5 de outubro de 2018

ERRO DE AVALIAÇÃO

(Originalmente publicado em 06/05/2015)

Apresentação

Começarei dizendo o óbvio a respeito dos avanços científicos, relacionando aquilo que é fato, que todos sabemos e que entristece, sempre, os que pensam nisso. Depois, ainda falando do óbvio, descreverei o estado precário da educação no país, a falta de receptividade dos alunos e dos responsáveis por eles e o quanto tem sido frustrante a luta por uma educação de qualidade. Por fim concluirei argumentando que nós, professores e educadores, talvez estejamos lutando do lado errado. Talvez a melhor coisa a fazer seja nos unirmos em batalha para que se apague de todas as Constituições do mundo qualquer lei que defina a educação como “Direito de todos e obrigação do Estado”. Será que a solução para construir um mundo melhor não seria aumentar em lugar de diminuir o número de pessoas ignorantes e iletradas? O objetivo desse artigo é convidar você a pensar nisso.

Da ciência

É fato que os incríveis avanços tecnológicos deram – e ainda dão – muita esperança de um mundo melhor. Mas é fato também que – por conta da índole egoísta e da oniprepotência nata do animal humano – as tecnologias sempre criam ou potencializam mortes, sofrimentos e dores.

A ciência criou as armas de destruição em massa que cada vez mais vêm transformando o assassinato de pessoas em meros números toleráveis e estatísticas frias. As maravilhas da medicina – ao mesmo tempo em que salvam vidas – criam meios de segregação porque são acessíveis apenas a quem tem dinheiro para usá-las. Os fantásticos avanços industriais tornam as pessoas “descartáveis” e perfeitamente substituíveis por máquinas cada vez mais eficientes e necessárias. Em paralelo, esses avanços geram todo tipo de refugo, lixo, poluição. Substâncias nocivas são continuamente lançadas na água, no ar e no solo e se tornam responsáveis pelo surgimento e pelo aumento de doenças de todos os tipos; que os avanços da medicina combatem sempre selecionando, pelo dinheiro, os que podem e os que não podem ser curados. Esse círculo vicioso tem gerado enormes custos financeiros e é uma ameaça, cada vez mais séria e efetiva, de extermínio da própria vida no planeta.

Os absurdamente fabulosos avanços dos meios de comunicação conseguiram “diminuir o tamanho do mundo” permitindo conversas e trazendo notícias em tempo real. Conseguiram apresentar programas, jogos e filmes com imagens em alta definição e som cristalino e fantasticamente potente. Acontece que todas essas maravilhas – por estarem nas mãos da ganância do animal humano citado e definido acima, e por serem consumidas pelo mesmo animal humano – acabam servindo como instrumentos de alienação das mentes, exploração dos corpos e disseminação de ideologias assassinas.

Todos esses avanços fabulosos dos meios de comunicação pouco ou nada contribuem para alcançar resultados que efetivamente ajudariam a tornar o ser humano melhor. A mídia pouco ou nada contribui para melhorar e democratizar a educação; pouco ou nada faz para divulgar conhecimentos científicos; pouco ou nada contribui para aumentar o respeito pelo outro que ficou mais próximo; pouco ou nada contribui para potencializar a consciência ética e moral das pessoas; pouco ou nada contribui para diminuir os preconceitos e a segregação. Nem mesmo para promover o aumento da qualidade de vida das pessoas esses avanços dos meios de comunicação têm contribuído como deveriam.

Em muitos casos, infelizmente, a mídia vem contribuindo mais para que se alcance o oposto dos progressos e ganhos humanos e sociais que os pontos citados acima poderiam representar. Vemos o tempo todo, nas grandes redes de televisão e em todas as grandes mídias, programas e matérias variadas que desinformam, que divulgam pseudociência como se fosse ciência, que “ensinam” a falta de ética, que promovem a ideia de que “bom mesmo é se dar bem não importa a custa de quem”. Riem e fazem rir com o “engraçado” de ver alguém sendo humilhado por outro alguém mais “famoso”, mais rico, mais sortudo ou mais “bonito”. As mídias, infelizmente e quando poderiam fazer o contrário, comumente divulgam ou criam programas e matérias que contribuem para aumentar (e até para criar) preconceitos e mostrar “razões” para que pessoas discriminem pessoas.

Da educação

Quanto à educação, todos os envolvidos no processo sabem que a maioria dos alunos – independentemente da escola e do nível social e financeiro de seus pais – estão a maior parte do tempo tremendamente ocupados em soltar palavras de baixo calão aos gritos, mexer no celular procurando novas maneiras de conversar sem conteúdo, disputar acirradamente para NÃO saber quem consegue acessar os sites mais vazios e inúteis, ouvir o máximo de vezes possível os barulhos monótonos e insuportáveis que insistem em chamar de música e, principalmente, deixar claro que o professor na sala de aula é apenas um “poste” incômodo a ser ignorado.

É claro que os alunos das escolas públicas das periferias são os mais prejudicados por esse comportamento. Eles não têm os recursos, proporcionados pelo dinheiro, dos quais os pais lançam mão para garantir a “boa educação” de seus filhos. As aulas particulares nos dias que antecedem a qualquer prova importante, os trabalhos pagos para serem feitos por terceiros com o nome dos seus lindos filhinhos no campo “autor”. E há sempre outras facilidades que variam de acordo com a estrutura da família, o número de zeros na conta bancária e a influência que seu dinheiro tem sobre a direção da escola. Esses meios são completamente desconhecidos por grande parte dos alunos de escola pública. O maior recurso de que eles ainda lançam mão para “se dar bem” é a velha e manjadíssima cola.

Mas temos que ser honestos e reconhecer que nem tudo é maldade e falta de ética. Há também o acompanhamento efetivo que muitos pais dão aos seus filhos; mesmo pais de alunos de escola pública, em muitos casos, se preocupam e acompanham da melhor forma que podem os estudos de seus filhos. Acontece que o acompanhamento dos estudos é muito mais eficiente quando feito por pessoas cultas e com disponibilidade maior de recursos, como computadores e livros em casa. Esse tipo de acompanhamento, digamos “especializado”, em geral está longe das condições dos alunos mais pobres porque os pais desses alunos são, em geral, pouco letrados e pouco podem fazer além de ir às reuniões e cobrar seus filhos com mais energia.

Os alunos de escola pública, quando têm o computador em casa têm pais que não sabem usá-lo e não sabem orientar e exigir dos filhos o uso pedagógico adequado dessa ferramenta. Então, o que acontece é que esses alunos não usam o computador para muita coisa além de continuar, nas redes sociais, as mesmas atividades vazias e “desinformantes” a que se dedicam na sala de aula enquanto o professor tenta ensinar alguma coisa.

Lógico que é muito bom e recomendável que os pais dos alunos da escola pública acompanhem, cobrem e se interessem pelos estudos de seus filhos! Esse acompanhamento – por diversas razões e nem sempre por culpa dos pais – chega a ser raro em muitas escolas, mas quando acontece sem dúvida nenhuma surte grandes efeitos. Porém, o fato inegável é que, por mais louvável e benéfica que seja a presença efetiva dos pais na vida escolar dos alunos de escola pública, essa presença é muito menos eficiente do que a mesma ajuda vinda dos pais mais cultos. Então – com ou sem o acompanhamento efetivo dos pais – o aluno de escola pública, em geral e quase sempre, está sim em desvantagem com relação ao aluno da escola particular. Mesmo quando ambos têm o mesmo desinteresse e o mesmo desprezo pelos estudos, pela escola e pelos professores.

Da realidade

Comecemos com essa relação de fatos:
Os criadores das incríveis máquinas capazes de substituir dezenas de trabalhadores que ficarão sem seus empregos; os criadores das fantásticas máquinas capazes de produzir maravilhas e montanhas de lixo tóxico são, em geral, formados em engenharia. Os que descobrem como extrair e manipular substâncias para conseguir remédios, combustíveis, adubos, cosméticos e todo tipo de produtos que prolongam e facilitam a vida de uns enquanto descartam, obsoletam e excluem muitos outros são, em geral, formados em química. Aqueles que criam e aperfeiçoam as máquinas e dispositivos cada vez mais avançados que possibilitam o envio e recebimento de som e de imagem com cada vez mais rapidez, precisão e realismo são, em geral, formados em tecnologia, informática e faculdades afins. E as pessoas que administram as indústrias de grande porte onde estão essas máquinas e esses laboratórios; pessoas que em nome de maiores vendas e maiores lucros têm como “política de sobrevivência” a prática de todo tipo de troca de favores, exploração de pessoas e manipulação de informações são, em geral, formadas em Administração, economia e faculdades afins.

No Brasil – e nas grandes potências mundiais que negociam em dólar – os que se elegem com mentiras e com mentiras se mantém nos altos cargos administrativos do país são, em geral, formados em faculdades de primeira linha. Exceto para o judiciário, onde todos precisam ser formados em direito, se não me engano, a exigência de formação universitária na política vem principalmente dos eleitores da elite e da mídia, que, com raras exceções, convence os demais eleitores de que não devem votar em quem não tem “canudo”. A menos, é claro, que o candidato tenha muito dinheiro ou muita exposição e apoio da mídia. Como eu disse: as exceções são raras.

E há ainda as empresas estatais, sempre administradas pelos “senhores doutores” que têm em comum a constante preocupação de aumentar “ao infinito” seu próprio cabedal com falcatruas, arranjos, desvios e roubos que custam a miséria e até a morte de milhares de pessoas.

Existem ainda aqueles que, com discursos “convincentes”, manipulam, exploram e roubam pessoas humildes, inocentes e ingênuas vendendo um deus que promete – para “talvez” ou para a outra vida – milagres e felicidades que acontecerão apenas para quem tiver fé e fizer “doação para o Senhor”; esse ser todo poderoso que cada dia “precisa” de mais dinheiro. Em termos de exigência de formação universitária, esses “homens de Deus” são quase uma exceção no caso das igrejas evangélicas, mas não o são na igreja católica. Mas nas igrejas evangélicas, os maiores e mais influentes, aqueles que mais exploram e mais danos causam, os que propagam fundamentalismo preconceituoso e violento, os que interferem de forma desonesta na criação das leis do país, os que levam “a palavra” às aldeias indígenas e colaboram para a perda irreversível de sua cultura, esses são, em geral, pessoas formadas em universidades. Pelo menos esse é o caso de um dos maiores nomes dessa vertente; formado em psicologia. E ele não é o único.

Da ideia

Vimos que para todas essas atividades, funções, profissões e ... danos, salvo raras exceções, as pessoas precisam ser cultas, ter frequentado universidades, ter um ou mais diplomas. E foi pensando nisso que vim a me perguntar se não estamos todos, professores, pais e sociedade – pelo menos a parte dos pais e da sociedade que se preocupa com isso – lutando pelo lado errado. Será que a luta pela educação pública e gratuita para todos não deveria se tornar a luta pelo fim da educação formal – pública ou privada – para todos?

          Mas então você está defendendo a volta à Idade da Pedra?

          Sim e não. Primeiro porque não estou dando uma resposta, nem sequer estou fazendo uma proposta ou apresentando um projeto. Estou apenas, até o momento, fazendo perguntas, tentando provocar pensamentos e discussões e, talvez, abrir espaço para que se olhe a questão da educação por um outro ângulo. E, principalmente, na minha pouca visão dos fatos, estou pensando se não seria válido aplicar para a sociedade o mesmo princípio que Einstein usou para as mentes: “Uma vez aberta não volta ao seu tamanho original”. Talvez sem a obrigatoriedade da educação formal – que aliás nunca quiseram – a maioria dos jovens possa se dedicar a atividades menos danosas, como aprender profissões artesanais de seu interesse e se dedicarem a atividades práticas que lhes permita sobreviver e criar suas famílias.

Poderão viver sem ter que conhecer ou se preocupar com o avanço das tecnologias que permitem explorar o outro. Não terão a ambição de se tornar milionário à custa da destruição da vida no planeta, então, talvez, o planeta possa ter tempo para recuperar sua natureza e seu ecossistema sem os ataques maciços que têm sofrido até agora.

          Eu não proporia – e não acho que deva ser feita – a extinção da educação; menos ainda a queima de livros aos moldes das sanguinárias ditaduras políticas e religiosas que o fizeram tantas vezes na história. Minha ideia é mais a de que a educação formal seja algo a ser dado a todo aquele que a deseje. Sem distinção de cor, raça, sexo ou qualquer outro tipo de nomenclatura ou adjetivo que separe pessoas em grupos distintos. Bastaria apenas que alguma pessoa – criança ou adulto – mostrasse o desejo de aprender para que esse conhecimento, em existindo, lhe fosse dado. Para isso se poderia manter, em todos os lugares do mundo, um número suficiente de escolas nas quais se matriculariam aqueles que lá desejassem estudar. Ninguém poderia ser forçado, seja pelo estado seja pelos pais ou responsáveis, a atravessar os portões de uma escola e sentar-se diante de um professor. Apenas o desejo, apenas a curiosidade, apenas a sede de conhecimento, apenas o amor pelas ciências faria com que alguém se tornasse um aluno... e um professor.

          Mal consigo vislumbrar a quantidade de mudanças que essa nova postura diante da educação poderia trazer. Pensei em quanto menos pessoas se formariam em cursos para os quais não tiveram vocação ou vontade, quantas menos se tornariam profissionais sofríveis, quantas menos seriam protagonistas de erros capazes de causar grandes danos e até a morte de pessoas a seus cuidados. Pensei que o número de profissionais capacitados em muitas áreas importantes seria drasticamente reduzido e, em alguns casos – como na medicina, por exemplo – isso poderia resultar na falta desses profissionais para atender as necessidades da população em muitas cidades do mundo. Mas, venhamos e convenhamos, isso já não acontece?

Conclusão

Enfim, tudo o que escrevi aqui é pouco mais do que um esboço de pensamento, ainda estou na fase de passar horas rolando na cama, tentando imaginar quais seriam as consequências dessa minha ideia se aplicada, nessa ou naquela área. Em alguns casos chego à conclusão de que poderia haver mortes e sofrimentos, então tento pesar essas mortes e sofrimentos possíveis com as mortes e os sofrimentos que existem agora em consequência das falhas e dos derivados do sistema atual. Então tento pesar essas mortes e sofrimentos possíveis com as mortes e os sofrimentos que acontecerão em consequência das falhas e dos derivados do sistema atual. Novamente não sei a resposta e não sei se existe uma, mas penso nos tantos e tantos avisos, indícios e provas de que estamos levando nossa raça à extinção – e muitas outras além da nossa, talvez todas – e me pergunto se o abandono dessa ideia de dar educação a todos (queiram eles ou não) e, em lugar disso, a adoção do novo sistema de educação voluntária não poderia ser uma forma eficaz de “salvar o planeta”, como dizem muitos dos que não sabem que não é o planeta que precisa ser salvo e sim a vida que ele abriga.

Esse artigo foi escrito só para fazer essa pergunta. Quer tentar respondê-la?

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