20 de abril de 2020

NEGANDO A CRENÇA: VIDA APÓS A MORTE


Não consigo acreditar em vida após a morte, em fantasmas, em espíritos, em pessoas "recebendo" ou "incorporando" outras pessoas, em reencarnação, em experiências de sair do corpo ou qualquer outro tipo de relação com o “lado de lá”. Para mim o Chico Xavier é apenas um charlatão que deu certo, talvez por acreditar na própria mentira. Não consigo acreditar na existência de alma, não vejo sentido nessa dualidade que os que aceitam a tal vida depois da morte usam para definir-nos: "Somos corpo e alma". Na minha visão somos corpo; só corpo. Quando nosso corpo está vivo é porque nosso cérebro está funcionando e todas as manifestações, que normalmente se confunde com "alma", são algo que pode, no máximo, ser chamado de mente, no sentido de que são resultados do "trabalho", ou das atividades, do nosso cérebro. Não consigo acreditar que haja alguma coisa além disso. 

Somos só corpo, a alma não existe e a mente é apenas manifestação do corpo. Especificamente do cérebro, mas não apenas do cérebro, também da interação do cérebro com o restante do corpo, com o mundo exterior e talvez com outros seres vivos independentes. Afinal, não sei se naquilo que sou há, e qual seria, a participação dos bilhões de micro-organismos que habitam o meu corpo. O que é e por que existe vida é assunto complicado, parece mágica, mas só é complicado porque não entendemos como funciona. É o que penso. 

 E não acho que esta ideia de que somos só corpo seja terrível, acho que depende da maneira como você encara. Viver sabendo que não há nada além do que você é fisicamente, e mais ainda, sabendo que mesmo suas maiores certezas podem ser apenas engano do seu cérebro, pode fazer toda ou nenhuma diferença, depende de como você resolve aceitar isso. Eu chego a achar confortador e muito instigante.

Fico pensando no que existe além do que eu vejo e sinto; não no que existe além no sentido espiritual, não acredito em espírito, falo no sentido físico mesmo. Quantas coisas lembro errado? De quantas coisas esqueci? Qual foi mesmo a minha vida, a que lembro ou a que esqueci? Vou lembrar ou vou esquecer o que está acontecendo agora? Vou lembrar como exatamente como é ou vou escolher lembrar diferente sem saber que não é assim que está acontecendo? São tantas perguntas! Eu gosto de "perder" tempo pensando nessas coisas.

 E o que é esse corpo que sou? Do que é formado? Passo muito tempo me perguntando do que é feita a matéria. Sei que sou matéria, mas eu sei o que é matéria? Mesmo quando leio, e entendo, as explicações dos cientistas, eu sei o que é matéria? Acho tudo isso muito apaixonante para se pensar. Agora, quanto a viver, para o meu dia a dia, não faz diferença nenhuma. Não vou deixar de ser quem sou, de fazer o que faço, de viver como vivo e de amar como amo porque sou só matéria e porque não tem nada depois da morte.

Se houvesse outra vida, isso seria “muito absurdo demais”! Nessa outra vida teríamos uma aparência e uma essência, algo equivalente ao tal corpo e alma? Teríamos algum tipo de corpo, mesmo que não fosse constituído de matéria para que as outras pessoas nos “vissem”? Como seria esse “corpo”? Veríamos as outras pessoas? Poderíamos reconhecê-las? Como as veríamos? Todas se pareceriam com o que eram quando morreram, todos seriam jovens e belos ou cada um escolheria sua aparência? Como seus amigos e familiares reconheceriam você caso só os tenha conhecido na infância ou na velhice? Haveria uma terceira possibilidade mágica na qual todos se reconheceriam independentemente da aparência ou ninguém precisaria reconhecer ninguém?

Se for para termos uma essência e uma aparência, qual EU de cada pessoa viveria novamente? A gente é muitas pessoas diferentes ao longo da vida, se uma dessas tantas pessoas que a gente foi tivesse o privilégio – ou castigo – de viver novamente, o que seria feito das outras pessoas que fomos? Todas elas estariam mortas? Como sei que eu continuo sendo eu mesmo não sendo mais aquela eu do meu primeiro ano na escola, por exemplo, o defensor da vida após a morte poderia dizer que é “a mesma coisa”: eu continuaria a ser eu depois da morte da mesma forma que continuei a ser eu depois da adolescência, talvez faça sentido, mas será que é mesmo “a mesma coisa”?

Vamos pensar a possibilidade mais otimista, aquela que, na minha opinião, todos os que acreditam prefeririam que acontecesse: Eu poderia realmente ser eu se fosse a minha mente da fase mais lúcida no meu corpo do auge da juventude? Me parece bem difícil equacionar de forma convincente essa convivência, ou coexistência, fora da vida que vivi e das experiências que tive e, principalmente, do meu corpo do momento porque, por bem ou por mal, esse corpo, sua aparência, seu estado geral de saúde e sua carga de hormônios, afetou sempre, como é comum em todos nós, meus sentimentos, pensamentos e ações; como eu seria eu sem ele? Se tiver outra vida, estarei em outra realidade e minhas interações e experiências serão outras; passarei a ser outra pessoa? Acho tudo isso muito atraente na verdade, mas ao mesmo tempo muito complexo para fazer sentido.

Uma eu com aparência jovem mas sem corpo, sem livros, sem escola e sem a “pegação no pé” dos meus pais? Minha juventude de volta sem os namoros, sem a curiosidade, o desejo ou a prática do sexo, com suas alegrias, medos, vergonhas e frustrações? Eu jovem sem as festas, sem “encucações”, sem os sonhos de futuro e sem os medos do fracasso? Essa “jovem” seria eu? Quando penso nas tantas possibilidades – tanto da minha vida quanto da vida das outras pessoas – as perguntas são muitas, as dúvidas são todas, as possibilidades de não ser tão bom quanto pode parecer à primeira vista se tornam cada vez mais numerosas. Fica parecendo cada vez mais impossível que realmente possa existir essa tal vida após a vida da maneira que as pessoas que acreditam nessas coisas costumam afirmar que existe.

Não é por teimosia que não acredito (pelo menos eu acho que não é), é porque não encontro respostas que satisfaçam minhas questões, é porque nunca vi nenhuma evidência que pudesse me convencer e, principalmente, porque quando penso no assunto a existência de uma alma ou de uma vida após a morte me parece muitas coisas, todas elas ruins ou no máximo inúteis e improváveis demais para fazerem sentido.

Dizem os que acreditam em espíritos que estamos aqui para evoluir, mas não consigo imaginar qual seria a utilidade dessa evolução e até onde ela chegaria. Evolução para que e até que ponto? Se eu tivesse um espírito, que tipo de evolução esse meu espírito poderia alcançar? Eu chegaria a ser o que mesmo? Um anjo? Uma fada? Uma deusa? Para que eu chegaria a esse ponto? O que eu faria depois disso? Por quanto tempo? Em troca de que e me aproveitando de que situações eu evoluiria? A tal evolução valeria o preço a pagar por ela?

Fico pensando nos horrores que existem nesse mundo, e fico pensando principalmente no sofrimento de crianças. Os defensores da ideia de evolução espiritual dizem que os horrores do mundo servem para a minha evolução, eles afirmam que sofrer e ter conhecimento do sofrimento do outro – para poder ajudar – é parte do meu “aprendizado”. Quer dizer que o sofrimento do outro existe para que eu tenha oportunidade de “ser boazinha”? Então milhões de crianças sofrem e eu, em lugar de me revoltar e de me sentir mal, devo ficar satisfeita porque posso ajudar uma ou outra? O mínimo que posso dizer é que estaria me aproveitado do sofrimento de todas as crianças. Como poderia me sentir bem assim? Acho sinceramente que se um dia eu conseguisse levar meu egoísmo a um grau tão alto a ponto de aceitar o sofrimento de crianças como algo natural e “necessário” por ser "parte do meu crescimento", eu teria INvoluído e não o contrário.

Mesmo com a justificativa comum de que o sofrimento também é "parte do crescimento do espírito dessas crianças" tenho restrições demais: primeiro que a explicação me soa como desculpa esfarrapada e egoísta para não se importar de verdade, e segundo que não vou conseguir aceitar nunca como normal nenhum tipo de sofrimento no qual aquele que sofre não sabe a razão de estar sofrendo. Uma criança muito pequena sofrendo não pode ser parte de um aprendizado, seja da minha “alma” ou da dela. Uma criança sofrendo é apenas um grande horror dentre os muitos horrores de que a vida é feita, e seria uma tremenda injustiça se fosse um acontecimento criado ou permitido propositadamente por um ser transcendental qualquer. Eu me nego, terminantemente, a dar minha adesão a um absurdo tão grande!

A reencarnação – para os que acreditam em reencarnação – tem outro ponto problemático: Renascer em outro corpo e sem a memória do corpo e da vida anterior – como defendem muitos espiritualistas – seria um absurdo de injustiça e implicaria em uma matemática tremendamente ilógica. Seria injustiça porque cada um “pagaria seus pecados”, “corrigiria seus erros” ou “repararia suas falhas” sem se lembrar de tê-los cometido. Seja qual for a nomenclatura, não consigo imaginar de que forma isso poderia servir como aprendizado para alguma coisa. Como alguém pode usar o que aprendeu em uma situação para agir melhor numa outra situação parecida se não se lembra de ter vivido aquela situação e de ter aprendido algo com essa experiência? Na hipótese de as coisas acontecerem mesmo dessa forma, o mínimo que posso afirmar é que essa tal reencarnação, se houver um ser superior qualquer envolvido, parece mais uma demonstração de sadismo, uma armadilha perversa ou, no mínimo, uma piada de mal gosto do que qualquer coisa semelhante a evolução ou a justiça.

Seria uma matemática ilógica porque se estudarmos os números da população mundial ao longo dos tempos tem uma discrepância grande demais, teríamos que imaginar uma linha de montagem fabricando almas novas porque o número de pessoas aumenta muito, e isso mais parece piada do Monty Python. Tudo bem que os defensores dessa ideia ao longo dos anos descobriram outras formas de “resolver” esse problema, muitas vezes com base em descobertas científicas. Um exemplo disso é que antes de se pensar e de se estudar outros planetas como possíveis mundos de alguma forma semelhantes à Terra, ninguém dizia que espíritos renascem em outros planetas, hoje é comum fazerem isso embora eu ainda não tenha lido ou ouvido nenhuma história de alguém que alegue ter lembrança de uma vida anterior e de essa vida anterior ter acontecido em outro planeta. As vidas anteriores “recordadas” são sempre de algum lugar e época aqui da nossa história mesmo, e geralmente dos lugares e épocas mais conhecidos e citados nos livros escolares.

A mim todas as histórias parecem fantasias, ilusões, imaginação ou alucinação, mesmo que, em muitos casos, as pessoas que “viveram” essas histórias realmente acreditem nelas. Na maioria dos casos que ouço não duvido das pessoas, duvido da veracidade de suas histórias, da mesma forma que duvidaria se fosse algo que acontecesse comigo mesma. Se eu tivesse uma experiência do tipo “espiritual” a primeira coisa que faria seria duvidar, portanto, não dou às pessoas mais crédito do que daria a mim mesma. E, à parte as “experiências”, existem as muitas explicações que os “estudiosos de fenômenos espirituais” dão a elas: todas as explicações “lógicas” que leio ou ouço a mim ficam sempre parecendo invencionices, “convincentes” e “convenientes”, criadas para responder o que não tem resposta. Mesmo quando tenho a forte impressão de que os estudiosos não estão mentindo, acho muito difícil dar crédito a eles, penso que, muitas vezes de forma involuntária e até inconsciente, essas pessoas estão usando, selecionando e adaptando conhecimentos para justificar sua crença e não para questioná-la.

Como estou escrevendo esse texto mais como um compêndio de “achômetro” do que como qualquer coisa que possa parecer um texto filosófico ou científico, sei que muitos vão usar o argumento de que não tenho conhecimento do tema e me aconselhar a estudar profundamente essa “ciência” antes de fazer meus julgamentos, ainda mais depois de eu ter ousado falar dos estudiosos que, como cientistas, dedicam anos de vida a esses estudos e pesquisas. Alguns vão relacionar livros e links que me ajudarão a conhecer só um pouco do que eles conhecem, porque muitos realmente estudaram esses fenômenos durante anos. Acreditem, já passei por isso e aos que pretendem me aconselhar profundos estudos, ou estudos “sérios”, minha resposta é essa: Tenho mais de um amigo que acredita que astrologia é ciência, que tarô é ciência. Falam das influências de um planeta "na casa" de outro planeta, de uma constelação ou do sol, e usam tantas expressões que para mim são absurdas com a seriedade de quem está falando de geologia ou medicina. Não tenho dúvidas de que para eles aquilo tudo é ciência. Mas eu SEI que não é!

Tenho mais de um amigo que acredita que somos visitados e abduzidos por extraterrestres que nos estudam com seus instrumentos avançados e suas mentes superiores. Eles argumentam com "fatos" históricos e "científicos" para eles incontestáveis. E tenho mais de um amigo que acredita em tarô e fala das cartas, seus símbolos e seus dignificados da forma mais séria, afirmando que é ciência. Tenho mais de um amigo que faz meditação, conhece tudo sobre as "filosofias orientais", diz que a ciência milenar dos povos orientais é muito superior à nossa “reles e materialista ciência ocidental”. Todos eles dizem que é preciso estudar muito para entender os "mistérios" da crença "científica" que defendem. E tem os meus amigos espíritas que afirmam que espiritismo é ciência e é preciso estudar. Como nenhuma dessas "ciências" vale mais para mim do que as outras, qual eu deveria estudar? Acho que vou ficar com a "reles e materialista ciência ocidental", pelo menos ela eu uso no dia a dia e sei que funciona. Afinal, eu a estou usando agora para escrever esse texto. Por que vou “estudar” essas “ciências” todas, ou qualquer uma delas, em lugar de estudar algo que realmente É ciência? Por que eu passaria horas e mais horas debruçada sobre mapas astrais, cartas “psicografadas” ou compêndios “antigos” sobre as cartas e runas do tarô se posso passar esse tempo lendo Stephen Hawking, Carl Sagan, um bom livro de história ou de filosofia? A vida é curta demais para que eu perca parte da minha “estudando” coisas que não me interessam e não fazem nenhum sentido para mim, principalmente quando tenho bases muito confiáveis para não me interessar por tais coisas.

E as questões não param: Se, de acordo com os espíritas, estamos reencarnando para evoluirmos por que cargas d'água não evoluímos? Em muitos casos os que defendem a reencarnação buscam os outros planetas para explicar isso, dizem que as almas mais evoluídas renascem em planetas distantes. Essa explicação gera tantas questões que não consigo entender como tantas pessoas conseguem aceitá-las: Quantas almas afinal existem? Até onde chega essa tal “evolução”? Em que planeta começou? Com que objetivo existem essas etapas evolutivas? Por que a população de almas não evoluídas, ou no estágio em que estamos, aumenta tanto? Vamos, em um futuro distante, descobrir um planeta povoado por nossos ancestrais reencarnados? Eles se lembrarão de nós? Quando teremos contato com as primeiras almas que chegaram ao ponto máximo de evolução? Elas agora são deuses? Então existem muitos deuses! O que eles estão fazendo agora?

Por aqui não parece haver nenhuma grande evolução; nada se tornou melhor de uma forma que não pudesse encontrar explicação perfeitamente plausível nessa sequência de uma mesma e única vida de cada pessoa que nasceu e morreu desaparecendo para sempre ao longo da história. Nesse nosso mundinho não se pode apontar nada que remotamente se pareça com algum tipo de interferência benéfica das tais “almas evoluídas”, exceto um ou outro gênio ou grande humanista que, quando a gente olha bem de perto, descobre que foram humanos exatamente como nós, ou seja, mesmo a existência dessas pessoas especiais pode ser explicada de forma natural, sem que seja necessário buscar explicações transcendentais. Portanto, não parece ser para cá que as tais “almas evoluídas” vêm. Afinal, na essência, o ser humano é tão "desumano", tão absurdamente violento e mau como sempre foi. Se, com essa nossa vida efêmera, somos apenas uma parte do todo, ou uma “etapa do caminho”, cadê o resto?

Outro ponto muito importante para mim é que todas as crenças em almas, espíritos, vida após a morte que tenho visto estão sempre atreladas à crença em um determinado deus e, inclusive, colocam a tal vida eterna como sendo uma dádiva de deus. Acontece que sou ateia. Fica muito difícil uma ateia acreditar em algo que envolve diretamente a existência de deus. Os espíritas falam em deus e em Jesus; os evangélicos também falam em Jesus e em deus; os católicos falam em Jesus, nos santos e em Deus; os umbandistas falam em deus, em Jesus e em diversos santos. Como não acredito em deuses ou em santos, não tem como aderir a essa ideia. Mesmo os budistas, que creem em outras vidas desvinculando essa crença da clássica ideia de deus, não me parecem fazer sentido entre outras coisas porque eles também, pelo que sei, não explicam, de forma que faça sentido, até onde vai essa tal evolução e para que ela serve.

Sou ateia e, além de ser ateia, sou uma ateia convicta de que, se estivesse enganada e existisse um deus, eu preferiria manter a maior distância possível dele. Para muitos a vida após a morte teria o objetivo contrário ao que seria minha vontade: eles querem viver para sempre com e para deus. Eu realmente não acredito, mas se, contrariando toda a lógica desse e de qualquer mundo, eu estiver errada e essa tal vida após a morte existir incluindo nela o “prêmio” de passar a eternidade ao lado de “Deus pai todo poderoso criador do céu e da terra”, espero sinceramente que nenhuma das minhas ações praticadas ao longo da vida nunca seja suficiente para me tornar merecedora disso que, para mim, seria um castigo medonho. Não consigo imaginar uma possibilidade de deus que eu respeitasse e não consigo imaginar nenhuma possibilidade de explicação que um deus pudesse me dar e que me faria perdoá-lo por ter criado o mundo do jeito que o mundo é. Portanto, não consigo me imaginar ao lado de tal ser se não como tortura, e acho que nem eu mereço um castigo tão terrível.

Existe também uma teoria segundo a qual passaremos novamente pela mesma vida que vivemos antes, toda ela, novamente e exatamente igual. Essa teoria me parece ainda menos válida ou possível, principalmente porque existem duas possibilidades que vejo como igualmente inviáveis: ou teríamos consciência da vida anterior e, nesse caso, provavelmente faríamos outras escolhas e teríamos vidas diferentes, ou não nos lembraríamos de nada e essa hipótese me leva a perguntar qual seria então a vantagem ou o sentido dessa repetição; eu poderia agora mesmo estar vivendo exatamente essa mesma vida pela milésima segunda vez e não saber disso, em que esse “revival” poderia ajudar na minha “evolução espiritual” afinal de contas? E como seria “a mesma vida”, na prática, se não me lembro de nada? Acho que se eu não me lembro, então não aconteceu, ou equivale a não ter acontecido. Então, não há vantagem, tortura, alegria ou tristeza nisso. Não há nada. Mas acho que essa hipótese não foi levantada pelos espíritas e sim pelos filósofos – Nietzsche se não me engano -, então é melhor esquecer por enquanto.

Mais um ponto: Os que defendem a vida após a morte com esse "aprendizado" - ou "evolução" - envolvido geralmente evitam falar a respeito de como ficariam os animais: Que são eles? Eles também evoluem? Existe um planeta habitado por espíritos animais evoluídos? Um dia fomos animais? Em que ter sido ou passar a ser um animal pode ajudar uma pessoa se somos em muitos casos tão diferentes? Não consigo, desculpem mas não consigo pensar seriamente na hipótese de que um dia fui, por exemplo, uma giárdia e que essa vida me ajudou a “evoluir” até chegar ao estágio “espiritual” em que estou. Quando falam sobre os animais fica muito mais sem sentido do que nos argumentos que envolvem apenas os seres humanos. Essa omissão e esses argumentos de “pé quebrado” me parecem um indício muito forte de que não existe nada mesmo; isso porque, na minha opinião, explicar de forma convincente como ficariam os animais – principalmente os menos “bonitinhos”, como as baratas e os vírus – cria uma gama de embaraços muito grande para essas teorias. De repente posso estar falando besteira e pode ter alguma teoria espírita que tenha conseguido detalhar esse aspecto e eu não a conheço, mas pela pesquisa rápida que fiz em sites espíritas, não encontrei nada que fizesse sentido de verdade.

E, finalmente, tenho uma outra justificativa que está mais para brincadeira do que para um argumento sério mas mesmo assim acho que vale uma "analisada": Ando pensando já faz algum tempo em como seria terrível se de verdade acontecesse o que muitas pessoas afirmam sobre existir vida após a morte. Imagina a cena: Você morre e tem alguém lá do outro lado te esperando, depois chegarão outros e você vai se encontrar com todas as pessoas com quem conviveu e teve laços de amizade, amor, parentesco enquanto estava vivendo essa vidinha besta aqui na terra.

Acontece que, pelo que eu entendi, se é que entendi alguma coisa dessa ideia de vida após a morte, do outro lado você é um espírito de luz, você se livrou do seu corpo e, junto com ele, se livrou também de uma porção de coisas negativas que são inerentes à raça humana. Você está um degrau acima para se tornar um espírito puro, você está evoluindo, é um candidato a alguma coisa de suprema-pureza que não consigo fazer ideia do que seja. Mas, enfim, você está lá, com seu pai, sua mãe, seu primeiro namorado, seus filhos, seu marido, todas as suas melhores amigas desde aquela da escola primária até a do asilo, e todos são espíritos de luz candidatos a se tornarem um super-espírito-puro, seja lá o que isso for. Rapazes! Por favor, pensem nesses parentescos e relacionamentos que citei acima masculinizando ou feminilizando as pessoas de acordo com o que se adequar mais ao que foi (ou terá sido quando isso acontecer) a sua vida.

Imagino que, nessas condições não possa haver mentiras, meias-verdades, disfarces, segredos; e mais, imagino que o segredo seu que todos saberão não é aquele que você contaria e do jeito que você contaria, é todo e qualquer segredo; seus atos e pensamentos mais profundos. Todos vão saber as condições, o momento e o que você pensou e sentiu em cada situação da sua vida, tudo aquilo que você guarda só para você e que não diria nem sob tortura a nenhum ser humano do planeta os “candidatos a espíritos de luz” e os “espíritos de luz PHD” saberão. Ou será que você não tem nada a esconder? Nada mesmo? Nenhum pensamentozinho insidioso num momento de fraqueza? Nenhum “Foda-se, ninguém tá vendo mesmo!” naquele dia em que você estava sozinha em casa ou trancada no banheiro? Nunca se arrependeu de algo que sentiu e depois jogou aquilo debaixo do tapete-daquilo-que-não-deve-jamais-ser-levantado?

Não vou fazer uma lista de possibilidades aqui porque não quero constranger você e porque não quero me entregar que também sou humana, mas acho que ninguém escapa dessa; e isso não é verdade só para nós, mulheres. Pensem comigo, garotos: nada a esconder?

Das duas uma: ou eu sou uma anomalia, uma “freak”, uma aberração da natureza, ou todos nós temos os nossos segredinhos inconfessáveis por menos danosos que sejam. Acho que a segunda opção é a verdadeira, mas você pode tentar me desmentir se quiser.

Tenho segredos que não contaria A NINGUÉM nem sob ameaça de morte (acho que todos temos) e se com essa coisa de "alma" eu tiver que me tornar "transparente", abro mão de qualquer privilégio pós morte rapidinho para conservar meus segredos bem guardados!

Podemos ser boas pessoas, respeitar e valorizar os amigos, a família, a sociedade, as leis; podemos ter passado pela vida sem cometer nenhum crime, sem nunca prejudicar propositadamente qualquer pessoa. Mesmo assim não sairíamos por aí dizendo tudo, tim-tim-por-tim-tim, o que fizemos, pensamos e sentimos em todos os momentos da nossa vida.

Como aceitaríamos fazer isso depois de mortos e para todas as pessoas que tiveram alguma importância para nós? E ainda – com a possibilidade de que isso aconteça assim – diante de todas as pessoas e ao mesmo tempo. Dá para pensar em algo mais constrangedor? E ter que ouvir, ou saber de alguma outra forma, todos os “segredinhos sujos” dos seus pais e dos seus filhos? Por favor, escondam minha cara! Acho que se a coisa andar por esse lado a tal vida depois da morte perde muitíssimo do seu charme, não perde não?

Mas, pensando e “caraminholando” sobre o assunto, eu quis nos livrar disso e tentei encontrar uma saída: E se a gente não precisar ser transparente para todo mundo do lado de lá? Podemos restringir essa abertura plena e irrestrita da nossa pessoa a um único ser, por exemplo um outro espírito, mais evoluído que nós e que estaria, nesse caso, como uma espécie de orientador da nossa "caminhada evolutiva".

Ou, se você é religioso e prefere ele, então que esse ser mais evoluído seja Jesus, o espírito mais evoluído de todos os espíritos evoluídos que possam existir (é o que dizem...). Então tá! Só ele vai saber todos os seus segredinhos sujos. Ainda assim ficou um sentimentozinho de “sem-graça” não ficou mesmo? Em mim ficou, eu juro. E olha que nem acredito nesses espíritos evoluídos todos!

Mas quer ser mais restrito ainda? Tá bom: vamos supor então que seja deus, que exista deus e só ele tenha pleno conhecimento da sua personalidade na íntegra. Será que agora dá para encarar uma vida depois da morte e, mais ainda, uma vida depois do esclarecimento total e completo de que alguém além de você sabe TUDO?

Bem, não posso falar por você nem por ninguém, mas garanto que a correr esse risco eu prefiro que não exista vida nenhuma depois da morte. Se puder escolher abro mão, por melhor que seja e sem pensar duas vezes, de qualquer possibilidade de vida após a morte para poder conservar e levar comigo (e só comigo!) para o nada, a minha privacidade. Por mais que eu desconfie seriamente que meus segredos são tão insignificantes que fariam a maioria das pessoas comuns rirem ou bocejarem e que provavelmente fariam o mesmo com um “ser de luz” qualquer, esses são os MEUS segredos, quero e exijo o direito de guardá-los só para mim. Por nada nesse mundo ou fora dele eu aceitaria abrir mão da minha privacidade!

Daí, pensando nisso tudo, me parece bem mais interessante minha mente voltar ao nada que foi até que comecei a existir como eu, é bem melhor que meu corpo se dissolva espalhando os elementos que o compõem pelo mesmo ambiente de onde esses elementos vieram para formá-lo. O ciclo da vida me soa muito mais poético do que ter que justificar o sofrimento de crianças para uma teórica "evolução" da minha (ou de qualquer outra) "alma" até um ponto que não sei qual seja e que duvido muito que me interesse.

Na prática, acho que morrer deve ser muito legal. Sinto até uma certa ansiedade para que que isso aconteça, como quem antevê o que sentirá quando chegar o dia de fazer aquela viagem previamente marcada para um país que não conhece. O mergulho no nada eterno me parece fascinante! Terrível seria o céu cristão: Sentar à direita do deus bíblico me apavoraria! Como o pós vida das outras religiões também não me agrada, penso que saber que só o nada está do outro lado é uma das muitas vantagens de ser ateia.

Não me incomoda deixar meu filho e não me incomoda deixar meu neto porque sei que isso é natural, então não me incomoda. Sei que não sentirei falta deles porque serei nada e o nada não sente, então isso me tranquiliza muito: nenhum aperto de saudade, oh, delícia! Meu filho provavelmente sentirá minha morte, e meu neto talvez sinta alguma coisa também, não sei, mas a dor vai passar logo porque é normal a mãezinha ou a vovozinha velhinha morrer. A dor amaina mais rápido diante do natural.

O que não quero mesmo é morrer antes da minha mãe, ela sim teria uma dor maior – a maior de todas as dores na minha opinião – e nisso sim, dói em mim pensar. Da mesma forma e pela mesma razão, não quero morrer depois do meu filho, como nenhum pai quer embora tantos passem por essa tortura. Seguindo a ordem natural, a morte me parece muito boa, muito tranquila, muito agradável. O único medo que me sobra é o medo da dor, a dor que pode anteceder a morte caso ela venha por uma doença ou acidente sério; por isso, tudo o que desejo é que tenha muita morfina se eu precisar.

Enfim, acho que quando a gente morre a gente acaba e pronto. Fim, fin, fini, ende, the end, final, ACABOU! Não sobra nada, exceto alguns quilos de matéria destinada a voltar para a “tabela periódica dos elementos” à disposição da natureza para ser outra coisa, ou parte de outra coisa. Com o tempo, até a lembrança de quem fomos desaparece total e completamente. Pode ser difícil de aceitar, mas é o que parece mais lógico.

Como conclusão – agora mesmo! - preciso avisar que, embora não tenha medo nenhum, também não tenho nenhuma pressa de morrer. Ainda tenho muitos livros pra ler. Já contei que AMO ler?

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