Se ganho uma planta que
já começou a crescer num ambiente e com os cuidados que não são meus, posso
talvez matá-la por deixar que tome muito sol, ou deixar que falte luz solar no
novo lugar que lhe destinarei. Posso matá-la por excesso ou por falta d’água,
por excesso ou por falta de cuidados, por excesso ou falta de ventilação, de
calor, de carinho. Enfim, posso matá-la por tirá-la do ambiente e dos cuidados
que a fizeram crescer até ali.
Se ela me foi dada e eu
gosto de sua cor, de seu brilho, de seu perfume e quero vê-la crescer e se tornar
cada vez mais linda e forte, matá-la-ei tentando fazê-la viver, matá-la-ei com
o amor do meu desejo de vê-la brilhar. E sua morte será uma derrota para mim,
uma tristeza, um lamento que marcará minha vida e provavelmente influenciará a
maneira com que receberei e com que tratarei outras plantas que me serão dadas
no futuro.
Mas se ganho uma planta
e, com meus cuidados e o novo ambiente que lhe dou, ela cresce ainda mais,
produz flores, frutos, torna-se muito mais forte, mais bela, mais perfumada do
que era quando a recebi, então serei e estarei feliz e orgulhosa de meus atos e
tentarei sempre, com ânimo e boa-fé repetir meus cuidados e meu sucesso sempre
que receber uma nova planta.
Não sou talvez a única
responsável pela morte da primeira planta nem pelo bom desenvolvimento da
segunda. Não as plantei, não acompanhei seu crescimento desde a primeira folha,
e o princípio, do qual não participei, certamente influenciou efetivamente no
desenvolvimento de seu tronco, na saúde de suas raízes, mas esse princípio
também não teve, assim como meus cuidados não tiveram, toda a responsabilidade
pela morte ou pelo desenvolvimento saudável de cada uma das plantas.
Suponha agora que antes
de a plantinha atingir todo o seu desenvolvimento eu a dê a uma terceira pessoa
para que dela cuide. Novamente haverá uma mudança de ambiente, de cuidado, de
carinho, e essa mudança pode causar a morte de uma planta que até ali se
desenvolvia tão bem, ou pode, ao contrário, revitalizar e fortalecer uma planta
já quase morta. Serei eu a responsável pela morte ou pela revitalização? Será a
pessoa para quem a dei? Ou será a primeira pessoa, aquela de quem recebi uma
plantinha ainda jovem e tenra?
Assim é com o aluno que
está diante de mim na sala de aula. Posso influenciá-lo de forma que ele
amadureça, aprenda, pese, descubra, tome decisões. E posso também matar sua
vontade e seu entusiasmo. O difícil é saber com certeza se não estou
conseguindo o segundo efeito no momento em que coloco todo meu esforço e minha
vontade para conseguir o primeiro.
E se esse aluno, apesar
de todo meu esforço, meu amor e minha vontade não progredir? Sou responsável?
Sou a única responsável? Ou quem sabe sou, e isso é o mais provável, um dos
muitos fatores, que em uma conjunção holística negativa e absurda, fizeram com
que todo o bem intencional se tornasse em mal efetivo?
É difícil saber, é
impossível prever, é quase certo frustrar-se. Como diz o personagem Riobaldo de
Guimarães Rosa, “Viver é muito perigoso”. A gente tem amor, tem boa vontade,
tem cuidado, aplica toda a nossa capacidade e não vê resultados, ou vê
resultados opostos ao esperado, ao desejado, àquele pelo qual tanto se
trabalhou. É frustrante, difícil e ruim, mas, infeliz e injustamente, é assim
que pode acontecer.
Voltando à metáfora: A
responsabilidade pelo desenvolvimento bom ou ruim daquela planta pode ser
também, e eu disse também, da própria planta. Ela pode ser de uma espécie que
não se adapta ao clima do lugar onde vivo, pode ser frágil além do possível
para sobreviver, pode ser atingida por uma fatalidade que independe de qualquer
um dos fatores a que se possa atribuir o sucesso ou o fracasso da intenção
tornada ação.
Nós,
professores, somos “cuidadores de plantas” nunca únicos, sempre cobrados e na
maioria das vezes impotentes. E temos que conviver com isso e, apesar de tudo e
apesar do medo e da frustração, fazer sempre nosso melhor. É o que exigem de
nós mesmo quando nos cortam a água, tampam o sol e negam o adubo.
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