5 de fevereiro de 2021

EU NA FOTO

 


Organizando fotos nas pastas do computador encontrei (de novo) a foto mais antiga que tenho de mim mesma. Sou uma menina séria, de olhos arregalados e posição claramente arranjada, que está usando um calçado do tipo sandália, com meias, e um vestido de babado na gola que tem uma lista clara no alto do peito e que não faço ideia de que cor era.

Não lembro nada desse dia! Não lembro desse lugar, não lembro dessas roupas, não lembro se as meias eram brancas, rosa ou amarelas, se o que calço é um sapato aberto ou uma sandália, se era preto ou marrom, não lembro de como era o fotógrafo nem dele me colocando nessa pose. Não lembro da minha mãe nesse dia! E ela certamente estava ali, naquela mesma sala, em um lugar à direita ou à esquerda que a fotografia não registrou.

Principalmente não me lembro daquela pessoa, daquela menina, daquela criança. Eu não a reconheço no espelho. Há tantos anos não a reconheço no espelho que sequer me lembro de algum dia ter reconhecido essa foto como sendo uma imagem de mim em duas dimensões.

Olhando esse rosto assustado e desconfortável de uma criança que provavelmente preferia estar brincando e correndo com alguém em algum outro lugar, lembro que li e aprendi – talvez quando já não a reconhecia como eu - que nenhuma das células que formam meu corpo agora estava no corpo da menina da foto. E provavelmente nenhum dos átomos que formam as substâncias e organelas das células que formam meu corpo hoje.

Todas as células do corpo daquela menina morreram! Todos os átomos que formavam aquelas células se espalharam e foram formar outras coisas. Faz décadas que não moro onde essa menina morava. Então, provavelmente, os átomos que a compunham não chegaram perto o suficiente da velha que sou hoje para que qualquer um deles pudesse ser - numa espécie de revisita - uma ínfima parte desse corpo que agora está na frente de um computador digitando esse texto.

Olho a menina de novo. Reparo bem nela. Seu rosto assustado e redondo, suas mãos gordinhas, seus joelhos comuns, seu cabelo escuro com franja curta demais, seus braços magros...

Tento reconhecer algo, qualquer detalhe dessa foto, e não consigo. Então eu me pergunto:

Essa menina sou eu?

      

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