14 de junho de 2020

SOU MUITO HIPÓCRITA


Vejo, cumprimento, abraço ou beijo um amigo ou amiga e digo que desejo muitas felicidades para ele ou ela; isso é comum de acontecer e estou sendo tremendamente, totalmente e completamente sincera nos meus votos de felicidades, mas no momento seguinte sei que não disse tudo. Não fui sincera por inteiro.

Pelas festas de Natal e Ano Novo, pelo aniversário, pelo dia disso ou daquilo, mando, por e-mail ou por scrap, meus votos de felicidades aos amigos, virtuais e não virtuais. A todos digo o quanto desejo que sejam felizes naquele dia e em todos os outros dias; sou sincera, muito sincera, estou mesmo desejando, com todas as minhas forças, que meus amigos sejam e estejam felizes, mas novamente sei que não disse tudo. O que digo é verdade, mas não a verdade completa.

Quando falo com meu filho, digo que o amo e ele sabe que isso é a mais pura verdade, sempre digo a ele que vivo para desejar que ele seja feliz. Mas mesmo para o meu filho, o ser que mais amo no universo, eu ainda não disse a verdade inteira. E me pergunto: qual é mesmo a diferença entre uma verdade incompleta e uma mentira?

No momento seguinte ao momento em que falo, dá vontade de tentar explicar para a pessoa o que se passa comigo, mas fico achando que essa pessoa não vai me entender, que vai pensar que não estou sendo nada sincera ou que não gosto dela como na verdade gosto. Ou ainda – o que é pior – sinto que vou começar uma conversa que vai soar chata e piegas.

Fico achando que se disser tudo vou “quebrar” alguma coisa da magia daqueles votos, vou “enfraquecer”, pelo menos na aparência, a força do que desejo; ou, o que é muito pior, vou correr o risco de magoar essa pessoa que é tão especial para mim e que, por causa da minha tentativa de explicação, pode se sentir traída por achar que não sei valorizá-la como ela merece.

Chego até a me sentir bem por estar desejando felicidade para todo o mundo, afinal isso é um desejo bom! Mas em seguida lembro que meus votos nunca se realizarão no todo e fico me perguntando se não estou prejudicando aqueles que amo. Talvez se desejasse só para aquela pessoa, meu desejo funcionasse, mas pra todo mundo não funciona, não é possível funcionar e eu sei bem disso, então acho que estou fazendo tudo errado, mas não consigo segurar minha cabeça e me obrigar a não pensar.

É que quando desejo felicidade para um amigo que faz aniversário, desejo felicidade para todas as pessoas do planeta que fazem e que não fazem aniversário naquele dia; mas eu sei que nem todas as pessoas do mundo serão felizes, então meu desejo vai valer para alguém?

Quando desejo um mundo de felicidades para a amiga que se casa desejo um mundo de felicidades para todas as pessoas do mundo que se casaram e que não se casaram; mas eu sei que nem todos os relacionamentos dão certo, então será que meu desejo vai valer para algum relacionamento?

Quando desejo uma vida inteira feliz para o meu filho desejo uma vida inteira feliz para todos os filhos de todas as mães do mundo; mas eu sei que tantos filhos e filhas são infelizes; será que meu desejo para todos os filhos tem algum peso para o meu próprio filho?

Quando desejo que o filho de um amigo recupere a saúde porque ele está doente e meu amigo está aflito, desejo que todos os filhos de todas as pessoas do mundo sejam e estejam sempre saudáveis, mas eu sei que tantas crianças ficam doentes e morrem; será que meu desejo de saúde para todas as crianças pode ajudar na recuperação de alguma?

Se pensar menos de dois segundos, acabou! É suficiente para que meus votos deixem de ser individuais, e talvez seja o suficiente para que deixem de ser válidos. E eu sempre penso, não consigo evitar! E quando penso, não consigo desejar no singular. Não sei querer que minha amiga seja mais feliz do que a estranha que nunca vou saber que existe; não sei desejar que meu amigo seja mais feliz que o homem cujo nome nunca saberei e cuja língua não falo. Não sei desejar que meu filho seja mais feliz do que o filho do mais completo estranho, mesmo que esse estranho ainda nem tenha nascido.

Depois que percebi e pensei mais nesse meu jeito estranho de sentir até dei uma parada com essa coisa de enviar recadinhos com votos de feliz aniversário para todos os amigos que vejo pelo Facebook que estão fazendo aniversário naquele dia; mas não consigo evitar de, em pensamento, desejar feliz aniversário para todos os amigos que vejo que fazem aniversário... e para todas as pessoas do mundo que fazem ou que não fazem aniversário nesse dia.

Reconheço que esses votos no plural, se votos valem alguma coisa, soam bonitos e humanitários, mas quando são feitos junto, quase que no exato momento e com a mesma força dos votos que faço para aqueles que me são mais queridos, será que eles não diminuem meu amor pelas pessoas que amo?

Amar todo mundo não obriga a amar menos aqueles que são mais próximos? Será que eu realmente amo mesmo, tanto e tanto, as pessoas que eu sinto que amo muito, mesmo quando sei que daria um braço por uma alegria delas?

Não sei medir amor e não tenho como saber de que jeito as outras pessoas amam, mas pelo que dizem e pela maneira que agem parece que as outras pessoas amam mais forte do que eu porque conseguem amar no singular melhor do que eu. Ou talvez as outras pessoas consigam se impedir de pensar esse segundo depois do desejo. Ou então somos todos assim e eu só estou achando que sou diferente porque sou muito boba.

De qualquer forma o fato é que sempre penso no plural quando faço desejos bons no singular! Daí, fico me perguntando se não sou alguém com defeito, incapaz de amar de verdade; se não sou na verdade uma pessoa falsa, mentirosa e muito hipócrita mesmo.

Bem, agora que consegui escrever o que sinto, e porque tenho a impressão de que sou melhor escrevendo do que falando, talvez as pessoas que eu amo entendam o que acontece e não fiquem magoadas comigo quando eu disser que desejo, muito e muito, que elas sejam felizes.

E isso vale para você que teve a paciência de ler esse texto até o final.

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