21 de junho de 2020

USO DE “NOVAS” TECNOLOGIAS NA ESCOLA


Sou uma professora velha, já dei aulas em muitas escolas.

Uma vez dei aulas em uma escola onde havia dois computadores, um deles ficava com a dona da escola e o outro com a mulher que a administrava, não me lembro se era chamada de diretora ou gerente. Nessa época eu não tinha computador, não sabia nem mexer o mouse e lojas de informática eram raras e fascinantes: coisa de gente rica.

Uma vez dei aulas em uma escola onde havia uma sala de informática com uns poucos computadores. Só o dono da escola entrava lá com os alunos. O que ele lecionava era uma disciplina à parte, era o diferencial vendido aos pais: Aquela escola tinha aula de informática!

Uma vez dei aulas em uma escola que tinha uma grande sala de informática. A sala era bonita, tinha cortinas pesadas e enormes janelões envidraçados que davam para um belo jardim. Não havia aula de informática ministrada pela dona da escola e professores não levavam seus alunos. Havia uma pessoa (um especialista em informática) que trabalhava apenas naquela sala e todos os alunos podiam ir até lá, fora do horário das aulas, para fazer pesquisas, trabalhos ou simplesmente aprender por conta própria, como no meu tempo de estudante a gente fazia com os livros nas bibliotecas. A diferença é que, ao contrário dos livros, os computadores não podiam ser levados para casa como empréstimo por duas semanas.

Uma vez dei aulas em uma escola onde tinha uma sala de informática recém montada pelo governo do Estado e onde alguns poucos professores mais ousados e mais “antenados” levavam seus alunos para dar uma aula diferente. Pensei em fazer o mesmo (eu já tinha computador em casa e já sabia mexer com Word, Excel e Power point), cheguei a planejar a aula diferente que daria, mas antes que o fizesse tivemos uma reunião extraordinária na qual a diretora comunicou que um mouse havia sido roubado. Nada foi dito, mas ficou subentendido que os professores “antenados” eram incompetentes para, ao mesmo tempo, dar a aula diferente, cuidar dos seus alunos e evitar roubos. Não dei a minha aula diferente planejada.

Várias escolas onde dei aulas tinham gravadores enormes que os professores podiam levar para a sala de aula e tocar para os alunos uma música, ou uma aula que tinham gravada, em fita cassete, que era uma espécie de caixinha retangular com dois buraquinhos na espessura de uma caneta Bic onde se podia gravar sons. Quem mais usava esses aparelhos era sempre o professor de inglês, eu usei bastante uma vez que também dei aulas de inglês. O problema com aqueles aparelhos era que nem sempre era só plugar na tomada e apertar o play. Muitas vezes ele não funcionava, muitas vezes a tomada daquela sala não funcionava, muitas vezes o professor da sala ao lado reclamava do barulho, muitas vezes a gente que estava na sala ao lado mal conseguia dar aula por causa do barulho.

Uma vez dei aulas em uma escola onde havia um móvel bem grande com rodinhas, uma espécie de armário transportável, onde tinha uma televisão e um vídeo cassete. A gente empurrava aquele móvel até a sala de aula e podia passar filme ou tocar música para os alunos. Na escola onde usei isso havia dois, um por andar. O problema de nem sempre funcionar, o problema de a tomada não funcionar e o problema de o professor da sala ao lado reclamar do barulho, esses continuaram existindo, mas agora a gente tinha imagem!

Talvez para acabar com esses problemas e dar ainda mais recursos aos professores foram criadas as salas de vídeo e então toda escola passou a ter uma sala de informática e uma sala de vídeo. Essas salas se tornaram muito disputadas, com um calendário em forma de caderno - que às vezes ficava a cargo do próprio diretor - ou em forma de cartaz afixado na porta da respectiva sala ou na sala dos professores. Todos nós temos que correr para reservar nosso horário antes que algum outro professor mais entusiasmado “peque tudo para si”.

Um detalhe muito importante do qual não falei até agora é o “incentivo externo”. Toda escola, durante todas essas décadas, sempre teve alguns ou muitos momentos nos quais reuniam todos os professores para que alguém explicasse o quanto é importante que as novas tecnologias sejam usadas como recurso pedagógico. Já fizeram isso de tantas maneiras que não tenho certeza de me lembrar de todas elas: Muitas vezes levaram um expert à escola em um encontro pedagógico e esse especialista explicou - usando transparências, fitas cassetes ou apresentações de Power point, conforme a época e os recursos disponíveis - o perigo de a escola ficar ultrapassada por não oferecer ao aluno as novas tecnologias e o conhecimento de como usá-las. Fizeram também muitos encontros fora da escola, em diversos lugares, desde salas improvisadas, Diretorias de Ensino até - essa vi só uma vez - em um clube da cidade onde havia uma enorme quadra poliesportiva coberta. Na quadra cabiam todos os professores de todas as escolas estaduais da cidade, colocaram um telão e passaram imagens de palestras dadas por especialistas que explanavam sobre o perigo de a escola ficar ultrapassada por não oferecer ao aluno as novas tecnologias e o conhecimento de como usá-las. Nesse dia tinha, do lado de fora da quadra, uma área com mais de uma banquinha vendendo livros e outros materiais pedagógicos e, o melhor de tudo segundo alguns: na entrada cada professor recebia um lanchinho bem embalado com direito a um docinho como sobremesa.

Como disse no começo do texto, sou uma professora velha e já dei aulas em muitas escolas. Mudei de escola, de cidade e até de Estado, mas o discurso não mudou em nada. A escola corre o risco de ficar ultrapassada por não oferecer ao aluno as novas tecnologias e o conhecimento de como usá-las ou, traduzindo para o discurso comum: Precisamos dar aulas diferentes! O que, parece, passa obrigatoriamente por usar o aparelho de som, o carrinho móvel com a televisão e o vídeo cassete, a sala de vídeo e a sala de informática.

Acontece que, agora, o nosso aluno, mesmo o da escola pública, tem um computador na mão. Será que isso não pode significar que ele já não precisa tanto assim da sala de vídeo e da sala de informática? O problema, me parece, é que a escola sempre tem medo de ficar ultrapassada e, por isso, fecha os olhos e não percebe que sempre esteve ultrapassada. Escola é, na sua essência, um órgão ultrapassado. Sempre chegamos atrasados e essa é a nossa definição.

Se o aluno tem um computador de última geração na mão, temos que ter um bom motivo para levá-lo a uma sala com computadores em número insuficiente para sua turma e ultrapassados em relação ao seu. Se o aluno tem um computador na mão no qual pode ver vídeos, ouvir música e até ver filmes, temos que ter um bom motivo para levá-lo à sala de vídeo e passar um filme ao qual ele não vai prestar a mínima atenção porque aproveitará o “escurinho” para conversar, cochilar, trocar mensagens com os colegas de dentro e de fora da escola usando o seu computador de mão.

Claro que passar imagens, comentar, debater, questionar, ensinar sobre elas no momento em que estão sendo passadas é uma maneira muito boa de dar uma aula usando “as novas tecnologias”. Não duvido disso e não duvido que muitos professores o façam, eu mesma já fiz isso diversas vezes. Mas se for para que eles pesquisem um tema no Google, digitem um trabalho, vejam um filme ou vídeo e façam a respeito uma atividade posterior eu, Divina, não consigo ver necessidade da sala de vídeo ou da sala de informática. Posso muito bem pedir que façam essas coisas em casa, ou onde quiserem usando o computador que têm na mão. Ou que venham à escola no contraturno, ou seja, fora do horário de aula e, com um professor orientador, faça suas pesquisas. Claro que, para isso, teria que ter o professor orientador na sala de informática, da mesma forma que na biblioteca tem que ter um professor bibliotecário. Para mim, isso seria uma necessidade, principalmente nas escolas de periferia onde nem todos os alunos têm um computador de mão capaz de ajudá-los.

Esse ano, com meus alunos do Terceiro Ano do Ensino Médio e meus alunos do Nono Ano, trabalhei mais de um tema com atividades que exigiam pesquisa usando as “novas tecnologias” e não os levei à sala de vídeo ou à sala de informática, nem uma vez. Pedi que encontrassem e ouvissem uma determinada música, passei algumas questões relacionadas à música e várias dessas questões exigiam pesquisa que podiam fazer no Google e outros sites. Pedi que digitassem trabalhos feitos por eles e me enviassem por e-mail para um livro que publicarão no final do ano. Agora, estou pedindo que encontrem na internet a Declaração Universal dos Direitos Humanos e pesquisem sobre ela, vou querer a leitura e estudo do texto, vou recomendar vídeos e vou trabalhar o tema como produção de texto, a ser posteriormente digitado. E não estou planejando levá-los à sala de vídeo ou à sala de informática para isso.

Entendo que para alguns professores, algumas disciplinas e alguns conteúdos, faz todo o sentido usar essas salas, é também para deixar o espaço para eles que opto por não os usar desnecessariamente. Entendo que todo professor tem o direito de incluir esse recurso no seu planejamento e em suas aulas, entendo e defendo com veemência o direito de cada professor planejar e ministrar suas aulas conforme melhor lhe parecer. Da mesma forma, entendo que muitos professores usam essas salas mais por terem sido muitos cobrados para que fizessem isso do que por necessidade delas. Dentro da sua disciplina, do seu método pedagógico e do seu planejamento, tenho certeza de que cada professor é soberano e eu, que sou uma igual e nunca superior, não tenho o desejo nem o direito de dizer que esse professor está errado e muito menos de questioná-lo ou duvidar de sua capacidade e de seu profissionalismo. Não é e não tem que ser minha função!

Fico muito “puta da vida” quando vejo ou ouço aqueles “especialistas em pedagogia” que, se já entraram em uma sala de aula como professores foi há séculos, fazerem discursos e até dar os chamados “cursos de capacitação” responsabilizando, cobrando e criticando os professores, de forma generalizada. Os discursos tão comuns, às vezes de forma indireta e às vezes muito explícitos, de que nós, professores, somos todos incompetentes, somos os responsáveis por toda e qualquer deficiência na educação e somos culpados por todos os índices negativos, que insistem em aparecer apesar da “maquiagem” que eles tentam fazer. Essas acusações persistente são o que, de dentro da minha profissão, realmente me deixam furiosa. Então, não seria eu a cometer essa injustiça contra meus colegas.

O que quero dizer é apenas que eu posso, e qualquer professor pode, se quiser, não usar as salas de vídeo e a sala de informática e, mesmo assim, usar as “novas tecnologias” que, afinal, são apenas ferramentas - como o giz, a lousa, o livro, a caneta - e que, diga-se de passagem, não são tão “novas tecnologias” assim!

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