2 de novembro de 2020

MEU REBOLADO

           Quando era jovem eu rebolava “indecentemente” ao caminhar.

          Como nunca pude me ver andando, não sei como era esse rebolado, sei apenas o que ele causava nas pessoas porque frequentemente recebia, como uma agressão muito doída, a reação delas.

          Diziam que meu rebolado era provocativo como se eu estivesse “convidando” e aparentemente a ninguém nunca ocorreu que meu “rebolado indecente” não era voluntário. Eu explicava isso para as pessoas que conhecia, mas não tenho como saber quantas delas acreditavam em mim.

          Toda mulher jovem ouve assovios e palavras “elogiosas” praticamente todas as vezes que sai de casa. Quanto mais bonita, mais frequentes e mais “entusiastas” costumam ser essas “homenagens” que ela ouve. Eu ouvia bem mais do que “merecia” porque meu rebolado “dizia” a eles que eu queria muito ouvir aquilo e que quanto mais palavras de baixo calão eles conseguissem usar mais feliz eu ficaria.

          Quando em grupo era comum dizerem uns aos outros coisas como: “É magrela, mas sabe mexer”, “Olha como ela rebola mais ainda quando a gente nota!”, “Vem cá menina, rebola assim em cima de mim!”. E eu passava sem olhar tentando desesperadamente não rebolar, o que fazia com que eu rebolasse ainda mais e fazia com que concluíssem que eu estava gostando dos “elogios” e tentada pelos convites.

          Às vezes era um casal que passava por mim e o que eu ouvia era a voz da mulher “Quer parar de rebolar pro meu namorado, sua vagabunda?”.

          Quando a gente não pode evitar, é obrigada a aceitar. Com o tempo concluí que o melhor a fazer era “fingir de surda” e parar de me esforçar para não rebolar, já que ficou bem claro que eu só conseguia piorar as coisas.

Não sei se ainda rebolo, tenho a impressão de que não mais. Talvez eu tenha conseguido de alguma forma começar a mudar minha passada depois da gravidez. Sei que depois que tive meu filho os constrangimentos foram diminuindo aos poucos, mas pode ser apenas que ninguém mais repare no meu jeito de andar. Afinal, quem perde tempo olhando como uma velha caminha?

          Um episódio emblemático foi o dia em que fui à Ford de São José dos Campos, enviada pela empresa de autopeças em que trabalhava para fazer um trabalho de inspeção de qualidade e tive que andar por um corredor que seguia ao lado de uma das linhas de montagem. Eu estava com o motorista da empresa, que foi mandado para me acompanhar até lá, e segundo a ironia dele “Você parou linha!”.

Não fiquei olhando para os homens que trabalhavam na linha, só ouvia os assovios, os convites, as risadas. Eu estava “escoltada” e atrás de uma parede de vidro, portanto, sabia que não corria risco, então me ri com o motorista como se estivesse me divertindo muito com a “atenção dos rapazes”.

O motorista contou que já tinha feito esse mesmo trajeto com outra menina que trabalhava na empresa e que eu achava muito bonita e disse que “Ela é muito mais “gostosa” do que você, mas não teve nem metade dessa atenção!”.

          Quando conheci meu neguinho ele disse que talvez eu tivesse algum problema ortopédico que me fazia mover o corpo daquela forma, mas só fui consultar um ortopedista pela primeira vez quando já tinha 40 anos e tive os primeiros sintomas da fibromialgia, que foram dores em um pé e depois no outro. O que o ortopedista disse foi que tenho aquele “arco” da sola do pé muito acentuado. Ele quis me operar, mas enquanto eu tentava decidir se ele estava preocupado com a minha saúde ou com a grana que receberia pela cirurgia, as dores foram “se espalhando” pelo corpo todo e tive que procurar outras opiniões.

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