14 de junho de 2020

O BENEFÍCIO DAS PALMADAS


Eu nunca, JAMAIS, agradeceria meus pais pelas surras que me deram. Nunca, em nenhum momento nenhuma delas me trouxe beneficio algum. Odiei todas, senti raiva e tive sede de vingança todas as vezes que apanhei. Desde a surra mais violenta até o tapa mais suave, nenhuma dessas agressões me fez qualquer tipo de bem. não!! Não mesmo! Se sou razoavelmente legal hoje, isso não se deve a nenhuma das pancadas que levei! Odiei cada uma, me senti impotente e aviltada todas as vezes que apanhei e, o que é pior, fiz coisas ruins que não teria feito se não tivesse apanhado porque cada vez que apanhava sentia muita raiva e procurava me vingar. Minhas vinganças nem sempre foram boas para mim mesma, mas era a única resposta que minha impotência conseguia dar.

Nunca vou achar que palmadas, cintadas, chineladas são coisas sequer medianamente aceitáveis, não para mim, não mesmo. Nesse ponto sou muito radical. E falo por experiência, experiência de quem apanhou, de quem conheceu a sola do chinelo, a flexibilidade da vara, a capacidade de deixar marcas que uma tira de couro tem.

Não odeio meus pais por isso, até entendo que algumas vezes fizeram isso com boas intenções, mas não, nem por decreto eu agradeceria. E sei muito bem que embora achassem que era para o meu bem, algumas vezes, e talvez não poucas, eles me bateram para descarregar a raiva, como fazem todos os pais que batem em filhos. Mesmo assim não os odeio, nem guardo mágoa, sei que filhos não são fáceis e sei que não fui uma filha fácil.

Sempre achei que a solução pode ser algo simples e claro como tratar a criança como um ser humano – que ela é! – e se colocar também como ser humano numa relação de respeito recíproco. Pode parecer meio complexo, mas comigo funcionou muitíssimo bem. Sempre e desde sempre e por todos os motivos eu estava ensinando meu filho que o nosso dever básico no mundo é respeitar as pessoas, todas as pessoas.

Eu o ouvia, argumentava com ele e acatava suas opiniões sempre que possível dizendo que era minha obrigação respeitá-lo porque ele é uma pessoa; eu fazia determinada concessão ao pai dele e dizia a ele que era minha obrigação tentar compreender e respeitar o pai dele porque é uma pessoa. Eu cumprimentava e dava atenção para uma vizinha fofoqueira e explicava pro meu filho que tinha obrigação de tratá-la educadamente porque ela é uma pessoa. Eu dizia sempre a ele que os sentimentos que temos os outros também têm, que o que machuca a gente machuca também as outras pessoas, que se somos capazes de sentir tristeza as outras pessoas também são. Claro que não fui perfeita nisso, mas foi o que tentei fazer sempre.

Enfim, eu tentei deixar claro – sempre com exemplos e todas as vezes que a ocasião permitia – que pessoas devem ser respeitadas e que todos somos pessoas. Daí, quando ele aprontava ou ameaçava aprontar alguma eu dizia: “Você deve me respeitar pelo mesmo motivo que eu devo respeitar você: não porque sou sua mãe, não porque sou mais velha nem porque sou maior, você deve me respeitar porque sou uma pessoa e as pessoas merecem respeito”. E eu não precisava ficar fazendo longos e tediosos discursos porque já tinha dito aquilo várias vezes de várias maneiras e por vários motivos alheios ao comportamento dele, então ele já tinha visto e aprendido o quanto isso é verdade, por isso funcionava.

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