25 de junho de 2020

SER PROFESSORA


Se ganho uma planta que já começou a crescer num ambiente e com os cuidados que não são meus, posso talvez matá-la por deixar que tome muito sol, ou deixar que falte luz solar no novo lugar que lhe destinarei. Posso matá-la por excesso ou por falta d’água, por excesso ou por falta de cuidados, por excesso ou falta de ventilação, de calor, de carinho. Enfim, posso matá-la por tirá-la do ambiente e dos cuidados que a fizeram crescer até ali.

Se ela me foi dada e eu gosto de sua cor, de seu brilho, de seu perfume e quero vê-la crescer e se tornar cada vez mais linda e forte, matá-la-ei tentando fazê-la viver, matá-la-ei com o amor do meu desejo de vê-la brilhar. E sua morte será uma derrota para mim, uma tristeza, um lamento que marcará minha vida e provavelmente influenciará a maneira com que receberei e com que tratarei outras plantas que me serão dadas no futuro.

Mas se ganho uma planta e, com meus cuidados e o novo ambiente que lhe dou, ela cresce ainda mais, produz flores, frutos, torna-se muito mais forte, mais bela, mais perfumada do que era quando a recebi, então serei e estarei feliz e orgulhosa de meus atos e tentarei sempre, com ânimo e boa-fé repetir meus cuidados e meu sucesso sempre que receber uma nova planta.

Não sou talvez a única responsável pela morte da primeira planta nem pelo bom desenvolvimento da segunda. Não as plantei, não acompanhei seu crescimento desde a primeira folha, e o princípio, do qual não participei, certamente influenciou efetivamente no desenvolvimento de seu tronco, na saúde de suas raízes, mas esse princípio também não teve, assim como meus cuidados não tiveram, toda a responsabilidade pela morte ou pelo desenvolvimento saudável de cada uma das plantas.

Suponha agora que antes de a plantinha atingir todo o seu desenvolvimento eu a dê a uma terceira pessoa para que dela cuide. Novamente haverá uma mudança de ambiente, de cuidado, de carinho, e essa mudança pode causar a morte de uma planta que até ali se desenvolvia tão bem, ou pode, ao contrário, revitalizar e fortalecer uma planta já quase morta. Serei eu a responsável pela morte ou pela revitalização? Será a pessoa para quem a dei? Ou será a primeira pessoa, aquela de quem recebi uma plantinha ainda jovem e tenra?

Assim é com o aluno que está diante de mim na sala de aula. Posso influenciá-lo de forma que ele amadureça, aprenda, pese, descubra, tome decisões. E posso também matar sua vontade e seu entusiasmo. O difícil é saber com certeza se não estou conseguindo o segundo efeito no momento em que coloco todo meu esforço e minha vontade para conseguir o primeiro.

E se esse aluno, apesar de todo meu esforço, meu amor e minha vontade não progredir? Sou responsável? Sou a única responsável? Ou quem sabe sou, e isso é o mais provável, um dos muitos fatores, que em uma conjunção holística negativa e absurda, fizeram com que todo o bem intencional se tornasse em mal efetivo?

É difícil saber, é impossível prever, é quase certo frustrar-se. Como diz o personagem Riobaldo de Guimarães Rosa, “Viver é muito perigoso”. A gente tem amor, tem boa vontade, tem cuidado, aplica toda a nossa capacidade e não vê resultados, ou vê resultados opostos ao esperado, ao desejado, àquele pelo qual tanto se trabalhou. É frustrante, difícil e ruim, mas, infeliz e injustamente, é assim que pode acontecer.

Voltando à metáfora: A responsabilidade pelo desenvolvimento bom ou ruim daquela planta pode ser também, e eu disse também, da própria planta. Ela pode ser de uma espécie que não se adapta ao clima do lugar onde vivo, pode ser frágil além do possível para sobreviver, pode ser atingida por uma fatalidade que independe de qualquer um dos fatores a que se possa atribuir o sucesso ou o fracasso da intenção tornada ação.

          Nós, professores, somos “cuidadores de plantas” nunca únicos, sempre cobrados e na maioria das vezes impotentes. E temos que conviver com isso e, apesar de tudo e apesar do medo e da frustração, fazer sempre nosso melhor. É o que exigem de nós mesmo quando nos cortam a água, tampam o sol e negam o adubo.

Nenhum comentário: