O deus de que me falam, por definição,
é um criador todo poderoso e todo bom. Criador, onipotente, onipresente,
onisciente, bom e justo – é o que dizem. Nunca vi ou ouvi alguém que acredita
nele defini-lo de outra forma que não seja essa, basicamente, embora às vezes
com outras palavras. Nunca um crente dos que me falam negaria, na definição do
que seja deus, essas características.
Ele é, tem que ser, poderoso e
bom. Se você perguntar quão poderoso a resposta será “infinitamente”. Se
perguntar o quanto ele é bom, a resposta será “infinitamente”. O deus de que me
falam é, portanto, por definição, infinitamente poderoso e infinitamente bom.
Daí se conclui que qualquer coisa, ser ou entidade que não seja infinitamente
poderoso e infinitamente bom não será o deus de que me falam, ou não será esse deus que estão tentando me
convencer a “aceitar”.
O deus de que me falam é o
Criador, tanto é que muitos usam a palavra “Criador” no lugar da palavra “deus”
para se referir a ele. Esse criador, que é deus, criou o universo, criou o
mundo, criou tudo que vemos e tocamos, criou a nós mesmos. Não há crente que
não afirme com toda a convicção que deus é o criador e que deus criou tudo que
há, dão inclusive como prova palpável da existência desse deus criador as
coisas da natureza que invariavelmente encantam a percepção humana. As flores e
seus perfumes, as aves e suas cores, as frutas e seus sabores seriam provas
concretas da existência e até mesmo, querem alguns, da bondade infinita desse
deus que criou tudo.
Pois bem, se o deus que é por
definição infinitamente poderoso e infinitamente bom criou tudo o que existe –
“Ninguém cria se não Deus”, dizem os
fiéis –, então ele teria fatalmente que ter criado também o mal e o tal capeta,
diabo, canhoto ou do que mais o chamem. Afinal, se o deus de que me falam criou
tudo, se só ele tem o poder de criar, não há como se furtar de ser criador
também do que há de ruim, feio, defeituoso. Venhamos e convenhamos, de acordo
com os crentes, ele criou o homem e o homem, como espécie, é um digno
representante do que se pode definir como ruim, feio, defeituoso.
Acontece que muitos dos que
acreditam em deus afirmam que quem criou o mal fomos nós, os seres humanos.
Sempre que algum atrevido, feito eu, tem a audácia de colocar um crente diante
da questão do mal e do fato duvidoso de o deus que ele afirma ser bom permitir
a existência do mal, a resposta é que o mal não é culpa de deus e sim do homem.
Já ouvi isso centenas de vezes, praticamente não existe outro argumento. Nós
somos responsáveis por todos os males do mundo, inclusive, ironicamente, se a
gente for acreditar no que os defensores de deus dizem, pelos males que
existiam antes da própria criação da raça humana.
É engraçado que esses crentes não
se dão conta de que, quando colocam a invenção do mal sobre as costas da raça
humana, nos dão um poder que antes disseram pertencer apenas a deus: o poder de
criar vida! Eles nos acusam de termos inventado todas as doenças, e
consequentemente, teríamos inventado os vírus, as bactérias, os parasitas, as
falhas hereditárias. Além disso, teríamos inventado também todas as catástrofes
naturais, fomos os criadores dos vulcões, dos terremotos e maremotos, dos
relâmpagos, das secas e das enchentes. Como nos dão poder! Fica engraçado dito
assim, mas não é isso que os crentes estão dizendo quando culpam o ser humano
pela existência do mal?
Somos os responsáveis pela
existência do mal, portanto, seguindo esse raciocínio, o deus de que me falam
não seria, na verdade, o criador de tudo. Tá, tudo bem, ele teria criado o ser
humano que criou o mal, mas, ainda assim, e nem indiretamente, de acordo com o
que dizem os crentes, ele, deus, seria culpado pela existência do mal. Então,
seguindo a orientação dos crentes e, contra todo o senso e contra toda a lógica
racional, tirando essa responsabilidade das costas dele, o deus de que me falam
deixa de ser o criador de tudo o que existe. Como tiraram dele a
responsabilidade pela criação do mal, que é parte do todo, o deus de que me
falam deixa de ser o criador de tudo, ou seja, ele perde uma das características
que o definem. Sem essa qualidade de Criador, que é parte constituinte dele, o
deus de que me falam estaria incompleto, e consequentemente não existiria como
tal.
Quando coloquei esse raciocínio,
antes de me mandar para o inferno, alguns religiosos me informaram de que não
somos responsáveis por todos os males, alguns deles foram criados pelo Capeta.
Ah, então fizemos uma parceria? Nós, os superpoderosos seres humanos, e o
Capeta, Diabo, demônio, Canhoto, (what ever!) nos juntamos e criamos todos os males
sem que o deus onipotente tivesse o poder de nos impedir! Só eu percebo o
quanto o deus de que me falam perde de sua onipotência nesse argumento?
Veja bem, esse criador seria todo
poderoso, ou seja, não há nada, NADA MESMO, que o tal não possa. Mas, além de
não ter impedido que o homem, o Demônio, ou os dois em conjunto criassem o mal,
os crentes afirmam que ele só permite que crianças sejam estupradas nos bancos
das igrejas, que bebês sejam assassinados, que filhas sejam trancafiadas e
abusadas pelo próprio pai por anos seguidos, que pessoas morram de fome, tudo
isso e muito mais porque não pode interferir na vida da gente já que nos deu o
tal do livre arbítrio (algo muito discutível, por sinal). Então lá se vai mais
uma característica: O deus de que me falam não pode interferir, portanto, não
pode tudo. Não pode, então, existir.
Diante desse argumento, já me
responderam mais de uma vez que não é que deus não possa interferir, ele pode
claro uma vez que é onipotente, mas não quer interferir porque isso tiraria
nosso livre arbítrio. Ah, tá! Digo eu, então o deus que é onipotente, que é “O
deus do impossível”, pode tudo, mas não pode interferir impedindo o mal sem que
o livre arbítrio (que sequer existe) deixe de existir? Como é que o ser
TODOPODEROSO não pode porque algo pode impedi-lo? Fala sério... Isso é que é
onipoder?
Continuando: Afirmam que deus é
mais do que bom, é todo bondade, não há nem sombra, nem vestígio, nem migalha
menor do que microscópica de maldade nele. Aí desmoronam-se duas características
de uma vez só. Primeiro, sem nadica de maldade, ele provavelmente não saberia o
que é maldade; sendo tão pura, simples e totalmente bom, o próprio entendimento
do que seja o mal, estaria obrigatoriamente fora do alcance de sua suprema
bondade, daí a onisciência dele já foi pras picas. E, detalhe muito importante:
Como é que um ser sem o mínimo conhecimento do mal poderia criar – a partir do
nada – esse “saco” de maldade que é o ser humano?
Se o deus de que me falam fosse
esse poder todo, poderia ter usado essa bondade toda para criar um mundo muito
melhor do que esse mundo louco onde existem homens que estupram crianças e
padrecos que excomungam os homens que ajudam essa criança e não o FDP que a
estuprou. Mas, argumentam os crentes, esses males são nossos. Deus criou a
natureza e a natureza é linda, é perfeita, é prova concreta da existência, da
grandeza e da bondade de deus.
Acontece que eu tenho mania de
sempre me colocar do outro lado. Não consigo achar lindo um passarinho comendo
um inseto, penso no ponto de vista do inseto. Não sei ver um golfinho com uma
sardinha na boca sem me arrepiar quase sentindo em mim o horror da sardinha...
e vai por aí, não consigo ver beleza em um ser vivo matar outro ser vivo;
simplesmente não consigo achar isso bonito. E muito menos perfeito. Ter criado
esse circo de horrores, mata a definição de deus como um ser todo bondade.
Diante desse fato, o deus de que me falam simplesmente não pode, não tem como
existir.
Para criar do nada absoluto tanta
maldade como a que existe, um ser criador qualquer só poderia ser mau, ou
indiferente, inconsciente e amoral como a própria natureza. Sendo o criador do
mal, esse ser não pode ser todo bondade. Se existe mesmo um tal ser onipotente
que criou tudo isso, ele tem que ser obrigatoriamente, pelo ponto de vista
humano, muito mau e muito sádico. Só assim para criar, entre outros horrores, a
cadeia alimentar, essa coisa sanguinária que me causa tanto asco.
Mas, já me disse mais de um
religioso, “Deus não criou o mundo para satisfazer o seu senso de bem e mal,
de certo ou errado, quem é você para julgar deus? Quem é você para determinar
como um ser onipotente deve agir?” E eu respondo: Quem eu sou? Sou um ser
humano que está sendo acusado de ter criado o mal e se recusa a aceitar essa culpa.
Sou uma pessoa que está sendo convidada a assumir o humilhante papel de serva e
adoradora de um ser onipotente sem que ninguém me dê uma única razão para que
eu aceite esse papel. Se existisse um ser onipotente que quisesse criar todos
os males do mundo, tudo bem, ele poderia e eu não teria como impedir sendo o
nada que sou; mas se esse cara quer ter minha admiração ou, no mínimo, meu
respeito, aí então sim e SIM de novo! EU, euzinha, essa eu que vos fala, tenho
todo o direito de julgá-lo pelos MEUS critérios. E é exatamente isso que faço!
Dizem os crentes que como não
existia NADA ele, o deus de que me falam, aquele deus definido como todo poder
e todo bondade, criou tudo. Repetindo: dizem que ele tem poder ilimitado, ou
seja, poderia ter feito QUALQUER outra coisa, não tinha nenhum limite, não
tinha sequer os limites impostos pelas leis da física, pelas leis da natureza;
afinal, se fez tudo a partir de nada, logicamente fez também as leis da física,
as leis da natureza. Não havia absolutamente nada para impedir que ele fizesse
qualquer coisa, como quisesse e como desejasse. Tudo sairia conforme seus
planos, ninguém para impedir ou mesmo para aconselhar, sugerir, influenciar.
Ele estava sozinho e tinha poder para criar qualquer coisa que quisesse, da maneira
que quisesse, com as regras que quisesse. Tinha inclusive poder para não criar
nada caso não tivesse nenhum plano, nenhuma vontade, nenhum desejo; caso o nada
o satisfizesse.
Para criar tudo que dizem que
criou, o deus de que me falam teria que decidir fazer, teria que imaginar
primeiro, pensar primeiro, planejar primeiro: O que seria criado, quanto teria
de variedade, como suas criações seriam, agiriam e interagiriam. E mais, sendo
onisciente, o deus de que me falam teria que saber, antes mesmo de criar a
primeira de todas as coisas que tenha criado, quais seriam as consequências -
até as últimas consequências - dessa criação; ele obrigatoriamente saberia,
antes de criar o primeiro homem, quantos homens os homens matariam,
torturariam, subjugariam, escravizariam; ele, obrigatoriamente, saberia, antes
de separar o mar da terra, quantos vulcões arrasariam quantas cidades, aldeias,
vilas, famílias e habitats de animais inocentes; teria que saber, antes de
criar o primeiro cervo e o primeiro leão, quantos cervos teriam que passar pelo
horror de terem suas entranhas devoradas ainda com seus corações batendo.
Um criador onipotente e
onisciente, qualquer que fosse, para criar do nada esse mundo que somos e em
que vivemos, teria antes que imaginar, planejar, saber tudo sobre tudo aquilo
que estaria criando. E, decididamente, para imaginar tanto horror a partir do
nada, só não sendo esse deus de que me falam, só sendo algo totalmente
diferente. Um criador onipotente e onisciente não poderia ser esse deus de que
me falam, porque seria um ser doentiamente sádico. Um criador onipotente e
onisciente, caso existisse, não poderia ser o supremo bem, a suprema bondade, a
suprema justiça, teria que ser o contrário disso: o supremo mal, o supremo
sadismo, a suprema injustiça, o próprio mal em tal grau superlativo que nossa
imaginação sequer pode abarcar. E, que me desculpem os crentes no deus de que
me falam, mas nem mesmo o Diabo de que me falam se enquadra na verdadeira e
necessária definição do deus que, caso existisse, teria criado esse mundo,
afinal, esse Diabo de que me falam, de acordo com o que me falam, é também uma
criação, e consequentemente uma prova da suprema maldade, desse criador.
Foi-se, então, a possibilidade da
existência do deus de que me falam pela impossibilidade de casar a sua
definição com as características da sua criação. Então, mesmo que haja um
criador do universo, esse criador do universo não poderá ser o deus de que me
falam. A própria definição do deus de que me falam impede que qualquer possibilidade
de criador seja chamada pelo nome deus. Daí só tenho essa opção: Saber com mais
do que certeza, que o deus de que me falam não existe.
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