15 de janeiro de 2021

PORTUGUÊS ERRADO



"O português são dois; o outro, mistério", já disse Drummond.
Acho a língua portuguesa maravilhosa, acho o estudo de gramática muito legal, eu AMAVA fazer análise sintática!
Mas sei que a gramática normativa é complicada.
Sou professora de português, estou aqui no Face e já escrevi "errado" várias vezes... falar então!
Ninguém fala "gramatiquês"!
O que gosto de saber e ter em mente é o erro desse conceito de erro.
Nas situações normais do dia a dia, se alguém fala e você entende o que a pessoa diz, você entende português e a pessoa fala português.
Se alguém escreve e você entende o que a pessoa escreveu, você escreve português e a pessoa lê português.
Não importa quem seja a pessoa e quem seja você.
A língua serve para as pessoas se comunicarem, se ela está cumprindo esse papel, está correta.
A gente pode dizer que há um desacordo com as normas da gramática oficial, mas não pode, ou não deveria, falar em erro.
Há situações em que uma maior proximidade com a gramática oficial é recomendável e até obrigatória, mas decididamente não é o tempo todo pra todo mundo!
Se a pessoa vai criar um documento oficial ou fazer um discurso oficial, por exemplo, aí sim há a necessidade de se preocupar com a correção gramatical.
Estudar gramática normativa é de certa forma estudar outra língua, quanto tempo alguém precisa estudar outra língua para conseguir usá-la sem sotaque?
Acontece também que, em algumas situações, a maior adequação gramatical possível na fala e na escrita é muito recomendável para benefício da pessoa que se comunica.
A adequação à norma culta é uma marca de poder e distinção social.
Então, tomar posse do “outro” português de que fala Drummond é tomar posse de algo que “pertence à elite nariz empinado” e essa posse está diretamente ligada às perspectivas de ascensão social.
Por isso é bom que se ensine e se aprenda a “outra” língua, principalmente na e para as classes sociais menos favorecidas.
O português veio do latim.
O que acontece com o português, também acontecia com o latim.
Para mim, ter em mente que nossa língua veio do latim vulgar, que é o equivalente do português “errado”, deveria valer como uma lição de humildade para todas as pessoas que adoram apontar os “erros” das outras.
* Incluo aqui as pessoas que usam a "correção" da língua portuguesa para combater quem defende o uso do pronome neutro.

3 comentários:

Pedro Mundim disse...

Mas se todo o mundo fala de um jeito diferente, a eficiência da comunicação é comprometida. Por isso se ensina o português "correto".

O português nasceu do latim vulgar, sem respeitar a norma do latim culto. Mas com o tempo, desenvolveu sua própria norma. O "português errado" falado pelos incultos não compõe um dialeto completo, mas constitui-se de um conjunto de variações erráticas em torno de uma norma mal aprendida. Permitir que estudantes comuniquem-se desta maneira só faz aumentar as ambiguidades, a falta de concisão e a obscuridade, tornando difícil a compreensão e a expressão de qualquer conteúdo mais complexo. A norma culta não é o linguajar de uma elite prepotente. É, simplesmente, uma forma mais eficiente de expressão, essencial quando se trata de conteúdos complexos. Sempre que você fecha as portas que conduzem à complexidade, você faz uma escolha pelo tosco, pelo simplório. Pela pobreza.

Para o rico, a norma culta é diletantismo. Para o pobre, a norma culta é riqueza. Mas sem dúvida, convencer o estudante pobre de que seu modo trôpego de falar está bom assim, vem a calhar para os que não querem mais investimento em educação.

Obs: o adjetivo "errático" que usei no segundo parágrafo não denota o significado atual de "erro", mas o verbo latino ERRARE, que significa andar a esmo. Penso haver aí um autoexemplo na eficiência da norma culta.

Divina disse...

É fato que se todo o mundo fala de um jeito muito diferente, a eficiência da comunicação é comprometida, mas você já se perguntou por que ESSE é o português "correto"? De onde veio o português "correto" que foi parar nas nossas gramáticas? O português "correto" é a língua da elite dominante, é disso que estou falando!

O "português errado" constitui-se de um conjunto de variações erráticas? Discordo, vejo pessoas se comunicando muito bem com seu jeito à margem de falar e escrever. Quanto à estrutura e vocabulário, quando a gente olha para a origem das palavras e lê textos antigos, é comum encontramos "erros" modernos que eram a norma culta há um tempo. Acho que pode ter comunicação "errática" usando a norma culta também.
Eu não falei em "permitir" que estudantes se comuniquem desta maneira, falei (ou tentei) em não "pegar no pé" dos estudantes dizendo que ele fala "errado", porque ele não fala errado, só está em desacordo com a norma culta e é essa que estou ensinando. Ele vai assimilar melhor com esse argumento do que com uma acusação falsa que o diminui e diminui sua família e sua cultura.
A norma culta é uma forma mais eficiente de expressão? Por quê mais eficiente? Como é mais eficiente se a pessoa consegue se fazer entender no seu meio? Eficiência é conseguir se comunicar, quem consegue se comunicar é eficiente, não importa se está usando a norma culta ou não.
Eu não falei em fechar "as portas que conduzem à complexidade", falei APENAS em mostrar para o estudante que ele não fala errado, que ele apenas usa outro padrão e que será vantajoso para ele e seu futuro que ele aprenda também esse padrão que estou ensinando. Acho que isso é abrir portas, não fechar.

Pedro Mundim disse...

Por que esse português é "correto"? Se não é, devia ser, pois permite o acesso a conhecimentos eruditos que podem ser a via de ascensão social para as camadas populares. Como talvez tenha sido para você mesma, não foi?

Do jeito que você colocou, fica parecendo que a imposição do padrão linguístico da elite dominante é uma arrogância desta mesmo elite dominante. Mas trata-se de uma autoimposição à medida em que se percebe que esse padrão é o que permite acesso aos conhecimentos mais valorosos. A elite dominante pôde desenvolver uma linguagem mais eficiente porque pôde se dedicar mais ao estudo.

Concordo plenamente que o "português errado" é de todo satisfatório para a comunicação do dia-a-dia de pessoas comuns. Mas manda essas pessoas escreverem alguma coisa culturalmente relevante, como um artigo, um ensaio ou uma tese, usando apenas os recursos limitados desse linguajar. Vai conseguir?

É claro que essas pessoas podem viver muito bem sem escrever nada culturalmente relevante, como eu sugeri. Mas a função do professor não é manter seus alunos naquilo que lhes é satisfatório, mas elevar seu nível de conhecimento a patamares superiores. E esses conhecimentos só podem ser bem expressos pela norma culta.

A norma culta é uma forma mais eficiente de expressão? Por quê mais eficiente? Porque é mais concisa, e portanto mais precisa, necessitando de menos palavras para expressar o mesmo conteúdo, e portanto economizando espaço no cérebro; sendo mais concisa, também evita as ambiguidades e a confusão, e tendo um vocabulário maior, abrange uma quantidade muito maior de conceitos que podem ser expressos por um único termo. É pouco?

O ensino da gramática é essencial. A gramática não ensina O QUE escrever, mas ensina COMO escrever. E de pouco adianta saber o que escrever, se não saberá fazê-lo com eficiência. Ou como se dizia antigamente, com "propriedade de expressão". Sem contar que o raciocínio só se desenvolve quando conseguimos verbalizá-lo. Isso explica o fenômeno da expansão do analfabetismo funcional concomitante à extinção do analfabetismo "strictu sensu".

E no fim, acho que essa empulhação de convencer o aluno que não tem problema falar errado é subterfúgio para não investir mais na educação. E pior: passa a mensagem de que o professor que quer ensinar é o agente de uma classe dominante opressora que quer impor seu modo de falar.