Como
todo mundo, recebo lembranças de religiosidade direta e indiretamente em todas
as formas e por todas as vias de comunicação e praticamente em tempo integral.
A diferença, e assumo minha culpa por isso, é que muitas delas me irritam, me
aborrecem, me revoltam, acionam em alto e bom som o meu alarme “antiestupidez”.
Daí eu fico brava, respondo e pode acontecer de amigos ficarem ofendidos.
Desculpem, mas sou sempre tentada a responder mensagem muito estúpidas. Se não
foi você quem criou, na minha opinião, minha resposta pode ajudar você a
perceber a estupidez e não cair mais nesse tipo de conversa; se for você quem
criou, acho que ajuda mais ainda: você pode perceber a estupidez, apagar a
mensagem e não repetir esse tipo de asneira. Pode parecer pretensão, talvez
seja, mas acho que realmente estou prestando um serviço.
Exemplos
são fartos, como aquela historinha do menino que faz xixi na roupa em plena
aula. Depois de pedir a deus que o salve, ele é salvo, não por deus mas por uma
coleguinha de classe, uma menina que teve a sensibilidade de perceber o que
acontecia e a inteligência de simular um tropeço e derramar um copo d’água
sobre o menino para criar uma situação que o livrasse do vexame. E ela explica
a ele, depois, que fez isso porque já passou por essa situação uma vez e sabe o
quanto é desagradável. Acontece que o gesto nobre da garota é recompensado com
desprezo e ofensas vindos dos outros alunos, que a acusam de não saber fazer
nada direito e a afastam por ter sido “desastrosa”. O menino salvo agradece a
deus. Não faz nada para ajudar a menina que o salvou; não mostra a nobreza
dela.
A
pessoa criou a mensagem colocando lindas fotos, musiquinha adequada e palavras
de fé alertando-nos para a “bondade” do deus que atendeu a oração do
menino e livrou-o do sofrimento; mas essa pessoa parece não ter pensado um
segundo sequer na garotinha que passou por situação constrangedora DUAS VEZES,
mesmo tendo ela, embora tão pequena, mostrado o melhor caráter que se pode
esperar de um ser humano. Será que esse ser religioso ao ponto de cegueira não
se deu ao trabalho de sequer considerar a menina só porque a história não diz
que ela tenha rezado em algum momento?
É
esse tipo de cegueira racional que leva pessoas que se acham boas e santas a
cometerem crimes, agirem com injustiça, desprezarem os melhores e mais nobres
valores humanos. Foi esse tipo de mentalidade estreita que mostrou ter o tal “bispo
excomungador”; que líderes religiosos visivelmente estão mostrando ter
quando abominam os homossexuais, condenam o uso de preservativos e MENTEM
afirmando que camisinha não evita AIDS; é esse o tipo de mentalidade estreita
que os líderes religiosos mostram ter quando continuam pedindo dinheiro aos
fiéis, e é o que os próprios fiéis mostram, até sem o notar, quando em lugar de
ajudar uma criança a sair da rua aprovam a pena de morte e ajudam a engordar a
fortuna desses líderes ladrões.
Se
me revolto com essas mensagens, quero crer que tenho motivos mais do que
justificados. Ao longo dos anos tenho visto uma crescente intolerância que me
preocupa sinceramente. A razão da revolta é a percepção de que as pessoas se
recusam a pensar e, o que é muito pior, ensinam as crianças a não pensar. Vejo
em sala de aula, aluninhos de quinta série, ofendendo colegas por causa da
religião com palavras e frases que não são deles, que ouviram em casa dos pais
e na igreja do padre ou do pastor. Algumas dessas crianças me olham como se eu
fosse um extraterrestre quando digo que não tenho religião.
Quando
trabalho com o tema preconceito eles são rápidos em citar a bíblia para afirmar
que “Se encontro um “viado” na rua eu caceto mesmo!”, “Pode descer a
lenha sim, professora, deus não gosta dessa gente, tá na bíblia!”. É só
permitir uma conversa a respeito da homossexualidade que qualquer professor
corre o risco de ouvir frases desse tipo, pronunciadas por alunos desde as
primeiras séries do ensino fundamental até os já adultos nas aulas do EJA. E o
mais terrivelmente assustador é que se levantar o problema na sala dos
professores, pode ouvir frases semelhantes dos próprios colegas. Estou falando
isso porque eu as ouvi, não inventei as frases acima, são apenas dois exemplos
de frases que ouvi de alunos na minha sala de aula. O triste é que a grande
maioria dos trabalhos abordando preconceito desenvolvidos nas escolas ainda
exclui qualquer menção à homofobia e principalmente à transfobia.
Textos
do tipo dessa mensagenzinha idiota que citei acima costumam ser usados nas
escolas, por professores de ensino religioso e pela direção e coordenadoria. Eu
o vi pela primeira vez em uma reunião de professores. As pessoas não pensam. Eu
não entendo por que pessoas cultas, inteligentes e boas se recusam a pensar
quando o assunto é religião. Em nome de um “amor a deus”, de uma
adesão irrestrita ao que afirmam ser a “verdade”, as pessoas esquecem o
simples e básico sentimento de respeito ao próximo; e nem sequer se dão conta
disso!
É
comum, quase obrigatório, afirmar que não podemos falar mal de religião, que
não se pode criticar qualquer crença ou manifestação religiosa. Não podemos nem
sequer reivindicar o direito básico de ter um estado realmente laico como está
definido na Constituição. Qualquer tentativa de mostrar que escola pública é um
órgão público, nem mesmo pela redundância é levada a sério. Lá se faz orações
no pátio com os alunos, se abriga missas e cultos evangélicos a propósito de
qualquer coisa, se abarrota os quadros de avisos com imagens de santos, Jesus e
coisas do tipo acompanhadas de orações e trechos bíblicos. E temos que achar
tudo muito lindo, muito educativo e muito bom!
E
os professores de ensino religioso comemoram o “dia da bíblia” mas nem sabem se
existe um “dia do alcorão”, comemoram
com orações o dia da páscoa ensinando aos alunos seu valor religioso e até
desprezando o apego ao chocolate como sendo um pecado contra o “verdadeiro
sentido da data” mas não falam nada sobre o dia de jogar rosas no mar em
homenagem a Yemanjá. Aliás, muitos desses professores nem citam o candomblé
como religião; ou ignoram totalmente, como se não existisse, ou falam que é “coisa
do capeta”. Mas, apesar disso, tente alguém dizer que não aprova a
existência dessa disciplina! no mínimo será acusado de estar tentando tirar o
trabalho dos colegas.
Droga,
eu tenho amigas que dão aula de ensino religioso, amigas que sei serem pessoas
maravilhosas, amigas que considero muito e de quem gosto muito, não quero
ofendê-las, não quero magoá-las, não quero fazer com que pensem que tenho algo
contra elas. Mas será possível que não posso mesmo dizer que aulas de ensino
religioso são um retrocesso histórico e deveriam ser ilegais por serem
basicamente inconstitucionais?
Fico
brava! Fico irritada! Me sinto agredida! E não quero, não posso, não consigo
deixar de gritar que odeio tudo isso; mesmo amando do mais profundo da minha
alma os meus amigos que têm suas religiões, ou os que, mesmo sem serem
religiosos, não partilham da minha raiva!
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