17 de junho de 2020

CRIME DE ÓDIO


Estava falando de como é bonito o parque do Flamengo e de como é gostoso andar naquelas alamedas sem monotonia, cheias de voltas e cercadas de plantas variadas, obra de primeiríssima de um paisagista talentoso quando uma conhecida disse que não gosta de ir ao parque porque “A frequência não é boa.” Essa frase ficou me martelando na cabeça desde aquele dia.

E o que significa “a frequência não é boa”? É só passear por entre as árvores, as cores e as sombras, vendo as pessoas na praia ou, um pouco mais pra dentro, as pessoas sentadas na grama, lendo, desenhando ou simplesmente curtindo alguns preciosos minutos de paz para ver que são pessoas. É só prestar atenção nas pessoas que cruzam por você sozinhas ou em pequenos grupos conversando animadas ou em silêncio de feriado para ver que são pessoas.

A frequência não é boa” não significa que o lugar está tomado por bandidos, por traficantes, por batedores de carteira, por pessoas se picando, cheirando, fumando, fazendo sexo à luz do dia... Não, nada disso. Há um ou outro sem-nada dormindo em um ou outro canto sim, sem dúvida! mas qual é o lugar do Rio de Janeiro que não tem essa miséria ostensiva a nos lembrar de como somos egoístas e privilegiados?

Não, não é um antro do crime e não é um albergue a céu aberto o parque e a praia do Flamengo, é um lugar maciçamente frequentado por PESSOAS. Então por que essa conhecida falou que “a frequência não é boa”? Simples! Porque, na opinião dela, o lugar foi simplesmente invadido por pessoas comuns! Não tem gente carregando bolsa Louis Viton, não tem celebridade a cada passo, não é comum ver senhoras com crianças e suas babás, não é Ipanema, não é Leblon! Essa pessoa que não vai ao parque do Flamengo não o faz porque acha revoltante que o lugar esteja tomado pela “ralé”, só isso!

Pensando nesse conceito e nessa ralé acabei chegando a mais uma das minhas muitas conclusões tremendamente tristes: a elite não é mais racista! As pessoas não abominam negros, não mais recusam sentar à mesa de um restaurante que sirva também um negro, elas não se recusam sequer a sentar do lado de um negro no avião, no cinema, no teatro. Pelo menos não ostensivamente como no tempo da escravidão e “pouco” depois. Não! essas pessoas “evoluíram” e deixaram de ser racistas. Até elegeram um negro para presidente dos Estados Unidos, não elegeram? Nesse passo não demora muito e elegemos nós também um negro para a presidência. Não. É só analisar bem e concluímos que em sua grande maioria, a pretensa elite brasileira “deixou de ser racista”. Que bom, né? Mas... e o significado da expressão “a frequência não é boa”? o que isso tem a ver com racismo e com a elite ter deixado de ser racista?

Tem que agora não se odeia, não se humilha, não se ignora, não se deseja manter distância dos negros simplesmente, agora os brancos estão incluídos nessa aversão, estão todos incluídos; desde que sejam pobres. O porteiro do meu prédio, o pedreiro que reformou a minha mansão, o marceneiro que concertou o meu móvel não deveriam nunca ter a audácia de achar que podem tirar seu dia de folga para trazer a família toda lá da baixada para passar o dia no parque do Flamengo ou nas praias da zona sul. Eles tinham que ficar por lá mesmo, tinham que usar seu dia de folga para tomar uma cerveja no bar da esquina, jogar bola na quadra do Brizolão mais próximo e consertar o telhado da casa “germinada” em que moram. Eles só devem ser aceitos, mais suportados do que aceitos na verdade, em lugar que é de direito da elite na hora do trabalho e enquanto estão trabalhando, fora isso que fiquem longe. E não importa se eles são brancos ou negros, os direitos (ou não-direitos) não iguais!

É inacreditável que haja, mas há um número grande de pessoas como essa conhecida, e no Brasil inteiro não apenas no Rio de Janeiro. São pessoinhas escrotas que se acham tão superiores às outras que se sentem proprietárias legais e de fato de lugares públicos! A praia de Copacabana já nem tem mais interesse para elas porque a Cardeal Arco Verde, a Siqueira Campos, a Cantagalo e os pontos de ônibus da Barata Ribeiro despejam multidões de pobres que vão se esparramar pela praia e desfilam pelas ruas vestidas com saídas de praia baratas e biquínis puídos atrás. A essas pessoas não deveria ser permitido que frequentassem os lugares mais bonitos do Rio e as praias da Zona Sul, mas elas vêm e por causa delas Flamengo e Copacabana deixaram de ser boa referência, agora é melhor Ipanema e Leblon, se bem que com a inauguração da nova estação de metrô não demora muito e eles tomam Ipanema também. Será que esses atrevidos pensam que a praia é pública e que qualquer um tem direito de frequentá-la?

Eu, ignorante e tão dolorida das misérias sem limites do coração e da mente humana, ouço frases como essa do comentário da conhecida jovem, rica, saudável e linda como uma Drosera Intermedia e fico me perguntando o que pode ter feito com que essas pessoas cheias de si e, consequentemente e igualmente, cheias de merda pensem que o mundo foi feito para elas e que elas têm o direito de reservar lugares públicos - os melhores e mais bonitos é claro - apenas para si. Fico pensando o que tem em suas cabeças ocas que faz com que seus cérebros virgens pensem que são melhores e que têm direitos exclusivos. Fico pensando e vou sentindo nojo, sentindo nojo, sentindo nojo... e esse nojo me faz ter vontade de vomitar na cara delas!

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