2 de fevereiro de 2020

TIRAR OS OLHOS DO PRÓPRIO UMBIGO FAZ COM QUE A GENTE SE TORNE MUITO CHATA. EU SOU MUITO CHATA!


Sempre digo que a velhice é uma merda. Uso essa frase desde que tinha uns 20 anos porque, mesmo sendo jovem, comecei a olhar à minha volta e ver como as pessoas sofrem quando os anos começam a pesar. Nunca tive como parâmetro para dizer "A velhice é uma merda" apenas a mim, ao contrário do que pensam muitas pessoas que me ouvem ou leem quando falo ou escrevo isso agora que estou velha. Sou uma velha privilegiada porque tenho um companheiro que escolhi e continuo escolhendo a cada dia e uma vida classe média sem grandes dificuldades, então, embora não viva no paraíso (como ninguém vive) e tenha sim muitos problemas relacionados à idade, não são tantos quanto os que muitos outros velhos têm, continuo dizendo que a velhice é uma merda e continuo não falando apenas do meu umbigo. O que confirma que não estou errada são os relatos e observações de experiências extremamente comuns que tenho observado desde sempre, são histórias que mostram as muitas dificuldades e tristezas da velhice.

Como respostas discordantes o que mais vejo são relatos das poucas exceções dentre todas as velhices que observo. Exceções que são propagadas como se fossem a regra ou uma possibilidade indubitavelmente acessível a todos os que disserem “Quero ser um velho “porreta” e ativo”, é como se todos os velhos que sofrem tivessem simplesmente esquecido de desejar uma velhice digna. Muitas vezes os “exemplos louváveis” são apenas fases de antes da destruição, às vezes não demora muito tempo para que a mesma pessoa que louvava aquele exemplo que “eu tenho na minha própria família” comece a reclamar do quanto é estressante cuidar daquele velho ou velha. Alguns argumentos só mostram aspectos pontuais do tipo em que a pessoa está velha e usa bengala e fraldão, mas “é lúcida e ainda dá conselhos” ou a pessoa está sozinha, a família só a visita nos dias festivos, mas “Veja só, ela está sempre sorrindo e prepara almoços e jantares para todos!”.

Uma vez conheci uma senhora em uma viagem daquelas de excursão em ônibus fretado em que as pessoas compram a passagem e têm até um guia para falar sobre as maravilhas do lugar. Nesse tipo de viagem a gente vai com pessoas estranhas e, depois de passar muitas horas e até vários dias com elas, acaba criando uma amizade linda que “certamente será mantida”, mas que termina quando o ônibus nos coloca de volta no ponto de partida. Tinha mais gente idosa nesse ônibus, mas essa senhora se destacou pela alegria, pela simpatia, pelo otimismo, pela disposição e, coisa linda, pelo colorido das roupas (adoro cores!). Eu, que ainda não era velha, até pensei que seria legal ser uma velha como aquela e acho que todos pensaram, alguns chegaram a dizer isso.

Pois bem, em uma parada nos sentamos para esperar outros que ainda estavam passando pelo caminho divertido pelo qual todos passavam e eu me sentei ao lado dela em um dos bancos de uma praça, estávamos nós duas um tanto afastada e ela lamentou que o passeio estava chegando ao fim e começou a contar o quanto seria triste voltar ao normal e o quanto era triste o normal da vida dela. Juro que ela me disse tudo isso sem que, em nenhum momento, eu tivesse expressado minha opinião sobre a velhice, preciso destacar que diante de tanta simpatia e em um ambiente daquele tipo que se criou no ônibus inteiro eu jamais teria coragem de fazer isso. Sou chata, pessimista e rabugenta, mas não sou insensível!

Ou seja, sem que eu sequer tivesse pensado a respeito, aquela senhora me provou, de novo, que a velhice é realmente uma merda e que dizer isso não é pessimismo e sim falar da realidade; e ela foi apenas uma das pessoas que provaram para mim mesma que estou certa. Talvez seja porque passei a infância morando perto de um asilo de idosos e lá tinha um enorme pé de caqui, então comecei a ir com frequência até lá, primeiro para pegar caqui e mais tarde apenas para visitar os velhinhos que ficavam tão felizes quando a gente chegava! Talvez por isso adquiri o hábito de reparar (mesmo!) nas pessoas velhas e no que as pessoas não velhas dizem a respeito delas. Não foi uma escolha consciente, foi sem querer e sem planejar, eu apenas comecei a ver e ouvir... e pensar. Dá pra ficar bem chata vendo e ouvindo assim.

Já me disseram que com esse pensamento eu deveria ter me matado, mas não o fiz nem o farei porque encontrei uma solução e essa solução é apenas aproveitar o que sobra da juventude dentro da velhice o melhor que puder e aceitar que não posso evitar as dificuldades da mesma forma que não pude evitar tantas outras coisas que já me aconteceram, como nascer pobre por exemplo. Mas aceitar o que não posso evitar, para mim, ao contrário do que querem as pessoas que me aconselham a parar de reclamar da velhice e aceitar o que não posso evitar, não significa dizer para as pessoas e para mim mesma que o ruim é bom. Isso é paradoxal e burro; não é aceitar é mentir! Então não aceito as mentiras dos que dizem que "Não é bem assim" e as frases feitas do tipo "A velhice está no espírito". Está no espírito o cacete, está bem aqui no meu corpo e no corpo de cada pessoa que deixou de ser jovem!

Aproveito tudo o que ainda tenho, sorrio sempre e o máximo que posso, fico viva e VIVA da melhor forma e não tenho pressa de morrer - acho que era isso que aquela senhora da excursão estava fazendo - mas que ninguém venha com conversa de "Melhor idade" pra cima de mim que mando pra pqp! Sou uma velhinha fdp de teimosa!

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