Como
grupo, humano é um animal nocivo e predador que divide a própria raça em grupos
denominados "nós" e "eles", sendo "eles"
sempre aquele a ser inferiorizado, subjugado, eliminado. Enquanto houver essa
divisão - e não vejo nenhum indício de que um dia ela deixará de existir -
continuaremos sendo o animal que mata, tortura, extermina, aniquila. Por mais
que a gente queira pensar de forma mais "bonitinha" e achar
que somos "legais", a verdade é que somos tão terríveis que
toda história de toda comunidade humana está plantada sobre a aniquilação completa
ou parcial de outra comunidade humana e, se não tiver razão para o ódio, a
gente inventa uma. É isso que somos... humanos.
Como
indivíduo sempre tem os que são pacíficos - se viverem em condições tais que
permitam sobrevivência sem luta - mas como raça somos mais irracionais do que
racionais, ou melhor, usamos a racionalidade mais para matar do que para
salvar. Na história das civilizações não houve período de paz. Investimos mais
na fabricação de armas do que de remédios, e mesmo quando fabricamos remédios o
fazemos mais por ambição do que por interesse em salvar vidas. Justificamos
assassinato, tortura, preconceito usando invenções confortáveis chamadas
“religião”, “pátria” e “propriedade”. Como disse Geoge Carlin e como demonstrou
Saramago: Para fazer com que nossa civilização tão “comportadinha"
volte à barbárie, basta apagar a luz.
As exceções,
que queremos que exista e às quais queremos e temos a pretensão de pertencer,
não são insignificantes muito menos destituídas de importância, mas são, em
geral, perdedoras. E são perdedoras porque lutam contra o que é padrão e o
padrão é apelar para todo e qualquer artifício, por mais injusto, danoso e
desonesto que seja, porque tudo podemos justificar com incoerências e
artimanhas egoisticamente elaboradas. Para isso nossa racionalidade funciona
maravilhosamente bem! O ser humano é capaz de coisas lindas sim, mas é bem mais
capaz ainda de coisas horríveis. As guerras, os genocídios, as organizações
criminosas travestidas de igrejas e nações, a História toda, com seus rios de
sangue que nunca pararam de jorrar, mostram sempre que não somos uma raça da
qual uma pessoa que faça parte dessa minoria perdedora possa se orgulhar. E ter
consciência dos fatos pode ser bom: conhecer o inimigo, nesse caso, é conhecer a
si próprio.
Sinto uma
certa vergonha de me colocar como uma espécie de exceção, tenho consciência de
que devo estar sendo prepotente em vários aspectos sobre os quais sequer tenho
consciência. Sou professora e continuo lutando, não desisto e ainda tenho esperança
de, pelo menos, ajudar a fazer com que a quantidade de exceções não diminua
muito. Acho essa luta muito válida, necessária. Mas o fato é que não me deixo
enganar, sei que somos animais e animais terríveis. Pode parecer contraditório
o que estou dizendo, mas é justamente essa consciência da nossa animalidade que
me dá força e vontade de continuar, e que, principalmente, me torna alerta para
tentar não permitir que esse lado animalesco determine minhas ações.
O ser
humano sempre acredita em algo, mas não acho que esse algo seja sempre
positivo. Não mesmo! Muitos seres humanos acreditam em religiões que têm
características absolutamente destrutivas. As três maiores religiões do planeta
têm, cada uma delas, uma história de horror que é responsável pelo fato de
terem se tornado tão grandes. E o que é válido para religião, é válido para
outras crenças também. A política, o esporte, a família, a economia. Nossas
crenças estão sempre entremeadas do "nós": melhores,
superiores, merecedores, e do "eles": piores, inferiores,
indignos, subjugáveis, indesejáveis. Tem crença positiva? Sim, com certeza! Mas
essas são em geral bastante menos efetivas, menos gerais, mais frágeis e
facilmente "porosas" às justificativas que conseguimos
encontrar para agirmos de acordo com as crenças mais danosas. Para ilustrar o
que estou dizendo, aí vai um único exemplo dentre milhares que poderíamos
encontrar: Uma pessoa pode acreditar sinceramente que somos todos iguais, que
todos os seres humanos têm alma e podem alcançar o "reino de deus",
seja qual for esse deus, mas pode, ao mesmo tempo, acreditar que os
homossexuais são aberrações e que espancá-los não é errado porque isso “vai
ajudá-los a tomar vergonha na cara".
Não tento
fé nem quero transcender nada, aliás, não gosto muito desse verbo. Prefiro
ficar no concreto, ou no mais concreto possível, prefiro olhar a realidade e me
livro o máximo que puder de qualquer crença ou ideia que tenha base no que não
é real, acho muito perigoso sair do observável. Quero meus valores e meus padrões
pousados no chão e na realidade, quero olhar o que está diante dos meus olhos e
pensar no que está acontecendo, no que já aconteceu efetivamente e não em
coisas etéreas e imprecisas. Para mim, é quase sempre algum tipo de desejo de
transcendência que leva as pessoas boas a praticarem e justificarem males como
se não fossem males. Quero meus pés muito plantados na realidade.
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