29 de junho de 2020

MAR



Seus olhos são verdes como o mar
Foi nesse mar que um dia
Afoguei minha alegria
Deixando a solidão boiar

ATEIA RADICAL

Não me vejo como uma ateia radical
Porque tento não ser intolerante
Jamais aceitaria participar
De qualquer tipo de ação
Que pudesse ser
Sequer parecida
Com uma imposição de crença
De falta de crença
Ou de postura
Com respeito a esse
Ou a qualquer outro assunto
Vejo-me apenas como uma cética
Que não compreende o que afirmam ser
A “verdade”
Uma curiosa que pensa muito
A respeito do que ouve e lê
Uma inconformada
Que à força de pensar
Tira conclusões diferentes
Do que comumente percebe
Na maioria das outras pessoas
Sou uma pentelha que sempre que pode
Coloca suas questões
Fala sobre seus pensamentos
Revela suas “encucações”
Mesmo correndo o risco
De irritar muita gente.

PREVISÃO FÁCIL

O governo assassino vai matar muitas crianças
Por bala perdida
Por "acidente" em invasão nas favelas
E vai matar muitos jovens e adultos nas favelas
Por "engano" porque pareciam com
Ou portavam algo que parecia com
Paralelamente
O governo assassino vai tirar acesso à saúde e vacinas
E boa parte dos moradores das favelas
Vai morrer por causa disso também
Outro tanto de moradores das favelas
Vai entrar para o crime
Porque não tem acesso à educação de qualidade
E porque seus pais
Quando os tem
Não terão como sustentar os filhos dignamente
Os criminosos acabarão mortos ou presos
Porque é com cadeia e não com educação
Que governo assassino “combate o crime”
Os que conseguirem sobreviver a tudo isso
Como não terão acesso à educação básica de qualidade
E menos ainda à educação superior
Serão os empregados/escravos da elite branca
Fazendo o trabalho braçal
Que a elite branca não faz
E receberão o suficiente
Para (não) sobreviver
Lógico que não terão direitos trabalhistas
Porque é sabido
Que é melhor ter emprego do que direitos
Em consequência o futuro do brasil
Será todo branco e "cidadão de bem"
Futuro para negros e pobres para quê?

Já que os adultos não precisam de presente
As crianças indígenas
Também não precisam de futuro
Os índios têm mais é que desaparecer
Para dar lugar ao "Agro"
Os índios têm mais é que desaparecer
Por que crianças indígenas teriam que ter futuro?
Isso só atrasaria o "progresso"

Esse projeto está em curso
Há muitas e muitas décadas
A diferença é que agora
A consolidação do futuro planejado
Que o governo assassino vai implementar
Para os negros, os pobres, os favelados
Para os índios abandonados
Será explícita e clara
Com direito a suástica mal disfarçada
Quando não escancarada
Isso é “bom”
Porque dá uma acelerada
Quase sem precedentes
No projeto de extermínio
Há tantos anos em curso
“Cinquenta anos em cinco” poderia servir
Slogans criativos podem ser usados
De forma “criativa”, né?

A ÚNICA COISA SOBRE A QUAL TEMOS CONTROLE É SOBRE NOSSO CARÁTER - ZYGMUNT BAUMAN

Temos mesmo?
Você já viu a história do cara
Que teve o cérebro atravessado
Por uma barra de ferro
Em um acidente de trabalho?
Ele sobreviveu
Mas mudou totalmente
Seu comportamento
De alegre, camarada e bom
Tornou-se frio, cruel, briguento
Ou seja, mudou seu caráter
É por coisas assim
Que não consigo engolir
Nenhuma explicação
Religiosa ou não
Que trabalhe com a hipótese
De que somos mais
Do que matéria e energia
Perecível e transformável
Nós todos somos
Definitivamente mortais.

“INSEGURANÇA É UM DOS MAIORES PROBLEMAS DO SER HUMANO”

Mas de forma bem relativa
Sou muito insegura
Às vezes me ferro por isso
Mas outras vezes
Minha insegurança
Acaba me impedindo
De entrar em belas enrascadas.

SEXTA-FEIRA SANTA

A sexta-feira santa seria o dia mais triste do ano
Se eu fosse um peixe
Não consigo ouvir as conversas das pessoas
Sobre a necessidade de assar bacalhau
E assar tainhas
Não consigo ir aos mercados
Ver o afã dos vendedores e compradores
Do peixe mais fresco
Sem sentir um arrepio na pele
São vidas
Tantas vidas!
Sacrificadas com total indiferença
Até com alegria
Acho que a páscoa é apenas
Mais um dos nossos feriados
Dedicados ao sadismo.

A MARAVILHA QUE SÃO AS CRIANÇAS

Quanto mais olho para as crianças
Quanto mais me dou conta da maravilha
Que uma criança é
Quanto mais penso
Em toda essa inocência
Essa fragilidade
Esse infinito de promessas
Que se pode ver
Em toda e qualquer criança
Mais ateia eu me sinto

Na minha cabeça não há como
Não há a menor chance
De existir um deus todo poder e todo bondade
E ao mesmo tempo
Existirem crianças sofrendo
Não vejo possibilidade de uma justificativa
Minimamente aceitável
Para que essas duas coisas coexistam
Um deus todo poder e todo bondade
Não teria desculpa
Nenhuma desculpa
Para permitir a existência
De crianças que sofrem
Se alguém pensar em responder
Que são os homens
Não deus
Os responsáveis pelo sofrimento das crianças
Vou pedir para que essa pessoa pense melhor
Crianças sofrem também por doenças
Os homens não criaram as doenças
Crianças sofrem também por catástrofes naturais
Elas não foram criadas pelos homens
Em última análise
Crianças sofrem sim pela ação dos homens
Acontece que
Segundo os que creem
Foi o próprio deus
Quem criou os homens
Foi esse deus
Quem fez o homem como é
Foi esse deus quem deu ao homem
As condições e a disposição
Para fazer coisas
Que provocam sofrimento nas crianças
Se deus existisse
Ele seria
Sem dúvida nenhuma
Responsável pelo sofrimento de crianças
De cada criança.

NADA

Não sou nada.
Nunca serei nada
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
(Fernando Pessoa)

A vida tem muito mais coisas ruins
Do que coisas boas
E nós não existiríamos
Se não fôssemos dotados
De um instinto de preservação tão forte
E de um atávico medo do desconhecido
Negamos para todos
E principalmente para nós mesmos
O fato de que não somos nada
Não temos nenhuma importância
Criamos um deus à nossa imagem e semelhança
E fizemos com que ele nos ordenasse
"Crescei e multiplicai"
Fizemos com que ele dissesse
Que fomos criados
Por ele
À sua poderosa e perfeita
Imagem e semelhança
Tudo isso fizemos para negar o nada
Que somos
E a nenhuma importância
Que temos
Não fosse esse forte instinto de preservação
E esse terrível medo do desconhecido
Talvez tivéssemos
Cometido suicídio em massa
E a raça humana já não existiria.

28 de junho de 2020

VERMELHO VIVO



Cortem fundo na minha carne
Para que eu possa sangrar
Que a dor me anestesie
Que de meu sangue me cubra
Da vergonha de estar viva

A BESTIALIDADE HUMANA É A ÚNICA COISA QUE PODE DAR IDÉIA DO INFINITO. - ERNEST RENAN

Para confirmar a verdade da frase
Basta ver os jornais
As redes sociais
Amostras do nível do infinito
Da estupidez humana
São inúmeras
Fica ainda mais terrível
Deprimente mesmo
Quando vemos essas confirmações
Bem ao nosso lado
Entre nossos conhecidos
Nossos colegas de trabalho
Nas pessoas com as quais convivemos
Diariamente
Mas o medo, o pavor
O terror maior
É aquele que não sabemos
Será que não somos nós mesmos
Confirmações
De que Renan está certo?

JANELA



Na janela dos meus olhos
Debruça-se uma menina sapeca
Que olha, comenta e ri
Das atitudes sérias e contidas
Da velha que vive dentro de mim.

TEMPO

Sendo pequena demais me acabo
Desboto e feneço como coisa deixada ao sol
Por dentro também estrago e não vejo
Mas sei e sinto as falhas que crescem
E devagar/depressa
Desapareço

Sendo pequena não causo pena
Não faço falta nem para mim
Apenas vou enquanto ainda sol
Tenho o ar ao meu redor e o consumo
No respirar conto o relógio que não para
Mas quebrará

Vou sem protesto
Não contesto não me agarro
No fio da vida mal vivida
Sem saída sem cigarro
Sem fumaça solto o ar

A verdade mais sincera é a saudade
Daquilo que não vivi.

CRIANÇAS DE ANTIGAMENTE

A lembrança trai
Não acho que foi tão bom assim
E não é verdade que “naquele tempo”
Ninguém sofria bullying
Naquele tempo tinha bullying sim!
Só que todo o mundo adulto ignorava
E a gente tinha que sofrer calada
E tinha as marcas roxas das cintadas
A raiva da impotência
As crianças que morriam de doenças
Que hoje são curáveis
E que a gente ia ao velório
E ajudava a carregar o caixãozinho
Não!
Me desculpe
Mas não tenho nenhuma saudade
“Daquele tempo”

GUANTÁNAMO

Vi notícias na mídia sobre Guantánamo
Quando o Obama prometeu fechar a prisão
Na época se falou bastante
Sobre as torturas que acontecem lá
Depois o assunto morreu
E ninguém mais comenta
Fiquei revoltada
Como todo mundo
Mas na verdade
Como acontece muito
Não fiquei nem um pouco surpresa
Agora confesso
Que nem sei se a prisão foi fechada
Conforme o prometido
Da última vez que soube
Não tinha
Se fosse seria notícia
A mídia calar a continuidade
De coisas como essa
Não é difícil de acontecer
Quão pouco
Ou nada
Se fala sobre tantos outros
Assuntos escabrosos
Vivemos na Plim Plim
Me sinto muito ignorante!
Sequer sei quantas guantánamos
Existem
Além dessa
Da qual pararam de falar.

ANJOS

Anjos não existem no céu
Estão todos aqui
Entre nós
Com seus corpinhos frágeis
Sua total desproteção
Suas pequenas carinhas
Feias ou bonitas
Loiros ou morenos
Os anjos da terra
E seus olhinhos de abandono
Jogados em depósitos
Chamados orfanatos
Eles são denominados crianças
Crianças carentes
Pedem com lágrimas
E gritinhos lindos
Um pouquinho de amor
Mas nós somos carentes
Não sabemos ver no límpido espelho
Daqueles olhinhos
Nossas pobres e podres almas
Os anjos nos estendem
Suas mãozinhas
E nós os abandonamos
Só porque nossa imaginação pobre
Os fez loiros, saudáveis
Brancos, alados
E bem longe (lá no céu)
Da nossa responsabilidade.