A velhice é uma realidade que não existe para a
consciência do homem. O jovem a ignora porque está ocupado em viver a própria
idade, o adulto a ignora graças ao medo que sua proximidade causa e o velho
está procurando coisas saudáveis como a dança de salão, anestésicas como a religião
ou prejudiciais como o álcool para não ter que pensar nela até perder a
consciência de si próprio e da própria morte.
Os que convivem com um velho procuram
mostrar-se capazes de abnegação, paciência e bondade para despertar admiração
nos outros e em si mesmos, ou então ficam ocupados em se irritar com os
transtornos que esse velho está causando na família. Não pensam na velhice,
pensam naquele velho em particular para fugir da consciência do espelho de
todas as velhices que uma velhice é.
Os meios de comunicação, principalmente as
revistas femininas, quando abordam o tema trazem matérias sobre como se pode
manter a saúde e o ânimo por mais tempo, dão exemplos de pessoas ou grupos que
encontraram uma maneira de continuarmos vivos e alegres apesar da idade. Dizem
sempre, e de todas as formas coloridas e otimistas, que a velhice não é ruim se
a pessoa não se deixar abater por ela. A grande maioria dos que não são ou não
admitem o fato de serem velhos acredita ou se obriga a acreditar nisso, e acrescentam
aos exemplos dados pelos meios de comunicação outros avôs e avós que viveram
lúcidos e felizes até muito depois dos setenta, oitenta, e alguns chegam até a
passar dos noventa anos de idade.
Essa crença cega que temos em todo aquele que
diz que a vida é o que queremos que seja é muito parecida com a “cegueira” que
costuma atingir muitos pais e mães que, por mais evidências com que deparem, se
negam a acreditar que um filho seu está usando drogas, trilhando os caminhos do
crime, ou é homossexual (quando eles, pais, são homofóbicos). A crença cega na
“beleza” e nas “vantagens” da velhice é parecida também com a maneira seletiva
com que se escolhe uma religião ou doutrina: as pessoas acreditam em tudo que
está de acordo com o que desejam acreditar.
E o mesmo que acontece com o indivíduo acontece
também com os países e com a sociedade em geral.
Nos países pobres – como nas famílias que têm
muitos filhos e baixa renda – as pessoas envelhecem mais cedo porque são mal
nutridas, mal cuidadas, têm muito trabalho e pouca ou nenhuma assistência
médica, e os velhos são ignorados e deixados sem amparo porque o país já tem
dificuldade para dar vida digna às crianças e aos jovens. Nos países ricos –
como nas famílias que têm poucos filhos e alta renda – os países dão a eles
todo o respeito e amparo possível e todos ficam felizes por serem bons e não
permitir que seus velhos se sintam excluídos da sociedade da qual o excluem –
eles sabem como ninguém fingir que fazem o que não fazem.
O velho mais abastado e mais saudável não
trabalha, tem renda e pode viajar e viver na companhia de outras pessoas –
leia-se outros velhos – para não se sentirem solitários e infelizes. Vi vários
grupos de “terceira idade” fazendo turismo na Europa quando estive lá, antes da
crise do Euro. Além disso, se tiverem dinheiro para pagar, os velhos que vivem
nos países mais ricos têm todo tipo de assistência médica para que não sofram muito
por causa das doenças que a velhice traz. São os mais sortudos, e os mais
raros.
A convivência com a velhice, própria ou alheia,
consiste em não se permitir pensar nela. Tudo o que envolve essa fase final do
que foi a vida de uma pessoa é colocado pelo discurso humano de tal forma a
possibilitar o esquecimento de que a velhice é um fato inevitável em si e por
si muito pior do que a morte. Quando pensa na morte, caso não acredite na vida
após a morte, o homem encontra o descanso e o esquecimento; se for cristão
encontra a ideia do paraíso ou até mesmo o inferno que, por pior que seja, é
algo que está reservado para o outro nunca para si mesmo. Pensar na morte pode
trazer também, para alguns, a ideia da reencarnação e/ou do retorno à vida na
terra, o que traz a esperança de uma outra vida melhor, na qual se será mais
saudável, mais rico, mais bonito, mais inteligente, mais famoso, mais qualquer
coisa que se queira ser e que nessa vida não foi possível, inclusive e
principalmente mais bom e digno de receber o prêmio da bondade, que é a
felicidade completa e total; seja lá o que isso for.
Já a velhice não tem beleza, não tem poesia e
não tem recompensa visível porque um velho não é bom nem ruim, é apenas um
velho e seu futuro é apenas a morte. Uma das coisas boas de se estar vivo é
poder fazer planos a longo prazo. O velho não pode fazer planos a longo prazo,
ele não tem longo prazo. Não pode pensar no amanhã para corrigir os erros de
hoje e não pode pensar no amanhã para se compensar dos sofrimentos de hoje. Não
pode nem mesmo pensar em ver um ente querido, neto ou sobrinho, crescer e se
tornar adulto espelhando nessa vida seus desejos de realização como os pais às
vezes costumam fazer com os filhos.
O velho não tem cura, sua doença é mortal e seu
futuro não existe. Se pensar muito sobre isso o velho não resiste, por isso
procura algo para fazer hoje, por isso toma antidepressivos e por isso se
preocupa com a vida de seus familiares e de quem está perto dele até tornar-se
inconveniente e incômodo.
E se a velhice é ruim para o ser humano, ela é
pior ainda para a mulher. À mulher tudo é perdoado se tiver beleza física e todas
as qualidades são escondidas se a beleza não estiver presente. E porque a
beleza é relativa toda mulher é bela, é sua sina e sua obrigação, é seu castigo
e seu êxtase. A beleza é parte da personalidade da mulher mais do que o
instinto maternal e mais do que todos os sentimentos e pensamentos que podem
habitar seu mundo. A beleza é a felicidade da mulher, inclusive da mulher que
não dá valor à beleza, que se diz intelectualizada, que acha que o cérebro é
mais valioso do que a bunda ou os seios. Toda mulher é bela e toda beleza é
feminina. Uma velha é uma mulher que perdeu a beleza. Uma velha é uma mulher
que perdeu a essência de ser mulher. Uma velha não é. Não é mulher, não é
feminina, não é pessoa.
Um velho não perde sua condição de homem a não
ser quando está muito velho e muito debilitado, uma velha perde sua condição de
mulher muito antes disso. A velhice é uma sombra que paira sobre a mulher desde
a primeira ruga, desde o primeiro fio de cabelo branco, desde a primeira vez
que uma criança a trata de tia ou um jovem a chama se senhora. A mulher
continua sorrindo depois dessa primeira e de muitas outras manifestações dessa
sombra porque o sorriso é feminino e belo, continua frente ao espelho à procura
da beleza que ainda resta mesmo quando toda a beleza que resta é aquela que
sobreviveu apenas na sua imaginação. Quando desiste da beleza a mulher desiste
da vida e deixa de ser mulher para se tornar algo nem vivo nem humano que
caminha para o próprio túmulo.
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