22 de abril de 2022

EXPLICAÇÃO



De certa forma, quando falo do meu ateísmo, estou fazendo o mesmo que faz uma pessoa que se empenha em “pregar a palavra”.
Mas não estou imbuída das mesmas razões e não tenho fé no meu ateísmo porque ateísmo não é crença.
A diferença que percebo é que a pregação é uma ação e os meus argumentos ateístas são uma REação.
Eu jamais teria me sentido confortável para falar como falo se não tivesse passado boa parte da minha vida ouvindo tantas pessoas “pregando a palavra”; tantas pessoas me dizendo as mesmas coisas que praticamente toda pessoa religiosa diz.
Coisas que, em muitos casos, as religiões usam para justificar todo tipo de absurdo.
Como preconceito, misoginia, intolerância, megalomania, ganância, desprezo pelas pessoas que pensam ou são diferentes. E até mesmo crimes.
Não estou falando que todas as pessoas teístas fazem isso!
Estou dizendo que o número delas é grande o suficiente para interferir na vida de pessoas como eu, que não creem; de pessoas que creem em deuses diferentes, ou que creem no mesmo deus de forma diferente.
Então, não falo do meu ateísmo para convencer as pessoas de que deus não existe.
Falo para convencer as pessoas de que deus não existe PARA MIM e para muitas outras pessoas.
Falo principalmente para que parem de tentar enfiar o deus delas na vida de todo mundo e nas leis do meu país. Porque isso afeta a mim e a todo mundo que vive aqui.
Por último - mas bem menos importante -, falo porque sou tagarela, porque gosto de escrever, de expor meus pensamentos e opiniões.
E aqui, na internet, é o único lugar onde me dou o direito de fazer isso com mais liberdade.
Ao contrário de muitas pessoas religiosas, eu não saio por aí "pregando a palavra de Darwin".

Dizem que não é deus quem comete injustiças!
Claro que não! Deus não existe e quem não existe não “comete” nada.
Mas SERIA deus sim! SE o deus de que me falam existisse.
De todo mal que a gente aponta, pessoas religiosas dão um jeito de dizer que “são as pessoas”.
Eu pergunto sem ser original: E quem essas mesmas pessoas dizem que criou essa raça humana que cometem as injustiças, os males, os crimes?
Seu deus não é onipotente?
Não podia ter criado diferente; ou simplesmente não ter criado esse animal tão terrível que é o ser humano?
Que raio de onipotência é essa que não pode criar apenas seres que não sentem prazer em matar, subjugar e destruir?
Além disso, como podem colocar todo sofrimento na conta do ser humano se o ser humano não criou nada?
Criamos os vírus que matam crianças?
Criamos as catástrofes naturais que matam crianças e animais inocentes desde muito antes de os animais humanos terem poder de influenciar e destruir a natureza?
Criamos as deformações com que muitas crianças e animais nascem desde muito antes de os seres humanos terem a ciência e a medicina?
Essas pessoas falam dos muitos males criados e mantidos por seres humanos e esquecem dos males que atingem os seres humanos desde sempre e que não só não criamos como - até hoje! - ainda não temos conhecimento nem capacidade de evitar ou amenizar.
Menos ainda as crianças, que são vítimas desses males e não têm poder nenhum.
Se o seu deus existisse e tivesse criado tudo a partir do nada, a culpa desses males não seria dele e apenas dele?

Já me disseram que sou muito “nervosinha”, que sou tão passional quanto uma teísta.
Eu admito essa falha, mas me defendo:
Não tem como não ser passional quando falo do sofrimento que vejo e da indiferença com que, embotadas pela religião, as pessoas olham para esse sofrimento.
Eu vejo pessoas que louvam o deus que teria “dado tudo” a elas e negado o básico a tanta gente. Essas pessoas usam a fé egoísta para desdenhar o sofrimento de crianças!
E vejo que muitas vezes - talvez na maioria das vezes - tais pessoas nem se dão conta disso, tão cegas se tornaram pela crença nesse deus improvável.

Sempre que uma coisa boa que me acontece, não consigo deixar de pensar em quantas coisas ruins estão acontecendo com pessoas que merecem mais coisas boas do que eu.
Não consigo deixar de pensar em como seria injusto um deus que tivesse me dado essa coisa boa e negado o básico - até a mais fundamental necessidade - a tantas crianças inocentes.
Se eu acreditasse que o bem que tenho é presente de deus, eu teria que acreditar que o vírus ou o câncer que matam uma criança depois de muito sofrimento também são “presentes” de deus.
E eu odiaria esse deus!

Isso tudo é impossível de pensar, sentir e falar sem ser de forma passional.
Como não ser passional se estou falando de amor?
Eu sou o que sinto quando escrevo, e estou escrevendo sobre amor.
Sobre o amor que sinto pelas pessoas boas que sofrem, pelos animais inocentes que sofrem, pelas crianças que sofrem.

Não consigo ser tão egoísta a ponto de adorar um deus, atribuindo a ele o bem que tenho, enquanto me forço a esquecer todo sofrimento que vejo diante de mim, e que seria culpa desse mesmo deus.
Não tenho capacidade nem amor próprio suficiente para isso.

Foi essa visão, foi esse pensamento, foi essa constatação que me tornou a ateia que sou.
Não tive uma decepção, um grande sofrimento ou uma “graça” que pedi e não aconteceu.
Apenas tirei os olhos do meu próprio umbigo e olhei à minha volta.
Olhei DE VERDADE à minha volta.
Foi isso que me deu a certeza de que esse deus de quem tanto me falam não tem como existir.

Por tudo que sou e por tudo que sinto, minha certeza de que deus não existe e de que eu teria que ser muito egoísta para ter fé se tornou parte de mim.
Sou ateia de uma forma que não tem volta.
Porque não existe o verbo nem o ato de “desver”.

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