28 de junho de 2020

UM HOMEM PRETO

Ele é preto
Tem a pele uniformemente preta
O corpo esguio e os olhos tristes
Seu sorriso é brilhante
Mostra os dentes claros
E a sonoridade cristalina
Das músicas da natureza
Pena que esse sorriso seja raro
Ele é lindo!
Sempre foi lindo
Desde o dia em que nasceu
Pequenino e forte
Em uma casa humilde
De um bairro humilde
Na periferia de uma cidade grande
Dominada pela força do dinheiro
Da moeda fria que não julga
E nada sabe de justiça
A cidade com seu concreto
E suas árvores magras
É habitada por homens
Que se julgam predestinados
À superioridade
Pela cor da pele
E a pele deles é branca
Não branca como a folha de papel
Onde cabe a poesia
Mas branca como a mentira da omissão
Que engana até mesmo olhos
Que não são daltônicos
E pelo orgulho infundado
Pela irracionalidade mal disfarçada
Eles não podem ver a beleza
Dessa pele preta
Não conseguem ouvir a sonoridade
Desse sorriso
E foram eles que plantaram
A tristeza nesses olhos
Desde muito pequeno
Ele ouviu dizer de si mesmo
Que é preto, que é feio, que é sujo
Desde muito pequeno ele foi
Muitas e muitas vezes
Convidado
Sem nenhuma gentileza
A se pôr “no seu lugar”
Muito cedo o fizeram entender
Que seu lugar era sempre o de baixo
Apostando uma corrida injusta
Ele vem de lá de trás
De onde traz a força
Que é minada pela injustiça
A inteligência
Que é abafada pela necessidade
A coragem
Que é suplantada pela opressão
E é assim que ele vai crescendo
E sendo lindo
De uma beleza envergonhada
Que se desconhece
Que não se vê no espelho
Porque não há olhos
Que a espelhem como real
Um dia ele passa pela rua
Empurrando um carrinho de pedreiro
O peito sem camisa
Veste-se de suor
E o hábito da humildade
Faz com que mantenha a cabeça baixa
Quisera, ah, quanto quisera!
Que esse homem tivesse um filho
Preto e lindo como ele
E que esse filho pudesse ter
O direito que roubaram do seu pai
O direito de ser
Desde sempre
Olhado, tratado, pensado e visto
Como gente.

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