadas por outro, tal processo não pode ir ao infinito, o que exige um ser que possua as perfeições por essência.

Divina: Bem, primeiro você teria que provar que existe essa tal perfeição, depois teria que provar que tal perfeição poderia ir ao infinito, depois provar que isso exige um ser “que possua as perfeições por essência”, depois provar que esse ser existe, e depois provar que esse ser é deus. Acho que tem muita coisa a ser provada antes que essa afirmação possa ter qualquer validade.

Refutação: Primeiramente, o argumento de São Tomás não diz exatamente que todas as coisas tem uma finalidade

Divina: Eu disse que não há nenhuma prova de que realmente todas as coisas e todos os seres possuam uma finalidade ou mesmo de que progridam. Não me percebi dizendo que Tomás de Aquino usou a palavra “todas”, apenas achei que, para que esse argumento dele fizesse algum sentido para seus defensores, ele ou eles teriam pensado assim. Afinal, se tem coisas e seres que não possuem finalidade, por que uma das coisas não pode ser o universo e um dos seres não pode ser o humano?

Refutação: Se podemos perceber que certas coisas no universo tendem a certos fins, é forçoso reconhecer que há um ser inteligente que os guia, pois nada inanimado opera por si mesmo.

Divina: Certo! Algumas coisas no universo tendem a certos fins e há um ser inteligente que guia essas coisas. Um exemplo são os satélites, eles estão na órbita da Terra por um fim, em alguns casos enviar sinais de rádio, em outros pesquisar movimentos de nuvens ou marés, e o ser inteligente que os guia é o ser humano. Que relação isso tem com deus ou com Tomás de Aquino? É verdade que nada inanimado opera a si mesmo, mas quem disse que tudo o que se movimenta está sendo “operado”? Essas afirmações ficaram muito vazias e desconectadas do tema, você não acha?

 

A íntegra da refutação está aqui: Resposta a “As Cinco Vias Refutadas”, de Divina de Jesus Scarpim e Daniel Caregnato | by ALL | Jan, 2021 | Medium

 

E o texto original está aqui: As Cinco Vias Refutadas (projetosintropia.netlify.app)

 

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