23 de março de 2022

ZEFINETA E GREGOR



Reler um livro que nos marcou muito é sempre uma aventura arriscada.
Dias atrás terminei de reler Confissões de Frei Abóbora. Esse livro foi uma parte extremamente importante da minha adolescência, eu o li quando tinha 14 ou 15 anos e fiquei encantada, embevecida, impressionada...
Enquanto lia, deitada no sofá da sala, eu chorava copiosamente e, em seguida, soltava gostosas gargalhadas.
Minha mãe sempre teve muito mais do que dois olhos, por isso, embora eu pensasse que ela cuidava de outras coisas longe da sala enquanto eu lia, minha mãe vê o livro fechado no meu quarto e pergunta:
- Que livro é esse que faz você gargalhar de apertar a barriga e depois “derrubar a tromba” como se fosse velório?
Foi Frei Abóbora e não Meu pé de laranja lima que me fez ler todos os livros do José Mauro de Vasconcelos que consegui encontrar. Foi Frei Abóbora que me tornou uma pessoa encantada por lagartixas; e várias páginas do caderno de frases e poemas, com capa caprichada e desenhos de flores e borboletas que eu carregava para todo lado, estavam lotadas de trechos copiados de Frei Abóbora. Alguns deles sei de cor até hoje.
Reler Frei Abóbora não foi uma decepção!
O livro ainda me agradou, reencontrei muitas das frases e trechos que me encantaram e que estavam no meu inseparável caderno colorido que não existe mais...
Porém, reencontrei algumas coisas que consegui relevar e até achar divertidas naquela época mas que deixaram de ser leves e divertidas para mim.
E meu olhar se tornou mais crítico, menos sugestionável, daí que a religiosidade que me pareceu subversiva naquela época, hoje não parece tão subversiva assim.
Não me arrependi de voltar ao Frei Abóbora. Ainda recomendo a qualquer pessoa que goste de ler, mas o Frei Abóbora da minha adolescência subiu a escada de braços dados com Zefineta B e desapareceu no corredor escuro de um prédio em ruínas.

Mas nem sempre é assim!
Estou relendo A Metamorfose e o sufoco, a angústia, o estranhamento que me fazia “pular” uma respiração ainda estão lá e ainda chegam a mim.
Talvez mais fortes do que quando o li pela primeira vez, mais ou menos na mesma época em que me encantei com Frei Abóbora.
Eu envelheci, Kafka não.

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