Doenças em geral podem
ser definidas como um dos males que atacam muitas pessoas, matam um número
delas e deixam vivas outro número. A gravidade da doença costuma ser
determinada pela quantidade de pessoas infectadas que são mortas por essa
doença. Consideramos, por exemplo, o resfriado comum como sendo uma doença
menos grave do que o câncer justamente porque o número de pessoas que
sobrevivem a um ou em geral a vários resfriados costuma ser muito maior do que
o número de pessoas que sobrevivem a um dos muitos tipos câncer; principalmente
quando este não é descoberto e tratado logo no princípio de seu aparecimento.
Também determina a
classificação das doenças como mais ou menos graves a possibilidade de a
medicina ter tempo de diagnosticar, medicar e eliminar a doença antes que ela
tome o corpo do paciente de tal forma que torne o atendimento médico inútil. E finalmente
determina a classificação como mais ou menos grave o fato de, para essa
determinada doença existir ou não tratamento definitivo. Dessa forma e seguindo
esses critérios, podemos considerar, por exemplo, a tuberculose como uma doença
menos grave do que o Ebola e o sarampo como uma doença menos grave do que a
AIDS, pelo menos hoje. Sei que a AIDS em si não é exatamente uma doença, mas
você entende o que estou tentando dizer, não é?
Acidentes podem ser
definidos como eventos que não têm um agente voluntário e podem causar, e
muitas vezes causam, uma, algumas ou muitas mortes e ferimentos graves. Sejam
domésticos, automobilísticos ou de outro tipo qualquer, nos mais diversos
acidentes, o número de vítimas fatais, o número de feridos e o número de
pessoas que saem ilesas varia muito. Ou seja, acontecerem acidentes em que uma,
alguma, algumas ou todas as pessoas envolvidas morrem; acontecerem acidentes em
que uma, alguma, algumas ou todas as pessoas envolvidas são feridas;
acontecerem acidentes dos quais uma, alguma, algumas ou todas as pessoas
envolvidas saem ilesas.
As catástrofes
naturais, da mesma forma que as doenças e os acidentes, são acontecimentos que
matam uma, muitas, algumas ou todas as pessoas atingidas dependendo da sua
gravidade e intensidade, mas que em geral “permitem” a sobrevivência de
muitas, de uma única ou de algumas pessoas, também dependendo da gravidade e
intensidade da catástrofe. Os terremotos, os raios, as erupções vulcânicas, as
enchentes e as secas matam muitas pessoas se são muito intensos, se atingem
alguém (no caso dos raios principalmente) e se acontecem em áreas mais povoadas
ou em áreas onde as populações estão menos preparadas para esses eventos. Na
mesma proporção sobrevivem mais ou menos pessoas dependendo da intensidade, do
número de habitantes na área atingida e do preparo dos habitantes para esses
acontecimentos.
Tenho certeza de que,
caso um levantamento histórico seja levado a cabo por especialistas – se é que
isso já não foi feito - será comprovado que poucas ou nenhuma das muitas
catástrofes naturais, dos acidentes e das doenças que tenham atingido
populações humanas deixaram de registrar algum número de sobreviventes.
Estejamos onde estivermos, desde que exista um aglomerado humano medianamente
numeroso, frequentemente teremos sobreviventes de epidemias, acidentes e
catástrofes naturais.
O que pode ser
facilmente verificável é que, tanto acidentes quanto doenças e catástrofes
naturais - ocorrências devido às quais as pessoas morrem, mas também
ocorrências às quais as pessoas sobrevivem – estão presentes em todo o mundo em
todos os tempos de existência da vida do ser humano no planeta. E estou focando
aqui apenas a vida humana, mas apostaria que argumentos similares podem ser
relacionados com respeito a muitas outras formas de vida, se não a todas,
dependendo da maneira de focar o tema.
Traduzindo isso tudo
para a parte prática e levando o assunto para o ponto em que quero que ele
chegue: uma doença mortal que atinja um grupo humano deixará como rastro de sua
passagem um número determinado de mortos e um outro número determinado de
sobreviventes. Um tipo de acidente grave que atinja um grupo humano deixará
como rastro de sua passagem um número determinado de mortos e um outro número
determinado de sobreviventes. Uma catástrofe natural que atinja um grupo humano
deixará como rastro de sua passagem um número determinado de mortos e um outro
número determinado de sobreviventes. Causar mortes e deixar sobreviventes é
característica de praticamente todas as doenças graves, dos acidentes sérios e
das catástrofes naturais, e isso independe do grupo humano ou das pessoas
atingidas.
Quer exemplos? Vamos
aos exemplos: A peste, doença tremendamente mortal que dizimou grande parte dos
europeus durante a Idade Média deixou sobreviventes que, involuntariamente,
acabaram por se tornar objetos de estudo que colaboraram tremendamente para as
descobertas que levaram ao conhecimento e à condição de tratamento e profilaxia
da doença. O incêndio do Edifício Joelma em São Paulo, ocorrido em fevereiro de
1974, teve quase 200 mortos, mas também teve mais de 300 feridos (ou seja,
sobreviventes) e não sei quantas pessoas que conseguiram sair ilesas. O
terremoto ocorrido no Haiti, em janeiro de 2010, deixou, em números estimados,
200 mil pessoas mortas, 300 mil feridas e mais de um milhão de pessoas
desabrigadas. Ou seja, por pior e mais terrível que tenha sido, deixou um
número de sobrevivente (pelo menos um milhão e trezentas mil pessoas, segundo
as estimativas).
Agora vamos ao ponto:
Dentre todas as pessoas que sobrevivem e dentre todas as pessoas que morrem por
conta de doenças graves, de acidentes ou de catástrofes naturais certamente
existem pessoas das mais variadas crenças e, quase certamente, pessoas de
nenhuma crença. Há mortos e sobreviventes do terremoto do Haiti que são
praticantes do vudu assim como os mortos e sobreviventes da queda do telhado do
templo da Igreja Universal do Reino de Deus são cristãos. Alguns dos
sobreviventes do terremoto do Haiti podem atribuir sua sobrevivência aos deuses
do vudu assim como os sobreviventes da queda do telhado do templo da Igreja
Universal do Reino de Deus podem atribuir sua sobrevivência a deus ou a Jesus.
Da mesma forma, os sobreviventes de um terremoto particularmente violento
ocorrido no Japão podem atribuir sua sobrevivência a Buda (se é que eles
acreditam que Buda faz milagres, confesso que não sei) ou ao seu karma e os
africanos de determinado país podem atribuir sua sobrevivência ao Ebola a um de
seus deuses tribais, ou a vários. Que sei eu da religião de tribos e povos africanos?
O fato é que não há
absolutamente nada que possa comprovar que a sobrevivência a uma doença, a um
acidente, a uma catástrofe natural (ou a qualquer outra coisa que você pensar)
possa ser, de forma minimamente confiável, atribuída a qualquer entidade
sobrenatural de qualquer religião, culto ou seita. E mesmo assim as pessoas continuam
insistindo que foram salvas por deus e que o fato de estarem vivas ou sadias é
prova incontestável da existência, da grandeza e da bondade de deus. É possível
que se leve qualquer um desses argumentos a sério?
Um muçulmano atribui
sua cura ou salvação a Alá; um cristão atribui sua cura ou salvação a deus; um
budista atribui sua cura ou salvação a Buda (ou karma, sei lá!); um crente de
outra religião ou seita atribui sua cura ou salvação a seu deus (ou deuses),
seja ele quem for. O fato é que todos foram curados de seus males ou salvos de
acidentes ou catástrofes. Em quem devo acreditar? Em nenhum deles e em todos
eles: Acredito que foram salvos, mas atribuo ao acaso e não a uma entidade
exotérica, qualquer que seja ela. E mais, não entendo como eles conseguem
(alguns deles sendo pessoas cultas e informadas) pensar de modo diferente.
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