Era adolescente, por vezes gritava com um agudo sorriso: Cadelo meu chinelo? Cadela minha blusa vermelha? Cadela minha caneta nova?... O tempo passou, os cabelos são de neve e a pele de pergaminho. Às vezes grita sem som e sem saudades: Cadela minha vida?
13 de setembro de 2024
CRER QUE UM DEUS CRIOU TUDO É PREGUIÇA MENTAL - Lawrence Krauss
Mesmo que a ciência concluísse que uma espécie qualquer de mente "incriada" seria necessária para explicar a existência, ainda assim deus não faria sentido. Por que essa "mente" teria que ser deus? E, mais ainda, por que teria que ser o deus do cristianismo, ou o deus bíblico, ou qualquer outro dependendo da religião da pessoa que afirma a existência de deus?
Stephen Hawking recentemente demonstrou que deus não é necessário para explicar a existência do universo: “Não é necessário que evoquemos Deus para iluminar as coisas e criar o universo”, disse ele. Daí que o deus "incriado" não TEM que existir. Mas, mesmo que existisse um designer do universo, na minha visão ele teria que ser algo muito diferente do que se pode chamar deus. Pelo menos muito diferente dos deuses que os seres humanos costumam cultuar em igrejas, templos e sinagogas. Para começar o que as pessoas teístas chamam deus, de acordo com elas, teria criado o mundo para o homem (homem mesmo, o macho da espécie); seria uma entidade que "cuida" do homem, a ponto inclusive de se preocupar com sua vida sexual e com a sua dieta alimentar.
Se existisse uma "mente" criadora que, teoricamente, teria dado início ao Big Bang certamente seria algo totalmente indiferente ao animal humano; e também a todos os outros animais e até, provavelmente, ao próprio planeta Terra. Chego a essa conclusão olhando à minha volta e olhando para mim mesma. Nem eu, nem as outras pessoas, nem a natureza, nem o planeta me parecem criações de uma mente inteligente, preocupada e atenta. Portanto, na minha visão, se existisse – e não acredito que exista – esse “iniciador do Big Bang” teria que ter outro nome, não “Deus”; e não faria absolutamente nenhum sentido rezar, orar ou mesmo ter "pensamentos fortes" a respeito de tal "mente". Assim penso eu.
Repetindo: A ciência já demonstrou, através de Stephen Hawking, que o universo não precisou de um deus (ou seja lá o que for) para existir. E mesmo que existisse algo - frisando que não creio nisso - esse "incriado", essa "mente", esse "designer", ou o que queiram chamar, não seria nada parecido com o que as pessoas teístas chamam de deus. O "incriado", o “designer inteligente” e outras nomenclaturas similares, na minha visão, são criações teístas, são argumentos a que o teísmo se agarra quando não sobra mais nada. Mas esse "incriado", SE EXISTISSE, teria que ter outro nome. Ou seja, essa ideia não serve para sustentar o teísmo logicamente, como muitas pessoas e religiões teístas tentam fazer.
Quanto ao argumento da preguiça mental, embora à primeira vista pareça ofensivo, na minha opinião, faz bastante sentido, embora só se aplique na verdade àquelas poucas pessoas que são academicamente formadas a ponto de conhecer um pouco de ciência, de história e de atualidades. Ter preguiça mental, a meu ver, não é sinônimo de falta de inteligência e, dependendo do ângulo em que se olhe - embora eu nunca me atrevesse a generalizar - acho que podemos afirmar que muitas pessoas bastante inteligentes muitas vezes têm preguiça mental, principalmente restrita a determinados temas. Nesse sentido, eu mesma, durante muitos anos tive preguiça mental com respeito à religião. Quando deixei de ter preguiça e realmente olhei para os lados (ou tirei os olhos do meu próprio umbigo) e pensei de verdade no assunto foi que me descobri ateia. A preguiça de que falo não se limita ao tema religião. No meu caso, acho que tenho preguiça com respeito a vários assuntos, alguns porque, se parar neles, vão me machucar bastante, outros porque não me instigam o suficiente, e outros ainda porque exigiriam um esforço muito grande e não tenho disposição nem me vejo com tempo para isso.
Hawking demonstrou como a física pode provar que é possível do nada surgir alguma coisa, daí que ele simplesmente matou o último argumento teísta. É claro que ainda falta muito para que esses estudos sejam consolidados, mas o caminho foi aberto. Em se confirmando os estudos de Hawking, não tem que ter nada antes do princípio de tudo, não tem que existir ou ter existido nenhum “incriado”. Não sei você, mas eu levo mais a sério os argumentos do Hawking do que os de qualquer teísta que conheça. Esclarecendo: Pelo que entendi, Hawking não fala de um “universo incriado”, fala de um universo que se criou “do nada” sem ter um criador, não é a mesma coisa.
A diferença básica, na minha visão, é que o teísmo, até o de Spinoza pelo que li dele (ou de como o leem), nunca deixa de atribuir mente a esse início. Quando definem "designer inteligente" estão colocando na palavra "inteligente" também o sentido de racional; essa mente teria um propósito, um objetivo, uma vontade. NUNCA vi ou li nada de nenhuma pessoa teísta que se parecesse com a defesa de um deus que não tivesse mente. Acho isso bem lógico, afinal, qual seria o propósito de adorar um criador inanimado? Já o argumento de Hawking - que é mais do que argumento porque é resultado de pesquisas na área da física - não aponta para nenhum tipo de mente, inteligência ou propósito. O início do universo seria tão natural quanto o início do raio, com a diferença de que o raio tem um agente provocador (o encontro das nuvens e cargas elétricas) que incita uma “corrente” de agentes provocadores; e o início do universo não teria, ou pelo menos não sabemos ainda qual seria. Será que consegui me explicar? O deus de Spinoza, assim como o deus de qualquer cientista teísta moderno, ainda tem características de entidade, portanto ainda pode ser louvado e denominado deus; o que Hawking demonstrou como início não é entidade, é “nada” (ou vácuo quântico). Não há como adorar o nada.
Aí um amigo discordou e respondi a ele:
Você diz que “não se prova algo que não é material”, mas eu acho que isso é, no mínimo, bastante relativo. O que seria da matemática se a sua afirmação fosse realmente verdadeira? E esse argumento de que “deus não existe mas É”, embora você tenha razão sobre o fato de que ele é muito usado – já li alguma coisa sobre isso em minhas pesquisas para o TCC – o que tenho a dizer é que não é um bom argumento porque, caso fosse aceito para provar a “verdade” de deus, qualquer um poderia usar esse mesmo argumento para provar a “verdade” de uma infinidade de coisas, desde fadas e duendes até universos paralelos. E eu acho que, embora alguns cientistas defendam a hipótese dos universos paralelos, nenhum deles tenta prová-la dessa forma.
Além disso, podemos provar o que não é material através de argumentação lógica. E a não existência de deus, na minha visão, pode ser provada pela incoerência lógica entre sua definição e o que pode ser observado. Antes deixe que eu especifique que, nesse caso, estou falando do deus definido como onipotente, onipresente, onisciente, bom e justo que criou o universo. Esse deus simplesmente não tem como existir porque ele é uma incoerência lógica.
Algo que “não existe mas é” porque está além da matéria - falando em microfísica e sem entender quase nada, ou nada mesmo, do assunto – normalmente, pelo que li de Marcelo Gleiser e Stephen Hawking, é algo cuja “existência” pode ser detectada a partir da interferência – não sei se essa seria a palavra correta – que essa não-matéria exerce sobre a matéria; é o caso das partículas subatômicas. Deus, até onde eu sei, não pode ser detectado dessa maneira.
Quanto ao fato de achar preconceituosa a afirmação de que crer em deus é preguiça mental, acredite, eu te entendo. Só que vejo de outra forma. Como já disse, reconheço preguiça mental em mim quanto à crença em deus antes de me descobrir ateia e reconheço preguiça mental em mim ainda hoje a respeito de outras coisas sobre as quais não me dou o trabalho de pensar muito. Olhando dessa forma o preconceito deixa de existir, acho.
Você está certo, claro, sobre existirem muitos filósofos, cientistas e pensadores que raciocinaram sobre deus. Eu seria uma louca mentirosa se discordasse de você quanto a isso. O problema é que todos eles, via de regra, raciocinaram SOBRE DEUS e não sobre a possibilidade da existência e da não existência de deus. Eles partem sempre da existência de deus como verdade inquestionável e a partir daí constroem todo seu arcabouço lógico-filosófico; e, quando falam sobre a existência de deus, falam para mostrá-la como verdade, para convencer pessoas que porventura duvidaram. Nesse ponto, eles “dão nó no cérebro” e chegam a dizer os absurdos mais disparatados, como é o caso de Leibniz que disse que esse é “o melhor dos mundos possíveis”.
Será que há mesmo tantas maneiras de crer (no sentido religioso) e que alguma delas dispense a preguiça mental? (Que fique claro que estou falando em preguiça mental sem, de forma alguma, associar isso a falta de inteligência). Para mim, acreditar em deus obriga, sem exceção, a fechar a mente para coisas que, de outra forma a pessoa perceberia sem nenhuma dificuldade. Não consigo imaginar outra maneira de crer em deus que não seja fechar a mente para qualquer argumento contrário a essa crença. É isso que eu pensaria que a frase chama de preguiça mental, e concordo que o Krauss poderia ter usado algum termo menos forte, mas talvez ele quisesse mesmo chocar.
Veja, qualquer pessoa razoável concordaria sem ter nenhuma dúvida a respeito, que um governante que pune e premia o povo sob seu governo de forma totalmente aleatória, que condena à morte sob tortura, sem julgamento, sem acusação e sem sinal algum de que a pessoa cometeu qualquer crime é um tirano sádico e injusto. No entanto, a imensa maioria das pessoas, quando esse “governante” é deus, afirma que ele é justo e bom. Isso não é suspender o raciocínio?
Qualquer pessoa razoável diria que um juiz que condena uma pessoa por um crime cometido por seu avô está abusando da lei, e que um juiz que condena alguém por ter pensado em cometer um crime, no mínimo, não merece estar nesse cargo. Mas se o juiz é deus então está tudo certo porque ele é justo e bom. Isso não é suspender raciocínio?
Qualquer pessoa razoável ficaria profundamente revoltada com a construtora responsável se fosse morar em um prédio ou uma casa que treme, pega fogo, alaga e volta e meia mata ou fere gravemente algumas pessoas que moram ali. Mas quando o arquiteto é deus, embora afirmem que ele é onipotente, dizem que está tudo bem e que essa “casa” é perfeita. Isso não é suspender raciocínio?
Só mais um: Qualquer pessoa razoável chamaria a polícia se visse um pai obrigando seu filho que mal saiu das fraldas a ensaiar seus primeiros passos em ambiente de extremo perigo, como no meio de uma avenida movimentada, e se justificar dizendo que o ama e faz dessa forma para que ele aprenda com o sofrimento. Mas quando o “pai” é deus, essas mesmas pessoas dizem que ele é justo, amoroso e bom. Isso não é suspender raciocínio?
Nunca, nunca mesmo, vi alguém justificando sua fé de forma realmente racional, nem no dia-a-dia, nem nos livros que li. O mais comum é que a justificação da fé seja egoísta (egoísmo esse que a pessoa nega com toda veemência). Deus é bom porque curou (minha filha, minha, mãe, eu mesma, meu irmão...) de uma doença; deus é bom porque salvou (meu filho, meu pai, eu mesmo, minha irmã...) de um acidente grave; deus é bom porque “operou maravilhas” na vida de (meu filho, minha mãe, eu mesma, minha irmã...). E por aí vai. Pensar que se não é para todo mundo não é justiça nem é bondade, principalmente vindo de um ser onipotente, nisso ninguém pensa. Quanto ao outro deus, esse do Big Bang, que poderia ser algo que deu início a tudo. A essa possibilidade, continuo afirmando, deveriam dar outro nome.
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