26 de setembro de 2020

UM ASSUNTO MUITO SÉRIO

Estava vendo agorinha mesmo uma reportagem sobre doação de órgãos. Esse tipo de reportagem sempre tem como objetivo incentivar as pessoas a serem doadoras e/ou noticiar a queda no número de doações por alguma razão. A que acabei de ver noticiava a queda de doações por causa da COVID. Como não podia deixar de ser.
O que acontece nessas reportagens é que eles entrevistam pessoas que precisam de algum órgão e pessoas que receberam algum órgão. Os que precisam estão literalmente morrendo, e sofrem, juntamente com suas famílias, inúmeras restrições, necessidades, medos e dores. Eles falam também da esperança de receber o órgão de que necessitam e de voltarem a viver normalmente. Muitas vezes falam em deus.
Os que já receberam um órgão falam de como agora conseguem fazer coisas simples que há muito não conseguiam fazer, como se alimentar e caminhar, e falam de sua felicidade e da gratidão que sentem por terem conseguido essa segunda chance. Muitas vezes falam em deus.
Eu fico muito abalada sempre que vejo essas reportagens! Meus sentimentos são intensos e confusos. Me sinto muito triste e comovida pelas pessoas que sofrem, me sinto feliz por saber que a medicina está avançada a ponto de conseguir devolver a vida a tantas pessoas. Mas ao mesmo tempo não consigo entender a gratidão a deus nem a felicidade das pessoas que receberam órgãos.
Eu me coloco no lugar dessas pessoas e tenho consciência de que, se acontecesse comigo, meus sentimentos seriam muito confusos e quase angustiantes porque eu não conseguiria me sentir feliz sabendo que estou viva e bem porque alguém morreu. Provavelmente uma pessoa jovem, que deixou mãe, ou filho, uma esposa ou marido, amigos, sonhos e futuro. Alguém cuja morte será sofrimento sem consolo para alguma pessoa. Alguma pessoa que provavelmente, mesmo e apesar da dor da perda de quem ama, teve a coragem e a força de tornar possível que uma parte dessa pessoa salvasse minha vida, enquanto ela continuará sofrendo.
Acima de tudo o que eu sentiria é que estou viva porque alguém morreu! E não conseguiria me sentir feliz, aliviada e menos ainda tão grata. Como poderia agradecer por alguém ter morrido?
E se me atrevo a ir mais longe e me coloco no lugar de uma pessoa da família de quem precisa de um órgão, pensando em como me sentiria se isso acontecesse com alguém que eu amo e não comigo, meus sentimentos ficam ainda mais confusos, estranhos, difíceis e angustiantes.
Se pudesse pedir algo à sorte e ao acaso que nada podem e nada fazem, pediria para nunca passar por isso como paciente. E menos ainda como familiar de um paciente, porque eu sofreria vendo quem amo sofrer pela falta do órgão de que precisa, e sofreria por me sentir feliz e culpada ao ver essa pessoa recuperada graças à morte de alguém que alguém perdeu.
Sou muito estranha. Acho que o melhor para mim, caso venha a ter uma dessas doenças séria, seja morrer na fila.

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