Organizando fotos nas
pastas do computador encontrei (de novo) a foto mais antiga que tenho de mim
mesma. Sou uma menina séria, de olhos arregalados e posição claramente
arranjada, que está usando um calçado do tipo sandália, com meias, e um vestido
de babado na gola que tem uma lista clara no alto do peito e que não faço ideia
de que cor era.
Não lembro nada desse
dia! Não lembro desse lugar, não lembro dessas roupas, não lembro se as meias
eram brancas, rosa ou amarelas, se o que calço é um sapato aberto ou uma sandália,
se era preto ou marrom, não lembro de como era o fotógrafo nem dele me
colocando nessa pose. Não lembro da minha mãe nesse dia! E ela certamente estava
ali, naquela mesma sala, em um lugar à direita ou à esquerda que a fotografia
não registrou.
Principalmente não me
lembro daquela pessoa, daquela menina, daquela criança. Eu não a reconheço no
espelho. Há tantos anos não a reconheço no espelho que sequer me lembro de
algum dia ter reconhecido essa foto como sendo uma imagem de mim em duas
dimensões.
Olhando esse rosto
assustado e desconfortável de uma criança que provavelmente preferia estar
brincando e correndo com alguém em algum outro lugar, lembro que li e aprendi –
talvez quando já não a reconhecia como eu - que nenhuma das células que formam meu
corpo agora estava no corpo da menina da foto. E provavelmente nenhum dos
átomos que formam as substâncias e organelas das células que formam meu corpo
hoje.
Todas as células do
corpo daquela menina morreram! Todos os átomos que formavam aquelas células se
espalharam e foram formar outras coisas. Faz décadas que não moro onde essa
menina morava. Então, provavelmente, os átomos que a compunham não chegaram
perto o suficiente da velha que sou hoje para que qualquer um deles pudesse ser
- numa espécie de revisita - uma ínfima parte desse corpo que agora está na
frente de um computador digitando esse texto.
Olho a menina de novo.
Reparo bem nela. Seu rosto assustado e redondo, suas mãos gordinhas, seus
joelhos comuns, seu cabelo escuro com franja curta demais, seus braços magros...
Tento reconhecer algo, qualquer
detalhe dessa foto, e não consigo. Então eu me pergunto:
Essa menina sou eu?
Nenhum comentário:
Postar um comentário