A revista é a Veja,
conhecidíssima publicação semanal lida em todo o Brasil, encontrada em vários
países do mundo e recebida como assinatura em vários lares, empresas e escolas.
Acho que se pode dizer sem errar muito que no Brasil todo mundo conhece a Veja.
Pois bem, no número 1 de janeiro
de 2009, a revista publicou um artigo de Demétrio Magnoli intitulado “Começa o
outono de Lula” é esse artigo o assunto desse texto. Afora os óbvios e
infalíveis comentários que destacam a falta de formação acadêmica do presidente
e seus deslizes, escorregões e tombos gramaticais, o texto traz uma sequência
de pontos frágeis do governo, dos aliados e do partido de Lula. Coloquei os
pontos em tópicos para abordar uma crítica por vez, seguindo a ordem de
leitura.
1 - No texto o articulista faz um
comentário bastante válido a respeito do salvacionismo, coloca a frase “Nunca
antes neste país” como emblemática de um administrador que se quer o paladino
da mudança e o salvador que tirou o país de um passado negro para um futuro
promissor. A exposição é bem feita mas comete o erro de tratar a postura
salvacionista que detecta na pessoa do presidente Lula como se ele fosse o
primeiro e único governante nesse país que se comportou de tal forma, e
exemplifica com ações e posturas contraditórias do presidente como se nenhum
outro governo tivesse tomado atitudes tão contraditórias quanto, em várias
situações, antes do Lula.
Quando diz que “O líder
salvacionista não enxerga nada de positivo antes de seu próprio advento”.
Parece dizer que esses líderes, generalizados e plurificados na frase, são
todos de outros países, como Cuba e alguns países pequenos e pobres da África.
Essa "impessoalização" afasta, leva para bem longe do leitor o
sujeito da afirmação. O escritor certamente sabe disso e o efeito que conseguiu
provavelmente foi o desejado. É uma boa política, afinal, sabemos que o povo
não tem memória mesmo, muitos vão, portanto, pensar em Fidel e concordar com o
crítico.
2 – “No fim de seu segundo
mandato, seremos “brancos” ou “negros” antes de sermos brasileiros. Eis aí a
verdadeira mudança promovida pela era Lula; uma bomba social de efeito
retardado que sua passagem pela presidência deixa aos filhos e netos da atual
geração”.
Esse trecho, destacado dentro da
matéria pela própria revista, está no final do texto mas foi colocado em
negrito na primeira folha, ao lado da foto de Lula. A frase passa a ideia de que
a discriminação racial e o preconceito não existiam no país antes da “era
Lula”; é o argumento da omissão, uma meia-verdade que ninguém percebe ser uma
mentira inteira. Nesse país sempre fomos brancos ou negros, ricos ou pobres,
antes de sermos brasileiros, não há mudança tão grande assim e, com toda
certeza, não devemos esse “progresso” ao governo Lula.
O trecho na verdade reflete o que
é provavelmente a opinião do articulista, contrária ao sistema de cotas nas
universidades (só lá no final, quando encontra o contexto de onde foi tirada a
frase, o leitor percebe que também podem estar incluídos no argumento as
reservas de vagas no mercado de trabalho, os números de aprovados nos
concursos, etc). Esse é um assunto polêmico que tem dividido inclusive a opinião
dos próprios negros que são, como querem os contrários às cotas, “injustamente”
favorecidos.
A argumentação desses opositores
é sempre baseada na ideia que parece politicamente correta de que as cotas
gerariam uma visão ainda mais preconceituosa, ou um “preconceito ao contrário”.
Sempre dizem que o que precisamos é melhorar a qualidade do ensino público para
que todos tenham as mesmas chances e não dar privilégio a um grupo específico.
Difícil não concordar com o argumento, é óbvio para qualquer um, e todas as pesquisas,
provinhas e provões têm confirmado, que o ensino público vai de mal a pior e
precisa melhorar com urgência.
Só que ninguém pergunta quanto
tempo vai demorar para que a qualidade do ensino público melhore
(principalmente com a elite longe e a salvo nas caríssimas escolas
particulares) e como ficarão as classes menos favorecida (os negros,
basicamente) enquanto esperam. A resposta, se alguém se desse ao trabalho de
perguntar, é óbvia: ficariam como estão, ou ainda pior: sendo maioria em todas
as estatísticas que medem índice de pobreza, índice de analfabetismo, índice de
mortalidade infantil, índice de pessoas com moradia imprópria para seres
humanos, índice de lotação carcerária, índice de vítimas da violência urbana,
etc. E continuariam sendo minoria em todas as estatísticas que medem índice de
aprovação nos vestibulares, índice de formação superior, índice de detentores
de grandes fortunas, índices de bom atendimento hospitalar, índice de
acadêmicos com pesquisas publicadas em revistas especializadas, índice de
crianças bem nutridas, etc.
Então, como crítica ao governo,
essa visão comodista e alienada não atende em absoluto. Pode-se sim, ser
contrário à opinião que mesmo de forma não explícita, eu mesma manifestei
acima. É óbvio que em um assunto polêmico como esse não se pode esperar
imparcialidade e muito menos consenso, mas usar uma das visões do tema para
imprimir uma tarja negra e responsabilizar totalmente uma pessoa por um ponto
negativo cuja existência nem sequer é opinião de todos, é ser muito
tendencioso.
4 - Demétrio Magnoli fala depois
a respeito do assistencialismo do governo, criticando o já tão criticado
programa Bolsa Família. Realmente o
assistencialismo é um problema desse governo, como foi dos anteriores e como o
próprio redator afirma que será dos próximos. Mas o curioso é que os pacotes
bilionários que o governo (de Lula e também de seus antecessores) passa às
empresas e bancos que se veem em dificuldades causadas em geral por má
administração quase nunca são chamados de assistencialismo, e mais, os maiores
críticos do Bolsa Família são muitos
dos que correram ao Palácio do Planalto de chapéu na mão assim que começou a
crise. Essas coisas o texto omite. Mais uma vez a meia verdade, mentira
inteira.
Na minha humilde opinião o
governo (do Brasil e dos demais países) deveria, em caso de crise, passar a
fortuna que costuma dar aos empresários e banqueiros para os trabalhadores assalariados
em forma de quitação de compra de mercadorias, dessa forma daria ao povo poder
de compra e, com o povo comprando, as empresas produziriam e garantiriam os
empregos e investimentos que fazem aquecer a economia. Mas qual governo faria
isso? E qual empresário aceitaria essa solução?
5- Como não poderia deixar de
ser, o texto explora o problema da corrupção e da troca de favores entre
congresso, partidos e governo. Faz isso expondo esquemas de conhecimento geral
e citando o já famoso mensalão mas, logicamente
e tendenciosamente, o faz (mais uma vez, por omissão), como se o governo Lula e
o PT tivessem sido desde que assumiram o poder, os inventores da corrupção e
como se o esquema do mensalão nunca
tivesse acontecido antes em nenhum governo da história desse país.
6 - Mais adiante ele fala do
partido, não diz nenhuma mentira, não faz nenhuma crítica infundada, apenas
omite que muitos dos pontos negativos citados pertencem a esse partido
justamente por ele estar cada vez mais parecido com os outros, se não nos
discursos, certamente na postura. Além disso, Magnoli constrói o texto de forma
a parecer que partido e presidente são uma e a mesma coisa, algo que, se feito
com o PSDB no governo Fernando Henrique Cardoso, seria criticado certamente.
Não que não tenha relação o partido e seu representante, mas da forma como foi
colocado, parece ser uma ligação mais estreita do que realmente é e, mais uma
vez, parece ser exclusividade do Lula e do PT.
Enfim, não vi praticamente
nenhuma crítica ao Lula e ao governo atual que eu mesma não faria, apenas
acontece que, a maioria delas, eu faria também aos outros presidentes que já
tivemos, em alguns casos, inclusive, engordando com outros fatos e outras
falhas os exemplos e as críticas presentes nesse texto. O fato é que não gostei
do texto porque é tendencioso, é falso por omissão. É o reflexo dessa revista
de direita que representa, reforça e reflete a visão burguesa elitista das
classes dominantes.
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