Sempre digo que a velhice é uma merda. Uso essa
frase desde que tinha uns 20 anos porque, mesmo sendo jovem, comecei a olhar à
minha volta e ver como as pessoas sofrem quando os anos começam a pesar. Nunca
tive como parâmetro para dizer "A velhice é uma merda" apenas a mim,
ao contrário do que pensam muitas pessoas que me ouvem ou leem quando falo ou
escrevo isso agora que estou velha. Sou uma velha privilegiada porque tenho um
companheiro que escolhi e continuo escolhendo a cada dia e uma vida classe
média sem grandes dificuldades, então, embora não viva no paraíso (como ninguém
vive) e tenha sim muitos problemas relacionados à idade, não são tantos quanto
os que muitos outros velhos têm, continuo dizendo que a velhice é uma merda e
continuo não falando apenas do meu umbigo. O que confirma que não estou errada são
os relatos e observações de experiências extremamente comuns que tenho
observado desde sempre, são histórias que mostram as muitas dificuldades e
tristezas da velhice.
Como respostas discordantes o que mais vejo são
relatos das poucas exceções dentre todas as velhices que observo. Exceções que
são propagadas como se fossem a regra ou uma possibilidade indubitavelmente acessível
a todos os que disserem “Quero ser um velho “porreta” e ativo”, é como se todos
os velhos que sofrem tivessem simplesmente esquecido de desejar uma velhice
digna. Muitas vezes os “exemplos louváveis” são apenas fases de antes da
destruição, às vezes não demora muito tempo para que a mesma pessoa que louvava
aquele exemplo que “eu tenho na minha própria família” comece a reclamar do
quanto é estressante cuidar daquele velho ou velha. Alguns argumentos só
mostram aspectos pontuais do tipo em que a pessoa está velha e usa bengala e
fraldão, mas “é lúcida e ainda dá conselhos” ou a pessoa está sozinha, a
família só a visita nos dias festivos, mas “Veja só, ela está sempre sorrindo e
prepara almoços e jantares para todos!”.
Uma vez conheci uma senhora em uma viagem daquelas de
excursão em ônibus fretado em que as pessoas compram a passagem e têm até um
guia para falar sobre as maravilhas do lugar. Nesse tipo de viagem a gente vai
com pessoas estranhas e, depois de passar muitas horas e até vários dias com
elas, acaba criando uma amizade linda que “certamente será mantida”, mas que
termina quando o ônibus nos coloca de volta no ponto de partida. Tinha mais gente
idosa nesse ônibus, mas essa senhora se destacou pela alegria, pela simpatia,
pelo otimismo, pela disposição e, coisa linda, pelo colorido das roupas (adoro
cores!). Eu, que ainda não era velha, até pensei que seria legal ser uma velha
como aquela e acho que todos pensaram, alguns chegaram a dizer isso.
Pois bem, em uma parada nos sentamos para esperar
outros que ainda estavam passando pelo caminho divertido pelo qual todos
passavam e eu me sentei ao lado dela em um dos bancos de uma praça, estávamos nós
duas um tanto afastada e ela lamentou que o passeio estava chegando ao fim e
começou a contar o quanto seria triste voltar ao normal e o quanto era triste o
normal da vida dela. Juro que ela me disse tudo isso sem que, em nenhum
momento, eu tivesse expressado minha opinião sobre a velhice, preciso destacar
que diante de tanta simpatia e em um ambiente daquele tipo que se criou no
ônibus inteiro eu jamais teria coragem de fazer isso. Sou chata, pessimista e rabugenta,
mas não sou insensível!
Ou seja, sem que eu sequer tivesse pensado a respeito,
aquela senhora me provou, de novo, que a velhice é realmente uma merda e que
dizer isso não é pessimismo e sim falar da realidade; e ela foi apenas uma das
pessoas que provaram para mim mesma que estou certa. Talvez seja porque passei
a infância morando perto de um asilo de idosos e lá tinha um enorme pé de caqui,
então comecei a ir com frequência até lá, primeiro para pegar caqui e mais
tarde apenas para visitar os velhinhos que ficavam tão felizes quando a gente
chegava! Talvez por isso adquiri o hábito de reparar (mesmo!) nas pessoas
velhas e no que as pessoas não velhas dizem a respeito delas. Não foi uma escolha
consciente, foi sem querer e sem planejar, eu apenas comecei a ver e ouvir... e
pensar. Dá pra ficar bem chata vendo e ouvindo assim.
Já me disseram que com esse pensamento eu deveria
ter me matado, mas não o fiz nem o farei porque encontrei uma solução e essa
solução é apenas aproveitar o que sobra da juventude dentro da velhice o melhor
que puder e aceitar que não posso evitar as dificuldades da mesma forma que não
pude evitar tantas outras coisas que já me aconteceram, como nascer pobre por
exemplo. Mas aceitar o que não posso evitar, para mim, ao contrário do que querem
as pessoas que me aconselham a parar de reclamar da velhice e aceitar o que não
posso evitar, não significa dizer para as pessoas e para mim mesma que o ruim é
bom. Isso é paradoxal e burro; não é aceitar é mentir! Então não aceito as
mentiras dos que dizem que "Não é bem assim" e as frases feitas do
tipo "A velhice está no espírito". Está no espírito o cacete, está
bem aqui no meu corpo e no corpo de cada pessoa que deixou de ser jovem!
Aproveito tudo o que ainda tenho, sorrio sempre e o
máximo que posso, fico viva e VIVA da melhor forma e não tenho pressa de morrer
- acho que era isso que aquela senhora da excursão estava fazendo - mas que ninguém
venha com conversa de "Melhor idade" pra cima de mim que mando pra
pqp! Sou uma velhinha fdp de teimosa!
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