26 de junho de 2020

HI-SOÇAITE

O batom era rosa-forte
Quando a boca se movia
O batom falava
- Tanto de nada dizia!

A sombra era azul-bem-clara
Quando os olhos se moviam
A sombra enxergava
- Era tanto de nada que via!

O pó marrom-clacê
Cobria da pele as falhas
Quando o rosto se mexia
O pó-compacto expressava
- Expressão tão plástica ficava!

E havia o perfume
“Gloriosa composição
Com notas de chipre
mais essências florais
E um leve toque amadeirado”
Quando o corpo deslizava
Pelos salões elegantes
O perfume deixava ver
A sombra de nada
A esvair-se no ar

Roupa de grife
“Alta costura Prêt-à-Porter
O vestido que rebola sozinho”
O que está dentro
Quem quer ver?

O sapato de marca
“Scarpin legítimo italiano”
O pé que quase não andava
Quando pisava as almas humildes
Só “vestia” do melhor

A bolsa Louis Vuitton
Comprada em Paris
Champs Elisée...
Igualzinha as imitações!
Carregava a chave
Do apartamento vazio

Nas fotos da revista Caras
Nas colunas sociais
Lá estava o nome sem pessoa
O adjetivo sem sujeito
As marcas, as grifes
Os vazios que se uniam
Para definir ninguém

E agora o obituário
Um quadrado negro entre vários
Traz nomes, mentiras
E definições de genealogia
O fim do conjunto batom
Sombra, pó, perfume, grife
Que pelas colunas fluía
Todas as marcas que esculpiam
Aquele nada ambulante.

Nenhum comentário: