12 de junho de 2020

REDUZIR A MAIORIDADE PENAL ESTÁ CERTO?


Acho que diminuir a maioridade penal é um ato que deveria ser discutido com MUITO mais responsabilidade do que está sendo feito nessa campanha aparentemente orquestrada pela mídia aliada à elite urbana e bem-nascida do país. Acho que mesmo os que vêm com o discurso bonitinho de "não é solução, mas melhora" estão usando mais a raiva do que a racionalidade.

Não sou, em princípio, contra a redução da maioridade penal, mas sou sim E MUITO, contra a redução da maioridade penal como solução para o problema da criminalidade. Isso decididamente não é solução, nem "melhora".

A solução é muito mais complexa, muito mais demorada, muito mais trabalhosa e inclui prender MUITOS criminosos maiores de idade, com curso superior, contas bancárias cheias de zeros, moradores de grandes casas e apartamentos em bairros nobres e, em geral, brancos. Inclui prender, inclusive, muitos dos que estão “gritando” os chavões do tipo “bandido bom é bandido morto” e “tem idade para votar tem idade para ir pra cadeia”.

Não resolvemos o problema da criminalidade prendendo apenas jovens negros, favelados e analfabetos, por mais criminosos que sejam - tenham eles 16, 18 ou 30 anos.

Se toda a energia que se gasta lutando pela diminuição da maioridade penal e para que se imponha crenças religiosas nas leis do país fosse usada para melhorar DE VERDADE a educação, o problema da violência seria resolvido muito mais rápido.

Esclarecendo melhor: O que penso a respeito é que só DEPOIS que os problemas da desigualdade social, do descaso com a educação, do preconceito, da corrupção do executivo, das falhas e fragilidades das leis e de seu executores forem resolvidos - ou pelo menos levados em consideração como a real causa do problema da violência no país - se poderia discutir de forma lógica e sensata, no âmbito do direito constitucional (legislativo), se é ou não viável diminuir a maioridade penal.

Não digo que sou contra a diminuição da maioridade penal porque se vivêssemos em um país com educação de bom nível e para todos, com boa distribuição de renda, sem preconceito escancarado, com famílias estruturadas e leis decentemente criadas e cumpridas, daí talvez a diminuição da maioridade penal poderia ser um ponto a ser discutido e talvez pudesse ser efetivamente estipulada para 16 anos. Sempre SE e TALVEZ.

O que está acontecendo com esse assunto, para mim, parece ser o contrário do que costuma acontecer no caso de debates sobre as cotas para negros na faculdade. Os que são contra sempre dizem que em vez de dar cotas o governo tem que melhorar a educação. Quando a gente diz que devemos dar cotas ATÉ que se resolva o problema da educação, eles discordam veementemente, em geral com o tal “dar cotas equivale a institucionalizar o preconceito”, como se o preconceito já não fosse institucionalizado.

Daí os defensores da diminuição da maioridade penal alegam a mesma coisa que rejeitam no caso das cotas: Devemos prender todos ATÉ que se resolva o problema da educação. Mas a minha impressão é que (pelo menos na imensa maioria) os que defendem a diminuição da maioridade penal são os mesmos que se posicionam contra as cotas. Ou seja, para eles, dar um benefício “até que” não é válido, mas dar uma punição “até que” é muito válido.

Isso, para mim, não faz sentido, não porque eu não ache que criminosos devem pagar por seus crimes, mas porque para mim – exatamente como acontece no caso dos criminosos maiores de 18 - só alguns pagarão por seus crimes, os pobres, negros e favelados. Os demais continuarão com seus privilégios.

Se um filho de morador da Zona Sul cometer um crime - tenha 16 anos ou 18 não importa - com certeza esses “defensores da lei” vão arranjar jeito de dizer que “O coitadinho merece uma chance”. E os advogados conseguirão melhorar a situação do criminoso que, “Como todo mundo tá vendo, não é igual aos menores que precisam ir pra cadeia”.

O pensamento elitista quer eliminar o pobre. Pobre só pode ser tolerado se ficar longe e não incomodar, pobre que se aproxima muito tem que ser eliminado, ou afastado das vistas. Sempre lembro da colega de trabalho do meu marido falando sobre o aterro do Flamengo: "É bonito, mas muito mal frequentado". Ela quer que os pobres sejam proibidos de ir às praias bonitas do Rio, que fiquem com seus churrascos na laje e não se aproximem da elite a não ser como empregados em funções humildes e subalternas.

E, para essa gente, se tiver a desculpa de ter criminosos no meio desses pobres que devem sumir da vista, ótimo! “A gente enfia na cadeia e joga a chave fora sem se preocupar se são sempre e apenas os culpados que serão presos, afinal, se um inocente pagar por um culpado tudo bem, falhas acontecem”. Esse é o pensamento não verbalizado.

Se aceitar esse julgamento cheio de ódio que leva a maioria das pessoas a ser a favor da diminuição da maioridade penal, na minha visão, estarei concordando que pobres e pretos são mais criminosos do que brancos ricos ou da classe média, mesmo quando cometem o mesmo crime, e eu não concordo com isso.

E mais, e principalmente, a maioridade estipulada para 16 vai manter EXATAMENTE a mesma história, o mesmo ódio, a mesma sede de vingança travestida de reivindicação social, e com os mesmos argumentos; só que aí os personagens contra os quais lançarão sua fúria “patriótica” serão os jovens de 15 anos (e onze meses). ONDE isso resolve, ou ajuda?

Não posso fazer coro com essa campanha que me cheira mais a vingança irresponsável do que a uma preocupação social consciente e sensata. Mudem as leis, façam com que sejam iguais para todos, aí voltem a conversar sobre o assunto e eu posso prestar atenção e achar que vale a pena pensar no assunto.

Antes disso NÃO.

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