25 de agosto de 2024

A VELHICE QUE ME HABITA



Minha aversão à velhice é, digamos, bem mais velha do que minha velhice.
Desde antes dos 30 comecei a reparar MESMO na velhice das pessoas e a recordar com "olhos" adultos as visitas que, no tempo do caqui, eu e meus irmãos fazíamos a um asilo que tinha perto de casa. Lá tinha uma árvore de caqui que ficava carregada, a gente visitava as velhinhas e os velhinhos e ganhávamos tantos caquis quanto conseguíamos comer e carregar. Era bom conversar com as pessoas, tanto as idosas quanto as enfermeiras e funcionários, mas criança é bicho interesseiro e nós éramos pobres, caqui para a gente era fruta que nunca tinha em casa.
Enfim, olhar a velhice alheia me fez totalmente imune a qualquer discurso - dos tantos que existem - que tente embelezar ou minimizar tudo o que há de doloroso e de triste nessa condição. 
Em lugar de me apegar aos exemplos de velhices louváveis - e raras - que sempre são pinçadas com frases do tipo “Minha avó viveu até os 99 anos e sempre esteve lúcida e ativa”, desde antes dos 30 eu vejo e me comovo com a velhice mais comum das pessoas que sofrem para abrir uma lata de sardinhas, caminhar cinco metros, descer uma escada, lembrar o nome do neto ou da filha, enxergar uma fotografia à que foi apegada. 
Em lugar de ver meu futuro em uma pessoa idosa sorridente, bem vestida, saudável e cheirosa, eu pensava na velhice pobre, perdida e desamparada.
Ao longo dos anos, encontrei muitas velhices que me comoveram, me entristeceram, me revoltaram e me assustaram demais e que, para mim, confirmaram a verdade da frase que digo e escrevo com muita frequência: A velhice é uma merda! 
Para não transformar esse texto em uma longuíssima lista de possibilidades não tão boas quanto as pessoas que propagam a velhice como “a melhor idade” (odeio essa expressão!) querem fazer parecer, lembrarei apenas três casos que me abalaram muito.
Uma senhora, proprietária de uma escola onde lecionei quando ainda estava na faculdade, me explicou que gostava muito de ler, mas não estava conseguindo mais porque esquecia o parágrafo anterior antes de terminar o seguinte. Como ler sempre foi o meu “vício bom”, pensei que trocaria todo o dinheiro daquela mulher mil vezes multiplicado para que aquilo nunca acontecesse comigo.
Eu estava em um restaurante e entrou uma família com uma senhora, de frente para a porta e para a mesa onde estavam pude ver a dificuldade da mulher para subir o único degrau que separava o restaurante da calçada, para sentar-se à mesa, para cortar os alimentos, para levar o garfo à boca. E pude ver também a tristeza e a confusão na sua expressão perdida. Saí daquele restaurante com alguma coisa me apertando por dentro.
Fiz um passeio com ônibus de turismo e uma das passageiras era uma idosa do tipo que as pessoas que falam em “a velhice está no espírito” adoram elogiar e usar como exemplo. Ela era uma simpatia mesmo, a “alma da festa”! 
Acontece que em um determinado ponto do passeio acabei ficando um tempo sozinha com ela em um banco de jardim e - juro que sem provocação - ela começou a me falar da sua vida, da sua solidão, do seu desencanto, das suas dores. 
Me travesti de “não eu” para consolá-la e fazer com que ela não se deixasse entristecer, pelo menos naquele momento, e continuasse aproveitando aquele passeio que estava tão bom. 
Aprendi, com um exemplo concreto, que não estava enganada quando pensava que a velhice conformada, a velhice alegre, a velhice orgulhosa, pelo menos em grande parte, é a velhice fingida e não a velhice real.
Quanto à minha velhice, acho que começou aos 40 com a chegada da fibromialgia, logo depois veio a tal síndrome do intestino irritável e meu corpo não parou mais de dar problema. Nem vai parar porque velhice é isso.
Mas sou uma daquelas pessoas - muito raras - que dão sorte. 
Não estou tão mal, para uma senhora de 65 anos. 
Minha fibromialgia nem é muito forte, tenho poucas e até raras crises mais intensas, em geral um analgésico ajuda. Os demais incômodos também são medicáveis e, para minha maior sorte, tenho acesso aos remédios de que precisar. 
Além disso não me preocupo com minha aparência, minhas rugas, minhas manchas, minhas pelancas, vão surgindo sorrateiras ou nem tanto sem afetar uma autoestima que não me lembro de ter tido alguma vez, que não valorizo e não me faz falta. 
Por enquanto, o que mais me faz falta e aborrece na minha velhice é não poder fazer as longas caminhadas que sempre adorei fazer. 
Ainda caminho, algumas pessoas até acham que caminho bastante, mas só eu sei o quanto é pouco em comparação com o que era; e com o quanto vai ser cada vez menos. Meus pés doem, minhas pernas doem, cada dia que passa a dor vem depois de um espaço percorrido menor. 
E isso me deixa P da vida!
O que me incomoda mais agora é o medo de chegar a um ponto em que não consiga mais ler; é o pavor de me tornar dependente e um peso para as pessoas e, principalmente, para meu filho; é o pavor de não conseguir controlar minhas necessidades fisiológicas. 
Sim! Eu morro de medo de ter que usar fraldas e de precisar que alguém limpe a minha bunda!

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