13 de junho de 2020

A EXTINÇÃO DAS ESCOLAS COMPARTILHADAS


(Com selo de antiguidade)

Esta semana recebemos a notícia de que nossa escola – e mais de noventa outras escolas compartilhadas como a nossa – será extinta e tudo que somos e temos terá que ser transferido para o prédio de outra escola mais ou menos perto de onde estamos. Ou seja, essa escola estadual que tem prédio próprio vai absorver nossa escola, que deixará de existir.
Até aí, para quem está de fora e pode pensar sem envolvimento emocional pela escola que temos e que é as pessoas que a formam e que criaram um vínculo que dói desfazer, pode nem parecer uma notícia assim tão ruim. Acontece que o prédio para onde iremos é desconfortável e até mesmo assustador para alguns de nós; e não sem razão porque fica na entrada de uma comunidade e numa rua um tanto afastada da avenida por onde passam os ônibus. Não esquecer que estamos no Rio de Janeiro e nossa escola é noturna.
Além disso, é possível que nem mesmo nessa situação ruim a gente consiga ficar, isso porque muito provavelmente os alunos não vão aceitar essa transferência, muitos preferirão ficar em outra escola mais central. Em consequência disso nossas turmas, que já são pequenas, simplesmente terão que ser fechadas e muitos de nós ficaremos sem aulas.
Preparando-nos para aquela necessidade absurda de, no meio do ano, correr atrás de aulas e pegar dois tempos em uma escola, quatro em outra, e mais algumas em uma terceira, talvez completando a carga com uma quarta e passando mais tempo em um ônibus indo de uma escola a outra do que na sala de aula trabalhando, o que a gente sente só pode ser chamado de revolta.
          E o curioso é que procurei e não encontrei essa notícia em nenhum lugar, será que ninguém vai falar no assunto para não prejudicar a gestão do prefeito e do governador? Tomados pelo desânimo, dobrados pela sensação de humilhação e engasgados pela impotente revolta nós, ficamos simplesmente sem ânimo para trabalhar, sem disposição para pensar nossa própria vida profissional e sem condições de ter a menor fé na educação e no futuro. Por que ninguém está falando sobre isso em nenhum jornal?

PARA QUEM NÃO SABE O QUE É ESCOLA COMPARTILHADA:

Uma das maiores, e mais desagradáveis, surpresas da minha vida profissional foi conhecer na cidade do Rio de Janeiro as escolas compartilhadas.
Para quem não sabe, como eu não sabia até poucos anos atrás, escolas compartilhadas são duas escolas que dividem, de forma bem desigual, um único prédio. A coisa funciona assim: O prédio é da prefeitura e durante o dia a escola é municipal. Geralmente quem passa na frente nem sabe que são duas escolas porque na fachada do prédio costuma ter apenas o nome da escola municipal; a escola estadual só existe no período noturno e só em algumas salas do prédio.
A escola estadual que não tem prédio próprio, e que em geral não tem nome porque seu nome não aparece em nenhum lugar visível, também não costuma ter muitas outras coisas: não tem cozinha, não tem laboratórios, não tem quadra, não tem banheiros suficientes, não tem respeito, não tem direitos, não tem um quadro de avisos na sala dos professores. Para ser honesta não sei sobre todas as carências das outras escolas, estou falando basicamente da minha, mas imagino que as outras não sejam muito diferentes, embora em alguns aspectos temo que a minha possa ser pior porque parece que somos menos tolerados do que a maioria.
Alunos, funcionários, professores e a até mesmo a diretora da nossa escola não temos sequer o direito de entrar no prédio alguns minutos antes do horário para fugir de uma eventual chuva, isso porque ninguém tem a chave do prédio e o portão só é aberto, de muito má vontade, às 18 horas. Ficamos impossibilitados de realizar qualquer atividade ou desenvolver qualquer projeto que exija o uso do prédio fora do horário das 18 às 22 e trinta e apenas nos dias úteis.
Na minha escola já aconteceram coisas absolutamente inacreditáveis por conta da intolerância que existe entre o pessoal da escola municipal, donos do espaço, e o pessoal da escola estadual, hóspedes indesejados. Um exemplo foi o dia que cheguei na sala dos professores e havia água, café e borra de café espalhados sobre a mesa grande e as duas outras mesas menores da sala. Pela maneira como estava a sujeira era difícil pensar em uma coisa diferente do simples e proposital interesse de criar desconforto; era o famoso recado: “Strangers go way!”.
Bem, essa é a escola compartilhada. No nosso caso uma escola que deu a sorte de reunir um pessoal ótimo sob uma direção competente, mas que no segundo semestre não existirá mais. Sobraremos apenas nós; pessoas desencantadas que foram humilhadas e roubadas do seu ânimo, da sua vontade e do pouco da fé no futuro da educação que ainda nos mantinha lutando por um ensino de qualidade apesar de tudo.

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